Agostinho e a noção de Idéia
Ângelo Fornazari Batista.
Agostinho
observa que foi Platão o primeiro sábio a nomear as Idéias. Pelo emprego do
verbo “nomear[1]”,
é permitido a nós inferir que elas já existiam antes mesmo deste. Com efeito,
diante de sua importância, admite Agostinho ser impossível que outros sábios,
além do grego, já não as teriam inteligido. Assim sendo, principiamos a falar
sobre as Idéias, pois, como afirma o Santo, esta questão “deve merecer atenção
e ser conhecida”. (Agostinho, 1993: 7)
As
Idéias são formas ou imagens[2],
o que lhes negam quaisquer propriedades sensíveis. São eternas e perenes em si;
donde não poderem ser formadas e ou agrupadas umas às outras. São, finalmente,
o princípio de tudo aquilo que pode existir ou que existe, entretanto, elas
mesmas não nascem nem morrem. Em suma, poderíamos conceituá-las como seres
formais e imutáveis que guardam dentro de si a (possível) existência do que é
contingente. Platão, também assim as definiu. Este, por dar às Idéias uma
existência independente da consciência que o homem venha ou possa fazer sobre elas,
foi chamado de realista. O mesmo comportamento daquelas foi preservado em
Agostinho. Grosso modo, a diferença teórica está no local na qual se
encontram. Enquanto Platão as assinala no Mundo das Idéias; Agostinho as coloca
na mente de Deus: é mediante a inteligência divina que as Idéias são criadas.
Ao passo que a inteligibilidade Ideal em Platão é percebida por meio de um
exaustivo movimento dialético, no qual o homem deve-se purificar dos engodos
sensuais e prezar uma vida virtuosa e ascética; Agostinho afirma que é só pela
alma racional[3]
que a visão das Idéias é possível. Desnecessário dizer que não é uma visão
fenomênica, já que não são todas as almas racionais que estão purificadas. Ou,
como afirma Agostinho: “na verdade, não é toda e qualquer alma racional, mas
aquela que for santa e pura, aquela que for declarada preparada para essa
visão: isto é, aquela que mantiver são sincero, sereno e semelhante àquilo que
pretende ver, aquele olho através do qual se vêem essas coisas.” (Agostinho, 1995,
9) Percebe-se que em Agostinho, para haver a “visão” é necessária uma
identidade entre aquele que vê àquilo que é visto[4].
É, resumindo, fundamental uma aproximação efetiva entre as idéias que derivam
diretamente de Deus e a alma racional. Grabmann sintetiza bem esta ligação e a
comparação com Platão: “poder-se-ia falar de uma cristianização da doutrina
platônica das idéias por Agostinho no sentido em que ele põe em conexão íntima,
já neste texto e também em outras obras, a doutrina das idéias com a idéia
cristã de criação, e não concebe o intelecto divino, a sede destas idéias, como
uma emanação divina, mas o identifica com a essência de Deus.” (Grabmann, 1993,
33).
Após
a conceituação das Idéias e a demonstração do local nas quais se encontram, Agostinho
diz ser impossível a qualquer um afirmar que não há uma racionalidade no mundo.
A racionalidade – a harmonia e perfeição – apresenta-se do seguinte modo.
Primeiro: tudo o que é, é feito como sendo Deus o criador; segundo, a
permanência no mundo fenomênico, de tudo quanto é abarcado pelos sentidos só é
possível porque Deus assim a deseja; e, terceira, que “a incomutabilidade
universal das coisas mutáveis perfazem seus cursos temporais segundo uma regra
exata [nas quais] sejam contidas e governadas pelas leis de Deus” (Agostinho,
1993: 9) Em outras palavras, tudo o que existe foi Deus quem fez, assim como a
Ele pertence o destino de suas obras, por serem guiadas por leis de Sua mesma
autoria.
Dissemos
acima que a alma racional, desde que pura, é o caminho que viabiliza a
contemplação das idéias. Infere-se portanto que, de início, apesar dela não ser
material – assim como as formae ou species – ela é maculada. Fato
este devido a sua qualidade de ser res – coisa. Segundo Agostinho, uma
mesma razão não dá existência fenomênica a gêneros diferentes, como é o caso
entre o cavalo e do homem. Nossa pressuposição de que ela está no homem,
decorre desta observação agostiniana. Ora, se o homem busca a felicidade
suprema, este só a alcança se possuir a alma imaculada.
Para
finalizar, algumas inferências de tudo que foi dito são pertinentes. Tais como:
1) o mundo é decorrência da realidade das idéias, portanto foi só em um momento
lógico e temporal posterior a essas que aquele foi criado por Deus; 2) em um
primeiro momento todas as coisas têm a mesma importância qualitativa, ou seja,
não há idéias que sejam superiores a outras. Pensamos assim, porque seria
lícito afirmar que o homem é produto daquela razão mais suprema, mais bem
ordenada. Todavia, se este não tivesse a alma racional e se esta não tivesse a
possibilidade de tornar-se pura, aquele se assemelharia aos outros animais; e
por fim, a primazia que Agostinho dá àquilo que é imaterial, em contraposição
àquilo que é sensível.
Bibliografia:
AGOSTINHO., "Sobre
as idéias", Cadernos de Trabalho CEPAME, São Paulo, 1993, II (1), pp. 6-11
GRABMANN, M.,
"A quæstio de ideis de Santo Agostinho: seu significado e sua repercussão
medieval" , Cadernos de Trabalho CEPAME, São Paulo, 1993, II (1), pp.
29-41
NASCIMENTO, C.
A.R, “O de ideis de Sto. Agostinho: Alguns temas Agostinianos e suas
relações com a tradição Platônica.”, Cadernos de Trabalho CEPAME, São Paulo,
1993, II (2), pp. 89-97
SOLIGNAC, A.,
“Análise e fontes da quæstio de ideis.”, Cadernos de Trabalho CEPAME, São
Paulo, 1993, II (1), pp.43-56
[1]
Em latim o verbo é perhibeo. No caso perhibetur é a voz passiva.
[2]
Formae e species, se traduzidas para o latim.
[3]
Não há menção explícita em qual local ela habita. Tomaremos, por razões
lógicas, que sua morada dá-se no homem, pois diferentemente dos animais, ele
possui razão e, concordando com os cristãos, almeja o reino dos céus.
[4]
“(…) mantiver são, sincero, sereno e semelhante àquilo que pretende ver(…)”
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