Interpretação da Ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori na Crítica da razão pura de Immanuel Kant

Interpretação da “Ciência de todos os princípios da
sensibilidade a priori” na Crítica da razão pura de Immanuel Kant[1]

Roberto S.
Kahlmeyer-Mertens [2]

Resumo: O texto pretende apresentar e
esclarecer os conceitos elementares da Crítica da razão pura (1781) de
Kant.[3] Nesta obra, o tópico Estética transcendental é tratado como a Ciência
de todos os princípios da sensibilidade a priori
, e juntamente com o Sistema
de todos os princípios do entendimento puro
é, um dos seus principais
pilares, dando sustentação a todo o seu arcabouço conceptual. Portanto, a
explicação didática proposta aqui pretende deixar claro o quanto este tópico é
importante à tarefa proposta pela Crítica da razão pura.

Palavras-chave: Filosofia Moderna, Idealismo Alemão,
Kant, Crítica da Razão Pura

O propósito deste
trabalho é estudar a Estética transcendental contida na Crítica da
razão pura,
de Immanuel Kant. Esse estudo deverá deter-se em interpretações
de textos do autor, buscando através desse processo uma compreensão deste
procedimento considerado, pelo autor, científico, que se refere ao que o mesmo
chama de princípios da sensibilidade a priori. Cremos que, através dessas
interpretações, poderemos tematizar os principais conceitos da filosofia de
Kant, com isso, atingindo uma compreensão ampla de sua teoria do conhecimento.
De maneira breve, iniciaremos nosso texto, abordando conceitos apresentados na
Introdução de sua já citada Crítica da razão pura, para que, só então,
munidos dessas noções preliminares, possamos adentrar ao tema, que objetivamos.
Pretendemos tornar nítidas as principais teses dessa Estética transcendental,
o que pretendem e para onde estas se endereçam.

O pouco rigor do título do
presente texto pode sugerir que o estudo da Estética transcendental dar-se-ia
apartado do contexto da Crítica da razão pura. No entanto, isso
não deve ocorrer, pois uma análise unicamente detida nessa parte da obra nos
limitaria o raio de visão necessário para apreendermos o significado e
propósito de uma Estética transcendental, bem como da obra na qual esta está
contida. Afirmativa que justifica o primeiro movimento do texto que vamos
desenvolver; consistindo em um apanhado geral dos objetos e procedimentos da
obra citada.

Comecemos perguntando o que
significa uma “Crítica da razão pura”. Tal título nada sugere se o
interpretarmos desde uma compreensão cotidiana dos termos que o compõem isto é,
“crítica”, “razão” e “puro”. Kant entende por “crítica” não o movimento de um
discurso que aponta insuficiências ou falhas, e que, por assim ser, viria
possuir um caráter negativo ou depreciativo. Crítica, para Kant, é um exercício
de delimitação de um objeto. No caso de que tratamos, tal objeto é a “razão
pura”. Razão é, para a filosofia, um termo tradicional e que ganha diversas
conotações ao longo de seu processo histórico. O entendimento que nosso autor
tem de razão, aqui, é igualmente tradicional e trata-se de uma faculdade a qual
todos os homens possuem e que permite que sejam capazes de entender, conhecer,
julgar etc.[4] Entretanto, o acréscimo do temo “puro” torna essa compreensão de razão diversa
do resto da tradição. O termo, que é um diferencial, mostra-se neste título
como o adjetivo “pura”. Portanto, a razão a qual Kant se refere é “razão pura”.
Ora, mas o que seria uma razão pura? O que puro quer dizer aqui? O que seria
aqui puro? Uma coisa pura é aquela que se encontra livre de outra coisa que
venha lhe interferir. Por exemplo, diz-se que a água é pura quando esta se encontra
livre de impurezas, de matéria em suspensão; de outras substâncias diferentes
de água. A razão é pura, pois não possui em si nada que não seja ela própria,
nada que lhe tenha sido agregada em um momento posterior.

Uma vez tendo analisado
cada termo componente do título de nossa obra (estando agora munidos da
terminologia requerida para tratar da questão), podemos tentar recompô-lo,
buscando nova intelecção. Assim, Crítica da razão pura é uma delimitação
dessa faculdade chamada razão em um estado de pureza
, ou, ainda, é o
exercício de descoberta dos limites dessa faculdade que permite ao homem
conhecer, julgar etc; faculdade essa que, para Kant (1994), efetua determinadas
funções à priori.

Quando afirmamos que a
razão é a faculdade que, dentre as outras, permite que o homem efetue
conhecimentos, já estamos enfocando aquilo que, para o filósofo, está em
questão nesse texto: o conhecimento. Uma breve retrospectiva das abordagens
desse problema na história nos permitirá uma compreensão clara de como o conhecimento
é, nesta primeira crítica, a questão para Kant.

A filosofia de Kant
floresce em uma época na qual as ciências efetuam grandes progressos. Todas
essas transformações fazem que nosso autor indague o porquê da metafísica
(considerada a mãe de todas as ciências e a melhor representante do saber) não
demonstra avanços significativos, apenas limitando-se à execução de análises
que não são mais que desdobramento de conceitos. Kant considera essa dogmática
no sentido de que se pauta unicamente em conhecimentos a priori, isto é, em
idéias que se dão apenas no entendimento e que não possuem comprovação
empírica, i.e, a posteriori. Por isso, Kant propõe elevar a metafísica
ao status de ciência, mas não de uma ciência qualquer, mas a ciência
tida como nos padrões de seu tempo. Para tanto, pretende dotar a metafísica do
rigor dos procedimentos das ciências matemáticas, importando-lhe o fundamento
matemático do qual compartilha a geometria euclidiana e a física newtoniana.
Deste modo também a metafísica poderia participar do ritmo de progresso das
outras ciências.

Mas o que o problema do
conhecimento metafísico teria a ver com o significado de Crítica da razão
pura,
tal qual apresentamos acima, isto é, compreendida como exercício de
delimitação da razão? A ligação mais imediata que poderíamos apontar, que se
mostra evidente, é o fato de a razão ser a faculdade do conhecimento.
Entretanto, essa pergunta tem o significado de maior amplitude e busca já
delimitar a relação dos conhecimentos da razão com uma ciência de conceitos
puros chamada metafísica, mais especificamente em tipos específicos de
conhecimentos da razão, os “conhecimentos sintéticos a priori”:

Ora, o verdadeiro problema da
razão pura está contido na seguinte pergunta: Como são possíveis os juízos
sintéticos a priori? O fato da metafísica até hoje se ter mantido em estado tão
vacilante entre incertezas e contradições é simplesmente devido a não se ter
pensado mais cedo neste problema, nem talvez mesmo na distinção entre juízos
analíticos e juízos sintéticos (KANT, 1994, p. 49).

A presente citação
requisita uma série de esclarecimentos quanto a novos conceitos que aqui foram
introduzidos e também advertência sobre essa nova terminologia utilizada. Essas
explicações aparecerão como subquestões ao passo que tratamos de questões de
natureza mais ampla. Assim, ao começarmos pela pergunta “o que são juízos
sintéticos a priori?”
, vemo-nos, preliminarmente, no dever de
conceituar o que para Kant é juízo.

O termo “juízo”, em Kant, possui sentido específico,
referindo-se a uma faculdade de julgar. Afirma-se como um conhecimento dos
sentimentos do prazer e desprazer, aplica-se, em geral, à arte.[5] Entretanto, quando, no contexto da primeira crítica, vemos o termo juízo
aplicado, este pode ser compreendido como referente ao entendimento; logo,
voltados ao conhecimento da natureza e à conformidade a suas leis. Assim, juízo
no citado livro, diz respeito a um modo de conhecer, de exercitar o
entendimento num ato de conhecimento, de pensar um objeto. O termo “sintético” diz
respeito a um tipo de conhecimento.

Para Kant, os
conhecimentos podem possuir forma sintética ou analítica. Como o
próprio nome já diz, sintético é aquele que faz síntese, ou seja, aquele que no
seu contexto efetua uma ação de síntese entre significados. Explicaremos:
quando dizemos a bola é amarela, isso constitui um conhecimento
sintético, pois amarelo não é um predicado inerente ao conceito de bola.
Assim, diz-se sintético, pois o conceito de cor amarela foi acrescentado ao
conceito de bola. Essa definição de conhecimento sintético é oposta ao
de conhecimento analítico. “Analítico” diz respeito a um processo de análise
donde nenhum conceito novo é obtido. Nesse modo de conhecimento, vigora um
desdobramento daquilo que, inicialmente, se tinha. Assim, quando afirmamos a
bola é esférica,
esfericidade não constitui um novo elemento extraído
através da síntese, mas um mero desdobramento analítico do conceito, pois,
afinal, esfericidade já pertence ao conceito de bola. O termo, “a priori”, dita
a determinação metafísica do conhecimento. Segundo esta designação, os
conhecimentos podem ser a priori ou a posteriori. Em uma palavra,
a posteriori é todo conhecimento cujo conteúdo se pode adquirir através do
contato empírico, pela experiência. A priori é todo conhecimento que independe
da experiência (emperia), são conhecimentos puros.

Kant defende a existência
desses conhecimentos, afirmando que eles são possíveis e demonstráveis pelas
matemáticas. Assim, mesmo que não possuamos materialmente um triângulo (que nos
serviria para verificarmos conceitos pela experiência), é possível conhecer,
aprioristicamente, que a soma de seus ângulos internos é sempre 180 graus.

Temos agora subsídios
para responder à pergunta anteriormente formulada: “O que são os juízos
sintéticos a priori?” São proposições que estendem o conhecimento através da
síntese e que podem ser operados sem lançar mão da experiência
. Para Kant,
esse é o único modo de conhecimento real e capaz de promover o progresso da
metafísica enquanto ciência. Esse conhecimento promove juízos válidos e
aplicáveis a toda natureza, dado seu caráter apodíctico, isto é, universal e
necessário. Kant vai receber diversas críticas sobre esse modo de conhecimento
que afirma ser o ideal. A maioria delas pergunta como seriam possíveis esses
juízos sintéticos a priori? Isto quer significar: como é possível um tipo de
conhecimento extensivo, algo que pressupõe a síntese com o empírico, e, no
entanto, este ser estritamente puro? A resposta à pergunta “como são possíveis
conhecimentos sintéticos a priori?” Passa a ser um encargo para Kant e da
sustentação dessa premissa depende toda sua teoria do conhecimento.[6] Como resposta à indagação parágrafos acima, respondemos: é preciso demonstrar
que a razão pode executar conhecimentos sintéticos a priori e essa comprovação
faz-se através da Crítica da razão pura.

A filosofia transcendental é a idéia de uma ciência para qual
a crítica da razão pura deverá esboçar arquitetonicamente o plano total, isto
é, a partir de princípios, com plena garantia de perfeição e solidez de todas
as partes que constituem esse edifício (é o sistema de todos os princípios da
razão pura) (…) À crítica da razão pura pertence, pois, tudo o que constitui
a filosofia transcendental; é a idéia perfeita da filosofia transcendental, mas
não é ainda essa mesma ciência, porque só avança na análise até onde o exige e
apreciação completa do conhecimento sintético a priori (…) Por isso, a
filosofia transcendental outra coisa não é que uma filosofia da razão pura
simplesmente especulativa (KANT, 1994, p. 55).

Se, até aqui, não se podia ver a
diferença entre Crítica da razão pura e isso que Kant chama de
metafísica ou filosofia transcendental, essa citação vem grifar tal diferença.
Esta Crítica esboça seu plano geral. Isto é, apresenta princípios e aponta como
deveria edificar-se uma filosofia transcendental. Assim, apresenta-se como um
“organon” capaz de gerar tal sistema como uma propedêutica que, através da
crítica das fontes e limites da razão pura, pergunta como são possíveis os
juízos sintéticos a priori.

A apresentação dos princípios
utilizados na Primeira Crítica dá-se na parte dessa obra chamada Estética
transcendental.
Ao contrário do que se pode pensar, estética aqui não quer
dizer ciência especulativa do belo nas artes. Kant (1994) adverte em nota que o
significado prezado é justamente o que os alemães ainda utilizam, não
concernente somente ao domínio do belo, mas como condizente à compreensão grega
de “aisthesis”, isto é, de sentido, sensação. Esse significado é muito próximo
ao que Kant pretende ao abordar em investigação as estruturas do sujeito do
conhecimento. Assim, o termo estética, aqui, oscilará entre a compreensão da
estrutura transcendental e psicológica do sujeito.

Mas o que poderíamos entender por
transcendental? Diz-se transcendental tudo quanto concerne à estrutura
subjetiva desse que conhece, estrutura que adiantamos se dá aprioristicamente e
que será abordada de maneira pormenorizada a seguir.

Kant afirma que é pela intuição que
os homens conhecem. Ora, quem conhece, conhece sempre algo, que,
necessariamente, passa a ser objeto desse conhecimento. Entretanto, esse
possível objeto de conhecimento tem que ser manifesto em fenômeno. Como fenômeno, este objeto possível afeta o sujeito. O sujeito recebe essa
afetação; segundo Kant, essa receptividade só é possível graças à
sensibilidade. O produto dessa relação da afetação do objeto é a intuição, que
apreendida pelo espírito ou entendimento do sujeito, gera a conceituação e a
conseqüente consumação da coisa ou objeto possível em objeto de conhecimento. A
distinção entre objeto possível e objeto de conhecimento é problemática, mas
pode muito bem ser remediada com a respectiva adoção dos termos “coisa” e
“objeto” (assim, coisa é todo objeto indeterminado, seja ela em si ou no
fenômeno). Para o autor, “coisa” (Ding) é tudo aquilo que há e
que pode ser apreendido em uma relação mais imediata no fenômeno; ao contrário,
“coisa em si” (Ding an sich) é o aspecto da coisa que permanece velado
ao fenômeno. Explicaremos: a coisa que chega ao sujeito através do fenômeno,
segundo Kant, não é como ela realmente é. A coisa em si é o “noumenon”. Este
não é o desconhecido, não é algo que hoje se ignora e amanhã poderá ser
descoberto; trata-se do icognoscível, aquilo que, pelo menos ao modo de
conhecimento humano, é impossível. Com base nisso apresentamos alguns
enunciados: a) As coisas intuídas não são em si mesmas tais como intuímos, nem
suas relações em si são como nos aparecem. b) A natureza dos objetos em si nos
é icognoscível, independentemente de nossa receptividade e sensibilidade. c) A
intuição, mesmo elevada a seu mais alto grau de clareza, não constitui sequer
uma aproximação da natureza do objeto em si.

Como já deixamos transparecer com a
explicação da coisa em si, temos que o objeto é o produto da relação da coisa
que se mostra no fenômeno da intuição do sujeito. A comprovação disso dá-se
através da própria etimologia donde deriva o termo objeto. Primeiramente, no
latim “objectum”, que indica, literalmente, um jogado (jectum) ao
lado (ob); depois, na língua natal do nosso filósofo “gegenstand”, cuja
tradução pode ser interpretada como aquilo que está em posição contrária, ou
que vem ao encontro. Esse segundo termo resguarda um sentido duplo, resguarda a
compreensão de uma coisa contraposta a um sujeito, donde se deduz que objeto é,
pois, produto desse “encontro”.[7]

Kant dá o nome de sensação ao
efeito de um objeto sobre a nossa capacidade representativa. Tal sensação é
sempre fruto de uma intuição empírica, isto é, desse tipo de intuição de que
até agora tratamos e que depende da afetação da coisa (objeto indeterminado)
manifesta no fenômeno. Dá-se o nome de matéria ao que, no fenômeno
correspondente à sensação, assim, matéria, é o conteúdo do fenômeno ao passo
que a forma desse fenômeno é o que possibilita este ser ordenado, segundo
relações.[8] Vimos que as sensações são intuições empíricas, contudo, nem todas as intuições
são desse gênero. Kant apresenta as intuições puras como formas a priori da sensibilidade, isto é, encontram-se no espírito absolutamente a priori como
representações que independem das sensações. Baseando-se nessas considerações,
o autor define sua Estética transcendental como “Ciência de todos os princípios
da sensibilidade a priori”, que constitui toda a primeira parte da teoria
transcendental dos elementos, sendo seguida pela “Lógica transcendental”
(Ciência que contêm os princípios do pensamento puro). Mas o que significa tudo
isso? O que pretende uma ciência desse gênero? Significa que a Estética transcendental
é a ciência que estuda as estruturas transcendentais que permitem que toda
representação real ocorra. Essas estruturas são representadas a priori desde as
quais toda a realidade se organiza.

Uma definição de espaço deve
considerar que os cinco sentidos externos permitam que tenhamos a representação
de objetos exteriores a nós e situados no espaço. Neste sentido, configuram-se
a grandeza e relação recíproca. Sentidos internos permitem a nossa própria
intuição enquanto espírito e também seu estado interno. Assim, sentidos interno
e externo permitem a representação dos objetos e sua situação frente a nós e ao
espaço. Nessa definição, o filósofo alemão ainda pergunta se o tempo pode
ser intuído exteriormente ou se o espaço pode ser intuído como algo interior.
E, na seqüência, se espaço e tempo são entes reais ou apenas determinações ou
relações entre coisas
. Essas indagações possuem o intuito de preparar o
solo para uma devida exposição de espaço, considerada apresentação clara do que
pertence a um conceito; exposição que é metafísica e que, segundo Kant, é
aquela que contém o conceito que é dado a priori. Reunimos aqui, de maneira
meramente expositiva, quatro pontos que somados esboçariam uma definição
metafísica de espaço, como:

1.    não um conceito empírico. Logo, a
representação de espaço não pode ser extraída pela experiência das relações dos
fenômenos externos, pelo contrário, esta experiência só é possível, antes de
mais, mediante essa representação;

2.    uma representação absolutamente
necessária (a priori) que fundamenta todas as intuições externas. Assim,
não só se pode haver qualquer representação sem que haja espaço. O espaço acaba
por ser considerado condição de possibilidade dos fenômenos, não uma
determinação que dependa destes; é uma representação a priori que fundamenta
necessariamente todos os fenômenos externos;

3.    uma intuição pura, porque só podemos
ter a representação de um espaço único; quando falamos de vários espaços,
referimo-nos a partes de um só e mesmo espaço, é essencialmente uno e a diversidade
que nele se encontra trata-se de limitações. Kant afirma, com base nisso, que
se pode concluir que, em relação ao espaço, o fundamento de todos os seus
conceitos é uma intuição a priori, isto é, não-empírica. Deste modo, o
fundamento matemático da filosofia de Kant (que pode ser demonstrado através da
lida com figuras geométricas, como vimos no exemplo do triângulo ainda neste
texto) não derivam de conceitos gerais, mas de uma intuição a priori como uma
certeza apodíctica;

4.    representado por uma grandeza
infinitamente dada; mesmo que pensemos em diversas representações possíveis,
nenhum desses conceitos encerra em si a infinidade das representações. No
espaço, todas as “partes” acontecem simultaneamente no espaço infinito. Isso
confirma que a representação a priori não é um conceito.

Uma exposição
transcendental de espaço trata da exposição de um princípio a partir do qual se
pode entender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori
(assim transcendental nada tem a ver com transcendente, mas diz respeito
àqueles princípios que partem do sujeito e que contribuem constitutivamente
para a possibilidade da experiência). Assim, para que, de fato, haja essa
exposição, é preciso que a) deste princípio decorram conhecimentos
reconhecidamente sintéticos a priori; b) esses conhecimentos sejam possíveis
pressupondo um modo de explicação desse princípio.

Vimos que o espaço é um
princípio; agora temos que este tem que ser originalmente uma intuição, porque
de um simples conceito não se podem extrair proposições que ultrapassem o
conceito, o que acontece nas ciências que determinam a priori as propriedades
de espaço (como faz a geometria). Kant afirma (1994): “Com efeito, as
proposições geométricas são todas apodícticas, isto é, implica a consciência de
sua necessidade como por exemplo: o espaço tem somente três dimensões.” Isso
resulta numa afirmação que permite compreender a possibilidade da geometria
como conhecimento sintético a priori.

Quando nosso autor se ocupa
da tematização do tempo, vemos que este repete métodos e alguns argumentos
similares aos utilizados na tematização do espaço. Assim, ele afirma as
seguintes teses:

1.    Tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer,
pois nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na percepção se a
representação do tempo não fosse o seu fundamento a priori.

2.    O tempo é o fundamento de todas as intuições. Somente nela é possível
toda a realidade dos fenômenos. Assim, como no espaço, podemos prescindir dos
fenômenos mas nunca do tempo, pois há o tempo sem o fenômeno mas nunca o
contrário.

3.    O tempo é unidimensional e, embora vejamos tempos diferentes, esses não
são simultâneos, mas sucessivos. O que faz que o tempo seja uno no instante.

4.    Tempo não é um conceito discursivo ou universal; trata-se de uma forma
pura da intuição sensível.

5.    O tempo é originariamente representado como ilimitado; isso o
caracteriza em sua infinitude, compreendendo nela a infinita sucessão de
instantes que se mostram como grandezas determinadas de tempo.

O saldo dessas definições
dá-se através do entrecruzamento dessas teses alusivas ao espaço e tempo. Tal
saldo é apresentado aqui como conclusão de nosso trabalho.

O espaço e tempo são
formas puras deste modo de perceber; por isso, podem ser designados por
intuições puras, como afirmativa de Kant: “Tomados conjuntamente são formas de
toda a intuição sensível, possibilitando assim proposições sintéticas a priori”
(KANT, 1994). Tal afirmativa é reiterada com a passagem que se segue:
“É, pois, indubitavelmente certo e não apenas possível ou verossímil que o
espaço e o tempo enquanto condições necessárias de toda a experiência (externa
e interna) são apenas condições subjetivas da nossa intuição(…)” (KANT, 1994). Uma interpretação dessas
breves, mas substanciais passagens deve fazer lembrar que Kant entende por “formas
puras da intuição sensível” as estruturas da subjetividade, que, quando
apreende a realidade, já o faz desde representações espaço temporais. Isto é,
realidade em seu fenômeno já é pelo sujeito sempre apreendida na forma
tradicional do espaço e no movimento ilimitado do tempo. Kant afirma que essas
estruturas possibilitam proposições sintéticas a priori e reconhece que a
tematização dessas estruturas durante a Estética transcendental fornece
subsídios para a resposta à pergunta “Como são possíveis os juízos sintéticos a
priori?” Assim, a resposta já se esboça no que afirma que os juízos sintéticos
a priori só são possíveis graças às estruturas do sujeito (necessárias e
universais dessas forma a priori do entendimento indispensáveis ao conhecer),
que permitem o entendimento e as intuições, que, por sua vez, permitem ao
entendimento a criação de novos conceitos verificáveis posteriormente através
da experiência.

Bibliografia:

ARENDT, H. A vida segundo o espírito:
o pensar, o querer, o julgar.
Trad. Antônio Abranches et all. Rio de Janeiro: Relume Dumará/UFRJ,
1992.

CORBISIER, R. Introdução à
filosofia
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

HEIDEGGER, M. Interprétation
phénomenológique de la “Critique de la Raison Pure” de Kant.
Paris: Gallimard, 1977.

___________. Kant et
le problème de la métaphysique
. Trad. Alphonse de Waelhens. Paris: Gallimard, 1953.

___________. O que é uma coisa?
Trad. Carlos Morujão. Lisboa: Edições 70, 1987.

KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Manuel Pinto dos Santos et all. Lisboa: Fundação Calouste
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___________. Kritik
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, Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1976.

LEBRUN, G. Aprofundamento da
“Dissertação de 1770” na Crítica da razão pura
. In Cadernos da UNB. (org).
Manfredo Araújo de Oliveira et all. Brasília: UNB, 1991.

PATON, H. J. The
categorical imperative, a study in Kant’s moral philosophy
. 3ªed. London: Hutchinson & Co, 1958.


[1] Texto publicado em Tempo da ciência – Revista de ciências sociais e humanas. Toledo, CCHE, v.8, n.16, 2001. pp.35-44.

[2] Doutorando em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ,
Professor na Faculdade de Formação de Professores da UERJ e da Professor da
Universidade Cândido Mendes/UCAM. Autor de Filosofia Primeira – Estudos sobre
Heidegger e outros autores.

[3] Immanuel Kant. Nasceu em Königsberg/Prússia
Oriental em 1724. Autor de três obras críticas, a saber: Crítica da razão
pura
(1785), que investiga os limites da sensibilidade e da razão, a partir
da formulação “o que posso conhecer?”; a Crítica da razão prática (1788), que trata do problema “o que devo fazer?” investigando a esfera da
moral, e, por fim, a Crítica da faculdade do juízo (1790), buscando
responder a questão “o que é lícito esperar?”, em síntese aos dois movimentos
anteriores. Kant ainda possui opúsculos sobre filosofia política muito
revisitados ultimamente. Morreu em 1804, tendo influenciado decisivamente
escolas filosóficas como o Idealismo Alemão.

[4] Provisoriamente esta conceituação nos é
suficiente, estando sujeita, ainda no curso do texto, a receber aprofundamento.

[5] Kant dedica a última de suas três críticas à
faculdade do julgar, intitulada: Crítica da faculdade do juízo (1790).

[6] Aqui fica clara a ligação entre a pretensão de
Kant elaborar uma citada metafísica futura e a Crítica da razão pura.

[7] Existem controvérsias quanto à
interpretação desse fenômeno em Kant. Para alguns autores, por exemplo, Arent
(1992), afirmam que tudo aquilo quanto se apreende pela intuição é objeto,
Heidegger (1987), por sua vez, afirma que, para que a coisa apreendida seja
objeto, é necessário que este seja produto de um ato de conhecimento, no qual
deve estar nítida uma relação de causa e efeito. Heidegger, ao interpretar
Kant, exemplifica tal proposição do seguinte modo: o sol não é um objeto quando
dele apenas afirmamos o sol é. Sol passa a ser um objeto quando propomos o sol aquece o solo, isso configuraria um conhecimento no qual sol é
objeto.

[8] Tema que não trataremos aqui.

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