A MATA DO QUINCÃO – Folclore Paulista

A MATA DO QUINCÃO

Quem demandasse a cachoeira dos índios, ou o Porto da Quiçança, pela estrada velha da Santa Rita, tinha forçosamente de atravessar a mata do Quincão. E todo viajante fazia força de alcançá-la ainda com dia claro, para completar-lhe, assim, a perigosa travessia. E’ que essa mata era mal-assombrada.

Dentro da padronagem de terras, aqui da zona, esse trecho de floresta se apresentava como sendo a melhor cultura destas redondezas. Já vertendo para o vale do Rio Grande, do qual distava no máximo, cinco léguas, o espigão, que se alteava entre os córregos Anhumas e Capituva, se revestia de espécimes raramente encontrados nas primeiras desta região. Do bálsamo ao pau-d’alho, do cedro-rosa à peroba-rosa, da peroba-rajada ao angico-vermelho, do je-quitibá à guajuvira, do jatobá-amarelo ao marinheiro, os paus de serra se sucediam, no veio desse espigão, em maciços impressionantes de altas e copudas árvores. E, aí, o jaracatiá contracenava com o bacuri, o urtigão com a lixa, a correeira com o catiguá, do roxo, legítimos padrões de terra boa, humosa e fresca. A prova disso, também, era a abundância das candiúvas, que lhe enfeitavam o picadão estreito, como um renque de plantas ornamentais. E o que mais entusiasmava o velho Quincão é que, na sua mata, o próprio desponto dela, raleada em terreno mestiço, lhe oferecia a aroeira, a pataca, o faveiro e a peroba-poca, para as cercas e os serviços de sol e chão, que, um dia, tivesse de fazer na sua fazenda. E não escasseava, nessa área, na estação adequada, e para satisfação da sua rude eslesia, nem mesmo o borrão expressionista dos ipês, gargalhando alva-tnente no ipê-branco, para desesperar no amarelo-canário e morrer de paixSo, do ípé violáceo. .. Daí a razão do ciúme com que êle namorava aquele capão de mato virgem, vigiando «• como um crio de fila. Ai de quem lhe tocasse num arbusto sequer !

Êle não podia era com o fogo que, de vez em quando, lavrava por aqueles mundos. Principalmente agora, com a entrada de novos moradores, com a abertura de rocios novos, vivia o Quincão sobressaltado, por todo o período da seca. Assim mesmo, quanto dessem as suas forças, era se aproximar o mês de agosto, punha-se êle a rasgar aceiros, dos lados mais vulneráveis, numa tentativa, quase sempre vã, de preservar a preciosidade que se estendia por uma alentada centena de alqueires, que haveria de propiciar fortuna aos filhos e netos. Chiasse na distância um carro de bois, e Quincão lhe saía ao encalço, a pesquisar se não levava, escondidas sob a esteira, algumas lascas da sua intocável reserva. Carretão, — então, é que não podia passar por perto do seu rancho, único epíteto cabível para o casarão de pau-a-pique, coberto de sapé, que lhe servia de morada provisória desde que entrara para aquele sertão. Colava-se ao veículo, acompanhando-o pelo túnel sombrio, até que apontasse na claridade oposta, limiar aberto para o Capituva, que os quatro esteios de sua posse êle os havia fincado à margem esquerda do Anhumas, alertado por essa sabedoria cabocla, segundo a qual a margem esquerda dos rios ou ribeirões, é sempre melhor que à direita. .. Da boca do mato, ficava olhando a jamanta primitiva sumir-se na poeira da última curva da estrada. O seu medo é que acorrentassem à caixa, e a rolassem sobre a zorra do carretão alguma tora, que permanecesse camuflada à beira do caminho. Ultimamente, com o desbravamento das terias circundantes, e a conseqüente valorização das mesmas, começaram a aparecer grileiros audaciosos, querendo invadi i- c usurpar propriedades alheias. Por mais de uma vez, agrimensores gamelas tentaram abrir picadas na sua mata, alegando a existência de marcos nela enterrados, por donos imemoriais. Encontravam sempre, na mira dos seus taquiômetros e teodolitos, o trabuco decidido do indómito sertanista, acostumado a matar pintada a cacete. Desensa-rilhavain, num átimo, o tripé dos aparelhos e desabalavam num atropelo de balisas e picadeiros, apostando corrida pelos meandros da selva, que os acicatava nos acúleos do veludo, da lapecanga de folha grossa, e os comburia na chama verde d.i , urli.",as. Dessarle, o amor de Quincão àquela mula, pela forca exclusivista do seu impulso, atingia às raias do amor físico, possessivo e passional.

Quando a moléstia o atirou paia o fundo do catre, onde agonizara por dois ou três dias nos raros momentos conscientes, Quincão exclamava:

—"Acode, meu fio! Tem gente na mata derrubando parmito!" E lá saíam os filhos, chumbeira a tiracolo, só paia contentar o velho, como se fossem dar caça ao faminto apreciador do gratuito macarrão do tombo. E foi sonhando e dialogando com a sua "selva selvaggia" que Quincão exalou o derradeiro suspiro.

Os direitos dos herdeiros foram transferidos para outrem, que os passou para italianos, plantadores de café. Mas, a mata do Quincão continua, mais ou menos, inviolável. Debalde, ensaiaram a sua derrubada. Mais de um macha-deiro foi acidentado, espremido, na queda, pelo tronco, ou pela ramaria de seus gigantes florestais. Ao buscar-se madeira para a edificação da sede nova, complementada com curralama, coberta, paiol e mangueirões, mais de um serrador se viu alucinado, ao ser atacado pelas caçúnungas, pelas arapuás e sanharãs corta-cabelo, cujos enxames eram atiçados por mãos invisíveis. Tiradores de mel e de guarí roba eram escorraçados por látegos inesperados, como se dríades vigilantes ‘determinassem a um guarda poderoso :i sumária expulsão dos vendilhões do templo. E mais de 1111 > adolescente se perdeu na escuridão dessa mataria, como se atraído pelo filtro enfeitiçante de sedutora haina-driade, que vingasse a ousadia do pequeno lenhador. À noite, então, é que era mais denso e mais abracadabrante o estranho pavor, que pesava sobre toda aquela cercania. Mais de um viandante chegara em casa esbaforido porque vira, atônito, ao passar pelo malaréu, amplos e alvos lençóis dependurados pelo arvoredo, como a defendè-lo de qualquer penetração. Gritos estentóricos e gemidos roucos ecoavam pela alfombra noturna, estugando a bicharia para o oaminho enluarado, e fazendo refugar e empacar o burro ni.lis valente e o cavalo mais espirituoso.

A verdade nua e crua, era essa: a desoras, ninguém mais passava pela mata do Quincão! A alma do seu hirsuto e cierno proprietário a assombrara para lodo o sempre. ..

Colhida por J. Melo Macedo, TANABI — São Paulo

Fonte: Estórias e Lendas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Tomo I. Seleção de Alceu Maynard Araújo e Vasco José Taborda. Ed. Literat.

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