Pe. Leonel Franca – Noções de Filosofia.
ARTIGO III
O IDEALISMO Ε CRITICISMO TRANSCENDENTAL NA ALEMANHA
196. Na reação contra o naturalismo e o empirismo materialista, R. Eucken (1846-1925) ocupa na Alemanha um lugar de alto relevo: é o fundador do neo-idealismo germânico. Discípulo de Trendelenburg em Berlim, professor de filosofia aos 25 anos em Basiléa, onde foi colega de Nietzsche, mais tarde, durante 46 anos professor em Jena, ao lado de Haeckel, K. Fischer e Pfleiderer, prêmio Nobel de literatura em 1908, Eucken adquiriu uma celebridade que ultrapassou as fronteiras da cultura germânica. Suas obras, ricas de pensamentos e nobres de forma, foram traduzidas em quase todas as línguas-inclusive o chinês e o japonês. As mais importantes: Die Einheit des Geisteslebens, 1888; Die Lebensanschauungen der grossen Denker, 1890; Der Kampf um einen geistlichen Lebensinhalt, 1896; Der Wahrheitsgehalt der Religion, 1901; Grundlinien einer neuen Lebensanschauung, 1907; Sinn und Wert des Lebens, 1908; Mensch und Welt, 1918; Lebenserinnerungen, 1920.
Seu esforço principal consiste em reconstruir uma filosofia da vida, em dar à existência um conteúdo de espiritualidade. Ao método psicológico que só reconhece o singular empírico, opõe o método noológico que admite um mundo espiritual mais alto e transub-jetivo, como condição de comunicar à vida um sentido e elevá-la acima dos instintos egoístas e eudaimonistas do indivíduo. Seu ponto de partida é uma crítica severa mas justa da nossa civilização materialista. "Apoderou-se do homem uma profunda impressão de descontentamento da cultura contemporânea. Sentem todos que a nossa cultura não vai até às raízes do nosso ser, que é incapaz de dar à vida um sentido, um conteúdo, de encher o nosso coração deste amor intenso que eleva acima de todas as misérias e pequenezas. A aspiração do homem é atribuir à vida um valor e aos seus atos uma significação. A repugnância a uma destruição total é algo mais do que um instinto egoísta de felicidade. Há aí uma vontade-de-viver metafísica, uma prova da grande profundeza e do grande mistério da natureza humana. Se a nossa civilização não pode satisfazer a este instinto de vida, êle romperá com força indomável, quebrando todas as resistências e abrindo o seu caminho com irresistível certeza" (244). Numa palavra: "Ganhamos um mundo e perdemos a alma" (245). Foi raro merecimento de Eucken ver com perspicácia e proclamar com desassombro, há 50 anos, as causas profundas da crise espiritual da nossa civilização que hoje é lugar comum denunciar.
A estes males urge opor a realidade do mundo espiritual (Geisteswelt) . Dele pode participar cada alma com cultura interior, com a aplicação da sua atividade aos valores morais, no sentido amplo da palavra que abraça os valores da ciência e da arte, da moralidade e da religião. O fundamento e a fonte de energia deste mundo superior é a vida divina, fim último e mais alto conteúdo de toda espiritualidade. Daí, no processo civilizador, a importância fundamental da religião, "alma de tudo". "Podemos renunciar à religião, mas deveremos então renunciar à vida do espírito, ao caráter espiritual da nossa existência, à nossa personalidade e individualidade espiritual" (246). O ideal da religião, encontra-se no cristianismo; só êle realiza, de modo perfeito, a essência da vida religiosa: descida do mundo divino na alma, elevação do homem a Deus. O cristianismo "não só chamou os indivíduos a uma elevação essencial senão ainda rasgou às nações e ao gênero humano a possibilidade de uma renovação perene e, bem podemos dizer, de uma eterna juventude" (247). Infelizmente, mergulhado na atmosfera do protestantismo liberal, Eucken não chegou a identificar a verdadeira fisionomia do cristianismo. Nega-lhe, de fato, o caráter sobrenatural e opõe, em exagerada antítese, a sua essência absoluta, eterna, is formas históricas, caducas, nos dogmas e organizações eclesiásticas. Não foi, porventura, o cristianismo dogmático, incarnado numa Igreja mestra de verdade e fonte de vida a aue saiu das mãos de Cristo e realizou na história a sua incomparável missão civilizadora? Se a parte crítica da sua obra encerra elementos de primeira valia, a construtiva fica–lhe muito inferior. O diagnóstico do mal é feliz; a terapêutica, menos eficaz.
197. NEO-KANTISMO — Sem chegar ao extremo da imanência integral, o criticismo move-se numa atmosfera idealista. Em meados do século XIX, a reação contra o materialismo, em uma de suas múltiplas formas, manifestou-se como uma volta a Kant preci nizada principalmente por Lange (Zurück zu Kant). Na revalo rização do kantismo, porém, os discípulos desavieram-se e, acima das divergências individuais, agruparam-se em duas orientações co nhecidas com o nome de escola de Marburgo e escola de Baden.
198. A escola de Marburgo reconhece os seus mais ilustres re presentantes em H. Cohen (1842-1918), P. Natorp (1854-1925) e Ε. Cassirer (n. 1874). Revendo o sistema de Kant, nega a existência da "coisa em si", considerando-a, não como uma realidade, mas só como um conceito-limite (Grenzbegriff). As categorias não são forma a priori, mas modos de julgar (Grundrichtungen). O conhecimento não é uma síntese (o que suporia algo de preexistente a entrar em composição) ; é uma "construção (Erzeugen) ou produção da realidade. Não há, pois, um "dado" (gegeben) anterior ao conhecimento e por êle representado; o que precede a atividade cognoscitiva é apenas um problema que se lhe impõe (aufgegeben). No cálculo infinitesimal aparece claramente esta noção do pensamento, como geração do objeto. No sentido científico, a causa identifica-se com o pensamento que a construiu e a missão da filosofia cifra-se em construir dinamicamente a realidade, passando de um a outro conceito. Daí a importância da lógica e da matemática na escola de Marburgo. Destas idéias deu um desenvolvimento rigoroso, mas obscuro, H. Cohen, fundador da escola, na sua obra principal System der Philosophie. I, Logik der reinen Erkenntnis, 1902; II. Ethik des reinen Willens, 1904; III, Aesthetik des reinen Gefühls, 1912. As três grandes partes da filosofia, Lógica, Ética e Estética são construídas sobre o modelo uniforme de uma logística que pretende determinar, sem dados empíricos, as condições do pensar puro, do querer puro, do sentir puro. A religião reduz-se à moralidade. Natorp desenvolve com mais clareza as idéias de Cohen (Die logischen Grundlagen der exakten Wissenschaften, 1910), preconiza um socialismo idealista (Sozialidealismus, 1920) e desenvolve em pedagogia o aspecto social da educação (Sozialpädagogik, 1898) chegando à escola única. Cas-sirer, editor das obras de Kant, dá uma nova teoria matemática (Substanzbegriff und Funktionsbeariff, 1910), que desenvolve e aclara a orientação serai da escola. Nesta corrente de idéias filiam-se ainda Liebert, Paulsen, P. Stern, Vorlaender, Stammler e outros.
199. A escola de Baden, também chamada de Friburgo, foi fundada por Windelband (1848-1915) e Rickert (n. em 1863). Perma~ nece ainda na esteira do idealismo transcendental, negando, como a escola de Marburgo, a existência da coisa em si e vendo no conhecimento uma construção da realidade. Afasta-se, porém, da sua orientação quando se aplica principalmente, não tanto à estrutura do conhecimento científico, quanto à organização de uma ciência crítica dos valores. Kant definira o conhecimento objetivo, não pela sua conformidade com o objeto, mas pelos caracteres de necessidade e universalidade. O pensamento verdadeiro é o que deve ser por todos pensado. A escola de Baden acentua este elemento kantiano de valor e o amplia, para além da atividade científica, ao domínio da moral e da arte. Boa é a ação que deve ser feita, bela a coisa que deve agradar. Lógico, ético e estético reduzem-se ao valor e ao de ver-ser (sollen) e são tratados com idêntico processo crítico. A tarefa da filosofia não se limita a uma teoria do conhecimento, mas estende-se a toda a cultura humana e aplica-se ao estudo dos valores que por todos devem ser reconhecidos (von den allgemeingültigen Werten, Windelband). Desaparece assim a importância da razão teórica e da razão prática e sublinha-se a importância das ciências históricas. Windelband (Präludien, 1884; Einleitung in die Phïlosophie. 1914) propõe com insistência a distinção dás ciências em nomotéticas, e idiográficas. As primeiras, — ciências da natureza — investigam as leis e relações universais (Gesetzeswissenschaften) ; as outras, — históricas — ocupam-se dos acontecimentos e fatos individuais (Ereigniswissenschaften). São estas últimas as que mais contribuem para fundar a visão do mundo e da vida (Welt und Lebensanchaung), e por isto constituem o objeto principal da filosofia. Deu assim Windelband mais um golpe ao cientismo superficial. H. Rickert desenvolve estas idéias e aprofunda a distinção entre ciências naturais e históricas. Papel da Filosofia é não formular um sistema de valores, mas fazê-los passar da teoria à prática da vida, fundando-se assim um "terceiro reino" em que valor e realidade se identificam. Restitui-se-lhe assim a sua dignidade de sabedoria, mestra da vida que indica às razões supremas da existência e traça normas à atividade realizadora.
Entre os muitos discípulos da escola de Baden, lembramos E. Lask, B. Bauch. Münsterberg, autor da Philosophie der Werte (1908) e professor, muitos anos, nas universidades norte-americanas.
G. Simmel (1858-1918) (Einleitung in die Moralwissenschaft, 1893), Probleme der Geschichtsphilosophie (1892), Soziologie (1908), e J. Volkelt (n. 1848) (Erfahrung und Denken, 1886; Gewissheit und Wahrheit, 1918), sem pertencerem estritamente à escola, impugnam também o naturalismo, apíicam-se ao estudo das ciências noológicas e aderem à teoria do valor. E. Troeltsch (1865-1923) que se dedicou, sobretudo, ao estudo da filosofia religiosa (Die Absolutheit des Christentums, 1901) sofreu também a influência de Windelband. W. Dilthey, (1833-1912), professor em Berlim e pensador notável, estabelece como que uma ponte entre o neo-criticismo ba-dense e a escola fenomenológica que estudaremos adiante. Nesta ambiência de filosofia aplicada ao estudo das civilizações colocam-se O. Spengler com a sua Decadência do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes, 2 vols., 1918-1922) e Keyserling com o seu Diário de viagens de um filósofo (Reisetagebuch eines Philosophen, 1919).
(244) Gesammelte Aufsätze zur Philosophíe und Weltanschauung, Leipzig. 1903, p. 180. "No meio de suas conquistas o homem tornou-se vazio e pobre, decaiu à’ simples condição de meio ou instrumento de um processo de civilização impessoal que o utiliza ou elimina conforme as suas necessidades, que passa, com rugidos demoníacos, sûbre a vida e a morte dos indivíduos, sem sentido e sem razão em si mesmo, sem amor e sem cuidado dos homens". Die Lebensanschauungen der grossen Denker, Leipzig. 1902, p. 1.
(245) Der Wahrheitsgehalt der Religion*, Leipzig, 1905, p. 43.
(246) Der Wahrheitsgehalt der Religion-, p. 180. "Só mediante este elemento (a religião) e não sem êle nem contra êle é possível uma cultura profunda e verdadeiramente real e humana, de que dependem todas as esperanças em um futuro me lhor… o essencial, imediatamente é que nos não deixemos enganar por estas negações religiosas. presumidas e superficiais que se julgam profundas e têm tão pouco fundo.Grave erro crer que o desenvolvimento da cultura torna a religião superfialidade. Aufsaetze, p. 180.
(247) Die Lebensanschauungen der grossen Denker, p. 154. Em 1872, no seu livro sobre A velha e a nova fé (Der alte und der neue Glaubet perguntava Strauss se ainda podíamos ser cristãos e respondia negativamente. Em 1911. Eucken retoma a questão num trabalho, cuio título é precisamente aquela questão. Podemos ainda ser cristão (Kennen wir noch Christen eslnt e conclui: Não só podemos senão que devemos cristãos: "Unsere Antwort 1st. dass wir es nicht nur können, sonder sein müssein p. 236. Sinai de longo. caminho andado. Entre Renan e Bergson, a mesma distância percorrida.
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