Da determinação do fundamento onto-teológico da metafísica na prova da existência de Deus de Anselmo de Cantuária

Da determinação do fundamento onto-teológico da
metafísica na prova da existência de Deus de Anselmo de Cantuária[1]

Roberto
S. Kahlmeyer-Mertens [2]

Resumo: O
texto é um estudo da prova da existência de Deus em St.°Anselmo. Pauta-se na análise dos principais argumentos dessa em sua obra Proslógio;
objetiva uma interpretação pontual dos diversos passos do filósofo.

Palavras-chave: Filosofia Medieval, Anselmo, Proslógio, prova da existência de
Deus.

A filosofia medieval não é só
uma empreitada exegética por fundamentar racionalmente os dogmas do
cristianismo sob exigência da Igreja, mas uma manifestação histórica necessária
para a delimitação do fundamento de todo ente, tarefa que, durante o medievo,
esteve atrelada às tentativas de provar a existência de Deus. Assim, prová-la,
fica desde já, definida como a tarefa filosófica de perguntar pelo fundamento,
pelo que dá sustentação a todo fenômeno possível (MÜLLER, 2003).

Tendo isto em vista, nosso exame
pauta-se no modo com que a metafísica na Idade Média aborda esta questão,
utilizando um modo especulativo de pensar o fundamento, ocupando-se desse e
entendendo-o como Deus. Essa abordagem interpretativa é possibilitada pela
leitura que Martin Heidegger faz de metafísica como “onto-teo-logia”, como o
próprio autor define:

A metafísica é onto-teo-logia. Quem
experimentou a teologia, tanto a da fé cristã como a da filosofia em suas
origens históricas, prefere hoje em dia silenciar na esfera do pensamento que
trata de Deus. Pois o caráter onto-teo-lógico da metafísica tornou-se
questionável para o pensamento, não em razão de um ateísmo, mas pela
experiência de um pensamento para o qual mostrou-se, na onto-teo-logia, a
unidade ainda impensada da essência da metafísica. Esta essência da metafísica
permanece, entretanto, para o pensamento ainda sempre mais digno de ser
pensado, enquanto (…) o diálogo que é dado com a tradição, que nos é dada
como destino (HEIDEGGER, 1973, p. 392).

O comentário de Heidegger aponta
para o modo intrínseco com o qual a metafísica e a teologia se relacionam, a
saber, o fato de ambas, em seu modo de lidar com a verdade questionarem a
essência de todo ente, pressupondo esta essência como uma unidade capaz de ser
determinada enquanto um ente. No caso da filosofia, a verdade que sustenta a aparição
das coisas; quanto à teologia, a causa primeira de todas essas coisas, um ente
sagrado
chamado Deus.

Em face disso, partimos do
pressuposto de que o exercício de provar a existência de Deus é ontologia, não
ficando, portanto, restrito apenas ao âmbito da teologia. Trata-se, então, de
pensar a filosofia na Idade Média, compreendendo-a como metafísica.[3] Por metafísica, entendemos a tentativa histórica de delimitação do fundamento
da totalidade dos entes, pelo anseio de fixar tal fundamento em vista do
pensamento do ente. Desse modo, filosofia, metafísica e ontologia serão
tratadas aqui como sinônimas, enfatizando o caráter de investigação da essência
do fundamento dos entes.

Após o esclarecimento que se
seguiu, partimos para a análise sintética em uma abordagem pontual desse
problema na obra de Anselmo, para quem Deus (teos) pode ser interpretado
como o fundamento de todo ente (ón) que, verdadeiramente, é, a ser
provado sob a exigência da lógica (logia). Com esse autor, o fundamento
dado a priori pela fé se torna racional, elucidado no ponto de vista
lógico, de modo a lucrar em seu conteúdo e articulação sistemática, podendo ser
entendido em sua profundidade. Essa afirmativa se endossa com o próprio autor,
quando descreve a intuição e os anseios que norteiam suas reflexões no opúsculo
intitulado Proslógio, texto que constrói em busca de: “(…) um único
argumento, válido em si e por si, sem nenhum outro, que permitisse demonstrar
que Deus existe verdadeiramente. Um argumento suficiente, em suma, para fornecer
provas adequadas sobre aquilo em que cremos acerca da substância divina”
(ANSELMO, 1973).

A idéia de fundamento já reside
na presente citação e se deixa ver nas afirmações relevantes a dependência que
os demais seres têm para com Deus. Segundo Anselmo, esses entes extraem de Deus
sua verdade, sua substância. Destarte, fornecer provas adequadas da substância
divina é delimitar a “sub-instância” (isto é, a instância subjacente ou
fundamental) que promove os demais entes. Para essa delimitação da substância
divina, Anselmo constrói um argumento reflexivo visando a estabelecer a prova
ontológica da existência de Deus,
especulação que o autor medieval leva tão
longe a ponto de (embora com uma roupagem teológica) tanger genuínos problemas
filosóficos.

A principal prova anselmiana da
existência ontológica de Deus (fundamento) agrega o seguinte conteúdo: o
intelecto humano conserva em si mesmo a idéia de Deus, ser maior que qualquer
outro pensado. Esse não poderia existir só no pensamento, pois, nesse caso, poderíamos
pensar algo maior, a saber, o que existiria fora do pensamento, mas também na
realidade, contrariando as máximas que expressam Deus como ser que contém, em
sua unidade, toda perfeição (summum ommnium bonorum cunctaque bona intra se
continens
).

Para chegar a esses termos,
Anselmo parte de uma objeção à concepção meramente subjetiva de Deus, pois esta
diz que Deus é uma idéia que traduz uma essência suprema mas desprovida de
existência objetiva. Segundo o autor, essa tese que contradiria a concepção do
Deus perfeito, uma vez que introduz nesse conceito uma imperfeição, a falta de
sua existência efetiva.

Embora essa prova tenha gerado
um sem número de discussões filosóficas ao longo dos séculos,[4] ela consiste em uma manobra muito simples que pode ser decomposta em três
movimentos: I. A assunção da premissa Deus é, “o ser do qual não é
possível pensar nada maior”; II. A defesa da impossibilidade de afirmar
a inexistência de Deus; III. Legitimação das afirmações que compõem tal argumento. Após esse breve resumo, que remonta todos os movimentos da prova
anselmiana, o que se segue é a explicação pormenorizada desses momentos.

I

O primeiro argumento é a
chave para todo o mecanismo da prova. Consiste na assunção de uma premissa
pautada em uma intuição imediata de Deus, que viria estabelecer que não é
possível pensar nada maior que Deus (id quo maius cogitari non potest).
Com essa, o filósofo parece pretender um critério que torne possível pensar
Deus como um objeto a ser conhecido pelo homem, i. e, tenta uma aproximação que
faz que Deus possa ser apreendido. Nessa premissa, o que promove tal
aproximação é o caráter de “extenso” representado pela idéia de “maior”.
Entretanto, já em uma primeira leitura, isso nos parece forçoso, pois Deus
(pelo menos como é representado pela teologia cristã) não possui extensão ou
espacialidade. Por isso, não pode adequar-se a categorias da ontologia
tradicional como: medida ou quantidade. Ainda assim, Anselmo admite o “maior”
como critério, utilizando-o para refutar a resistência vigente entre os
incrédulos de que Deus seria apenas uma idéia desprovida de realidade. Para
tanto, o filósofo nega a hipótese de que Deus existiria apenas no intelecto dos
homens, pois, nesse caso, Deus não existiria no restante da realidade; havendo,
assim, algo maior do que Deus: a própria realidade. E isso contrariaria a
premissa inicial adotada como critério.

Essa postura de Anselmo gera
outra controvérsia quanto à lida com critérios de medida, pois nada indica que
isso que chamamos de realidade seja maior que a inteligência humana. Malgrado,
o filósofo considera assim, por uma medida estratégica, pois, desse modo,
poderá ele estender a idéia de Deus para todo o resto da realidade, onde ainda
não se considerava que estivesse. Com esse passo, a filosofia de Anselmo aponta
que Deus está presente não só no intelecto humano (veritas est rectitudo
sola mente perceptibilis
) mas também na realidade, afirmativa que confirma
o dogma teológico da onipresença de Deus, além de dar base para
comprovar sua existência que, até o momento, encontra-se apenas pressuposta. A
efetivação da comprovação da existência de Deus é o que demonstraremos agora
com a análise do segundo movimento.

II

O segundo argumento é
conseqüência do primeiro e é onde se efetiva a dita prova. Contando com a
afirmação extraída do movimento anterior, Anselmo considera Deus onipresente,
isto é, Deus está presente no intelecto do homem, mesmo daqueles que,
insipientes, afirmam que ele não existe a não ser como simples conceito (nuda
intellecta
); também está na realidade (res), que o filósofo
compreende como outra coisa que não o homem. A onipresença de Deus mostra-se
como uma totalidade, fruto de um somatório dessas duas partes (intelecto e
realidade). Isso serve de base para que o filósofo afirme a impossibilidade da
inexistência de Deus:

Ora, aquilo que não pode ser pensado
como não existente, sem dúvida, é maior que aquilo que pode ser pensado como
não existente. Por isso, “o ser do qual não é possível pensar nada maior” se se
admitisse ser pensado como não existente, ele mesmo, que é “o ser do qual não é
possível pensar nada maior” não seria “o ser do qual não é possível pensar nada
maior” o que é ilógico. Existe, portanto, verdadeiramente “o ser do qual não é
possível pensar nada maior”; existe de tal forma, que nem sequer é admitido
pensá-lo como não existente (ANSELMO, 1973, p. 108).

Anselmo dá uma guinada em sua
argumentação, provando a existência de Deus ao impingir aos insipientes a
impossibilidade dessa negação. Desse modo, a prova da existência de Deus é
operada por Anselmo pela impossibilidade da negação de que Deus existe, pois
onde antes havia espaço da realidade para que os insipientes dissessem “Deus
não existe”, agora este se encontra preenchido também por Deus. Explicaremos:
dizer que Deus não existe é dizer que ele não é, mas, silogisticamente, para o
filósofo: a) Deus é maior que tudo que existe, b) o nada existe, ainda que seja
como a negação do que é, logo: c) Deus é maior do que o nada.

Do mesmo modo, dizer que Deus
não existe é negar-lhe a presença. Mas, para o filósofo: Deus está presente em
tudo quanto efetivamente é (intelecto e realidade), pressupondo que o nada seja
algo (ainda que a negação abstrata do que é), Deus estaria presente inclusive
no nada. Assim, Anselmo estende Deus (que já ocupava a inteligência dos homens
e a realidade) também para o nada, impossibilitando os descrentes da cogitação
da hipótese da inexistência de Deus, sob a pena de essa insistência incorrer em
incongruências lógicas. Tendo demonstrado o mecanismo do segundo movimento da
prova ontológica da existência de Deus, partimos agora para o terceiro e
último movimento
.

III

Se, para provar a existência de
Deus, Anselmo utiliza dois breves Capítulos de seu Proslógio, para legitimá-la,
o autor tem que redigir muitos outros (ANSELMO, 1973). O estudo elaborado no
parágrafo que se segue, ocupar-se-á desses aspectos.

Como já dissemos, o critério de
extensão utilizado por Anselmo para tornar Deus possível de ser pensado em um
contexto lógico-racional é inadequado, pois extensão é uma característica dos
corpos (extensos), dizendo assim respeito a uma experiência sensível, o
que Deus não é, nem está sujeito. Entretanto, o filósofo, por motivo que agora
já conhecemos, adota essa atitude expressa na premissa: “o ser do qual não é
possível pensar nada maior”. Logo adiante, lemos o seguinte: “Portanto, o que
és tu, ó Senhor, Deus meu, tu de quem não é possível pensar nada maior? Mas
quem poderia ser, senão aquele que __ supremo entre todas as coisas, único
existente por si mesmo__ criou tudo do nada” (ANSELMO, 1973). Essa citação
poderia ser reformulada da seguinte forma: Deus é aquilo do qual nada podemos
pensar algo maior, é aquilo ao qual nada falta, é maior por ser o criador de
tudo a partir do nada, nada que é também Deus.

Na citação, vemos a idéia de
“maior” associada à idéia de “supremo”, significado que o termo “maior”,
imediatamente, não traz.[5] Temos, nessa passagem, a clara compreensão do que Anselmo entende por supremo.
Deus é aqui supremo por ter criado tudo do nada. Constatamos que, nessa
passagem, Anselmo, usando da ambigüidade entre os dois termos, dá nova
significação à palavra “maior”. Deixa, assim, de expressar comparativamente uma
grandeza física para fazer uma valoração, induzida através de sua aplicação
anterior. Isso faz que o “maior” se relacione com a idéia de totalidade
produzida pelo somatório de intelecto e realidade. Além de confirmar a tese de
que não se pode pensar na inexistência de Deus, pois, agora, Deus também
aparece como fundamento dessa totalidade que inclui o nada.

Adiante, vemos o autor retificar
outra imperfeição do seu argumento:

Com efeito, se apenas os corpos são
sensíveis porque os sentidos estendem-se pelo corpo e encontram-se dentro do
corpo, como poderá acontecer que sejas sensível tu, que não és corpo e, sim,
Espírito supremo, o que é melhor do que ser corpo? (…) ó senhor, embora não
sejais corpo, és, todavia, sumamente sensível, do mesmo modo que conheces
profundamente todas as coisas; não porém segundo a pura sensação corpórea do
ser animal (ANSELMO, 1973, p. 111).

Como foi visto, essa grandeza de
Deus é uma totalidade, não podendo faltar nessa o aspecto sensível (caso
contrário, não seria totalidade), afirmação que também se aplica ao “maior”,
que é um aspecto típico das coisas extensas conhecidas pelos sentidos. Assim,
como vemos na citação, o filósofo afirma a tese de que Deus é sensível, embora
não seja corpo, incorrendo em uma notória contradição. Contudo, ao introduzir a
noção de sensibilidade sem corpo no conceito de Deus, Anselmo consegue
minimizar o conteúdo problemático que o termo “maior” possui aqui. Ao nosso
ver, essa redução parece consistir no seguinte: o “maior” foi utilizado como
medida para Deus, mas é melhor que pensemos Deus, a partir de agora, como o
supremo, como “o que é melhor que exista do que não exista, como o que é único
e existente por si mesmo” (ANSELMO, 1973).

Se, no argumento de Anselmo, a
relação entre o espaço e Deus recebeu um tratamento paliativo (que reincidiu,
de maneira problemática, ao longo de todo argumento), o filósofo é categórico
ao tratar da relação entre o tempo e Deus: “(…) não existes ontem, nem existe
hoje nem existirá amanhã, porque ontem, hoje e amanhã tu existes; mas não se
deve dizer ontem, hoje, amanhã, e sim, simplesmente, existe; e fora de qualquer
tempo” (ANSELMO, 1973). Dessa citação podemos extrair duas afirmações:

1.      Deus possui anterioridade ante tudo, inclusive ante o tempo. Assim, para
Anselmo, Deus trafega em uma instância na qual não vigora um registro de tempo,
abrangendo a esfera temporal e tudo que nela se insere mostrando-se a essas
como infinito. Como nos comprova o autor: “Tu (Deus), portanto, preenches e
abranges todas as coisas existentes, pois tu existes antes e depois delas” (ANSELMO,
1973).

2.      Constatamos que o autor inicia um movimento para esquivar-se da
compreensão de Deus como uma totalidade. Uma totalidade resulta sempre de um
somatório de partes; sejam elas do que forem, são sempre finitas e a totalidade
dessas partes, por maior que seja, é também finita, o que contrariaria a
premissa anselmiana de que Deus é infinito, seja espacial ou temporalmente;
logo, não pode ser pensado como partes (ontem, hoje, amanhã) nem como um
total produto de uma adição dessas partes (o tempo). Anselmo (1973)
resolve esse problema estabelecendo a distinção convencionada para o
significado das expressões “século do século” e “séculos dos séculos”.

Na distinção, Anselmo apresenta
o “tempo” como aquilo que contém todas as coisas temporais; “século” como o
conjunto de tempo, o somatório do tempo e das coisas que ela abrange; “séculos”
como a eternidade em Deus, uma “unidade indivisível, porque sua imensidade é
interminável”. Isso permite ao filósofo converter o conceito de totalidade,
no qual até então Deus se inseria, no conceito de unidade, que não mais
representa o produto de um somatório. Entretanto, essa idéia não corresponderia
a uma unidade se permanecesse pendente o problema do espaço, como vimos logo
acima. Pois, do mesmo modo que o tempo, a grandeza ou a totalidade de Deus no
espaço seria também fruto de um somatório de partes, tratadas respectivamente
por homem, realidade, coisas.

Para desviar-se desse problema,
o filósofo subjuga o espaço ao tempo de modo que o espaço aconteça, também,
como “coisa” temporal. Assim, para Anselmo (1973), Deus, que não está no tempo,
passa agora a não estar no espaço, manobra que faz com que o problema da
espacialidade de Deus fique resolvido, fazendo com que a conversão do critério
espacial de “maior” em “supremo” seja legitimada e a unidade que Anselmo
pretende pode ser afirmada. Após esse movimento, passa-se a observar na
argumentação de Anselmo termos que enfatizam essa unidade, fato que, embora
seja digno de nota, não decide a prova ontológica da existência de Deus.

Somente tu, ó senhor, és aquilo que
és, e somente tu és aquele que és. Com efeito, o ser que não é o mesmo em sua
totalidade e em partes, ou que está sujeito em algum ponto a variações, esse,
certamente não é aquilo que é. Assim, também, todas as coisas que tiveram início,
porque antes não existiam, podem ser pensadas como não existentes e, se não
forem mantidas na existência por meio de outro, voltam ao nada. E tudo aquilo,
cujo passado não existe mais e cujo futuro ainda não é, não existe em sentido
próprio e absoluto. Tu, ao contrário, és verdadeiramente aquilo que tu é, ainda
que apenas uma vez e de alguma maneira, continuas sendo completamente e sempre
(ANSELMO, 1973, p. 124).

No trecho selecionado,
presenciamos um resumo de todo o argumento e algo de que estamos convencidos
que seja a conclusão da prova. Anselmo pretendeu demonstrar que Deus existe de
tal modo que sequer podemos cogitar sua inexistência, sob a pena de incorrermos
no erro e na impossibilidade de pensar algo que não esteja em Deus. Provar que Deus existe para além do tempo e de todas as coisas que se circunscrevem
nessa esfera, sendo assim infinito e, por assim ser, durando mais que todas as
coisas finitas que existem. Assim, no fim dessa demonstração, Anselmo crê ter
provado que Deus é uma unidade “verdadeira”, “interminável”, “completa”,
“absoluta”, desde a qual tudo teve origem. No Proslógio, os Capítulos
que se seguem parecem não se preocupar tanto mais com o aspecto filosófico da
prova, limitando-se agora a fazer remissão à doutrina cristã, que confirma que
a prova ontológica da existência de Deus em Anselmo é o produto de uma
arquitetônica engenhosa, na qual idéias filosóficas se associam aos dogmas do
cristianismo sempre presentes em cada passo dado, ainda que de forma
subliminar.

O presente texto teve como
intuito pensar o movimento de provar a existência entre os medievais como
expressão do fazer filosófico, situado em um momento da História da filosofia.
Diante desta consideração, buscou-se interpretar a filosofia como determinação
do fundamento de todo ente, no qual cada ente extrai sua substância a partir da
derivação da substância primeira pertencente a Deus. Desse modo, interpretamos
a prova da existência de Deus como ontologia, como metafísica. Lançamos mão da
análise pontual do texto de Anselmo em seu Proslógio, no intuito de estudar o modo com o qual o autor opera sua prova a partir do uso instrumental da
lógica, argumentação que analisamos detidamente naqueles que reconhecemos ser
seus três principais movimentos, reconhecendo, finalmente, o esforço
autenticamente filosófico elaborado no argumento que compõe a prova e o
exercício de ontologia que esta constitui. Ainda que sob um primeiro olhar esse
exercício se mostre muito mais preocupado em informar logicamente o patrimônio
da fé e endossar os mistérios da crença.

Bibliografia:

ADAMS, R. M. The logical structure of
Alselm’s arguments.
In The Philosophical Review, v.80, pp. 28-54. 1971.

ANSELMO. Proslógio, In Col. Os
pensadores. Trad.
Angelo Ricci. Rio de
Janeiro: Abril Cultural, 1973.

GILSON, E. A filosofia na Idade
Média
. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

HEIDEGGER, M. A constituição
onto-teo-lógica da metafísica
. Trad. Ernildo Stein. Col. Os Pensadores. Rio de Janeiro: Abril Cultural,
1973.

_________. Estudios sobre mística
medieval.
Trad. Jacob Muñoz. México: Fondo de Cultura Económica, 1997.

HIRSCHBERGER, J. História da
filosofia na Idade Média.
Trad. Alexandre Correia, São Paulo: Herder, 1959.

KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Memória
e confissão como o exercício prático da verdade do conhecimento de Deus em Agostinho. In Veritas,
Porto Alegre. v. 8, n.º3. Setembro de 2003. pp. 343-349.

LIBERA, A. Pensar na Idade Média.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1998.

________. A filosofia medieval.
Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

MÜLLER, J. Möglichkeit
und Notwendigkeit der Existenz Gottes: Anselms ontologischer Gottesbeweis in
der Monadollogischen Deutung von Charles Hartshorne
. In Veritas, Porto Alegre, v. 8, n°3,
Setembro, 2003. pp. 397-415.


[1] Anselmo de Cantuária (Santo) Nascido em
Aosta/Itália em 1033. Foi Abade beneditino de Santa Maria do Bec/Normandia.
Autor de obras como o Monológio (1076) e Proslógio (1078), ambos
meditações dedicadas ao fundamento real da fé, nos quais se encontra a tentativa
de fundar a fé sobre a razão; no último presencia-se a prova ontológica da
existência de Deus, que trouxe notoriedade a seu autor. Anselmo foi Arcebispo
da Cantuária em 1093. Considerado mais tarde um dos quatro doutores da Igreja
Católica por ter ao lado de Agostinho “chegado ao ponto culminante da
Patrística e talvez de toda filosofia cristã” (GILSON-BÖHNEN apud HIRSCHBERGER, 1959). Faleceu em 1109.

[2] Doutorando em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ,
Professor na Faculdade de Formação de Professores da UERJ e da Professor da
Universidade Cândido Mendes/UCAM. Autor de Filosofia Primeira – Estudos sobre
Heidegger e outros autores.

[3] Esta avaliação se endossa a
partir do seguinte argumento: “Se tratarmos da filosofia que se produziu no
período chamado Idade Média, seja qual for a compreensão que se tenha desse
momento histórico, não podemos negar um traço marcante que perpassa toda essa
produção: um esforço, plural em modalidade, para estabelecer uma fundamentação
racional para certos dogmas cristãos sob exigência da teologia. Movida por uma
iniciativa declaradamente teológica, a filosofia no medievo era a ferramenta
com a qual a teologia lidava com suas questões. Tendo em vista essa relação,
por muito tempo vigorou a crença de que na Idade Média não haveria
manifestações de filosofia. Pois, se compreendêssemos, no que concerne a seus
temas, a filosofia como um movimento de determinação do fundamento da realidade,
o que veríamos na filosofia medieval, pelo menos sob um primeiro olhar, seria
só teologia ou que estaria a serviço desta última [como tantas vezes avaliou o
monge Pedro Damião (1959): “philosophia ancilla theologiae”].
Entretanto, essa crença logo se abala se conferirmos mais de perto o material
estudado por essas duas ciências. Logo vemos a possibilidade de apontar entre
as questões que pareciam exclusivamente teológicas, pontos genuinamente
filosóficos, questões que confirmam esse caráter uma vez que são identificadas
como também um movimento de determinação do fundamento da realidade, após
projetadas na História da filosofia. Esta projeção nessa história nos revela
uma ordenação que é manejada por uma relação de necessidade entre os momentos
históricos. Daí, extrai-se que a filosofia feita na Idade Média é um momento
necessário na história do pensamento do ocidente e ainda que os pensadores
desse período não se dessem conta (estando ocupados com tarefas que lhes
pareciam mais imediatas) estavam eles, como todos os outros filósofos, sendo
promovidos pela exigência do pensamento de seu tempo; dando corpo a algo ainda
velado e que hoje podemos apontar com mais clareza e chamar de filosofia
medieval” (KAHLMEYER-MERTENS, 2003, p. 344).

[4] Por exemplo, a crítica de Gaunião, que por
ocasião da publicação do Proslógio (1078) objetava ser insuficiente a
mera suposição de Deus para que esse tenha sua existência efetivada e
posteriormente comprovada ou, em suas palavras: “Não é o fato de eu supor
idealmente existentes as Ilhas Afortunadas, que elas existem”. Temos também
outras objeções por parte de Tomás que rejeita a apreensão de Deus dada por uma
intuição, e sua característica inalteidade, afirmado, em seu lugar, a
tese de que Deus é apenas acessado através de suas criaturas, que teriam em seu
modo de ser traços disso que as causou, da causa primeira que é Deus. Além
disso, temos os comentários dos autores da Baixa Idade Média como Duns
Scot, Ockham e Eckhart, e influência sobre o pensamento moderno de Descartes,
Leibniz e Kant (este último atribui a Anselmo crítica similar a de Gaunião).

[5] Discrepância que talvez ficasse mais evidente com
a analogia entre vocábulos que trazem significados assemelhados, por exemplo, a
associação de “grande” com “grandioso”.

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