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27/12/2002 às 21:27 #72746Miguel (admin)Mestre
A descriçao está correta. Nao há necessidade de retocá-la. A pergunta que vou colocar é a partir daí:
Nietzche pretende a criação de uma nova tábua de valores morais, de acordo com a nossa condiçao natural e finitude.
1) Não há nenhuma sociedade sem normas e mesmo um único indivíduo vivendo sozinho tem as suas. É próprio do humano o processo de simbolizaçao, é um dos fatores que o diferencia dos outros animais.
2) Assim, a própria idéia de um grupo humano partindo do nada para construir valores nao passa de outra coisa que uma figura de expressao para tipificar um lugar dentro de um certo discurso que almeja comunicar uma certa mensagem. Figuras como essas nao sao patrimonio exclusivo de Nietzsche e as podemos encontrar nos discursos, por exemplo, de Platao (a polis ideal), de Freud (a horda primeva), de Rosseau (o estado de natureza) etc. E essas figuras sempre se tornam um problema quando depois começam a imaginá-las como algo mais além do que são.
3) A moral, segundo diversas correntes, mas especialmente quando observada fenomenologicamente, aparece também como um certo tipo de discurso específico, nao redutível a outro. Evidentemente que as considerações de Nietzsche nao sao para se desprezar dentro da filosofia, como também nao sao a de outros filósofos notáveis. Muito menos, também, é o pensamento de Nietzsche algo para ser dogmatizado e levantado como norma única, feito isso é melhor decretar a morte da filosofia (e viva a ideologia).
4) A moral sempre apresenta-se ao exame fenomenológico dentro de um discurso contínuo assossiado a uma tradição, a primeira vista estática, mas dinânica, dentro de uma dialética própria. É o que se vê no estudo da ética, da moral, do direito.
5) Enfim, a pergunta: com base no que foi colocado, parece uma falácia a tentativa de construçao de uma “nova moral” a partir do próprio indivíduo isolado, sem continuidade com uma tradição. Filosofar “com o martelo” é muito mais fácil do que ajuntar depois os cacos.
Nao é preciso muita imaginaçao para associar o quadro como mais uma repetiçao do velho engano do “marco zero”. Esse engano já aconteceu em outras áreas, em sitações mais simples com maiores chances de sucesso, como em Descartes e sua busca do ponto zero do conhecimento via dúvida metódica. Na moral, com muitos mais agravantes.
O próprio Nietzsche devia estar ciente da dificuldade, já que nao apontou receita para a construçao da “nova moral” apregoada. Ele nao sabia a resposta, apenas manifestou o desgosto pela situaçao presente e gritou o problema. Cabe entao aos que defendem a mesma, se nao admitem o conceito como uma figura, mas como algo a ser concretizado, responderem à tarefa:
Como construir essa “nova moral” sem nos destruirmos uns aos outros?
[]'s
28/12/2002 às 3:26 #72747Miguel (admin)Mestre“Com este livro começa a minha campanha contra a moral.” (Referiu-se anos mais tarde à Aurora)
Uma campanha ausente de instruções…Nietzche não fornece, e nem chega a cogitar, uma receita, até porque ele já se encontrava de certa forma satisfeito (creio eu) com o resultado obtido.
Certas passagens de sua obra e correspondência atestam o quanto de alegria Nietzche encontrava no seu esforço intelectual , que lhe anunciava uma “nova saúde”, isto é, uma libertação da doença da moralidade e suas avaliações negativas sobre a existência humana.
E essa alegria apresentava um motivo: seu sofrimento pessoal finalmente encontrara serventia; transmutara-se em uma interpretação de experiência humana capaz para conduzí-lo além do niilismo – para a criação(retórica) de valores de aceitação plena das características da existência humana.
28/12/2002 às 15:05 #72748Miguel (admin)MestreParece que é esse o caso sim.
Mas entao entramos noutra problemática, algo que já foi, de certa forma, ventilado antes aqui… e ao que parece nao agradou alguns.
O método aforismático de Nietzsche nos deixa sem base para aprovar ou reprovar o q ele diz. Vc tem apenas a opção de concordar com ele ou repudiá-lo como se faz com Guimarães Rosa ou Clarice Lispector. Infelizmente Nietzsche nos deixou em suas obras apenas o reflexo da sua vida, não nos legando nada q possa ser aferido. A moral é só uma parte deste pensamento subjetivo. (MHanemann, 17-12-2001)
A abordagem que estamos considerando parece que reforça a idéia acima, se nao no todo, pelo menos em parte, pois a filosofia deixa a preocupaçao pela verdade (nos moldes anteriores) para se tornar uma forma sofisticada de terapia. O “abandono” da ética e moral, resulta do esfacelamento do direito e da política, considerados agora dentro de um quadro clínico de patologia existencial a ser autoclinicada com a busca da transvaloraçao.
Claro que a coisa é mais complexa do que isso, mas quem quiser por a prova a agudeza dessa forma de crítica que experimente ler as obras de Nietzsche como se escritas por outro e direcionadas a crítica do próprio Nietzsche. É impressionante como as armas do discurso nietzschiano podem ser contundentes contra a própria postura de Nietzsche. Isso parece que vem corroborar a idéia de que nao há base para aprovar ou reprovar o q ele diz. Vc tem apenas a opção de concordar com ele ou repudiá-lo. Mas, ao apelar para o lógos como retórica (próprio do sofista) em detrimento do lógos como episteme (próprio da tradiçao platonica), nao é surpreendente que Nietzsche se torne vítima de algo do tipo. Afinal, nao era isso que era chamado de doxa?
[]'s
30/12/2002 às 0:31 #72749Miguel (admin)MestrePor exemplo, em Assim falou Zaratustra, Nietzsche diz que “Deus é apenas uma suposição” a que em determinado período histórico recorremos. Com o esgotamento dessa suposição, abre-se enfim a possibilidade de construir um novo sistema de valores, afeito às realidades do ser humano finito e não a projeções ideais. No prólogo desse mesmo livro, ele simplesmente contrasta o que deve ser desprezado e o que deve ser exaltado na construção dos novos valores.
“Eu vos conclamo, irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterranas! Não passam de envenenadores, conscientes ou não…”Fica nítido que esse método aforismático adotado por Nietzsche não nos deixa muitas opções, e pelo contrário as restringe. Ou concordamos com ele ou não.
Apesar da problemática em função do método aforismático de Nietzche, acho importante ressaltar um tema examinado detalhadamente no livro “A genealogia da moral”, que é a distinção entre moral nobre e moral servil.
O escravo pensa as categorias da moralidade a partir de sua própria fraqueza e impotência. Incapaz de aceitar sua condição real ou de lutar contra ela, ressente-se da força do tipo nobre , na qual vê espelhada a sua impotência. Como, em razão de sua falta de confiança e fraqueza não consegue confrontar diretamente o nobre e seus valores, reage desvalorizando as qualidades deste, tratando-as como moralmente negativas.
Para Nietzsche, o código moral do tipo humano servil está na raiz de nossas concepções presentes da moralidade graças ao sacerdote ( o “ideólogo” religioso).
O nobre então “proibido” pela moralidade escrava de expressar sua natureza afirmativa, volta suas forças contra si mesmo, tornando-se culpado, impotente e infeliz.
Na segunda dissertação da Genealogia, Nietzsche descreve como os resultados dessa agressão moral aos instintos se combina com a domesticação das pulsões humanas imposta pela vida em sociedade.
Com o aparecimento da perspectiva servil, a “primeira interiorização do homem”, fruto da sociabilidade e gênese do sentido de obrigação e responsabilidade exigido pelas necessidades de vida em grupo, torna-se ainda mais dolorosa. Agora, o ser humano passa a considerar-se responsável por seu próprio sofrimento.03/01/2003 às 18:21 #72750Miguel (admin)MestreIsso tudo ainda parece pura retórica para mim.
Fica nítido que esse método aforismático adotado por Nietzsche não nos deixa muitas opções, e pelo contrário as restringe. Ou concordamos com ele ou não.
Talvez isso seja em parte, talvez seja o contrário.
É sabido que Nietzsche critica a separaçao estrita entre bem e mal, saúde e doença, etc. Em algum lugar ele chega a apontar a doença como um bem associado à genialidade, o doente é o são e vice-versa. Como filólogo, ele explorava as diversas possibilidades semânticas das palavras, o que me lembra o sofista Pródico com sua sinonímia. Agora me veio a memória o velho adágio: “busca algo novo? volte aos antigos!”. No mesmo caminho, Nietzsche abandona a filosofia enquanto busca da verdade para entende-la como interpretaçao, discurso retórico – de novo uma volta à velha sofistica. O curioso é que poucos dão atençao ao quadro e mergulham de cabeça. Se parece bom pensar com as armas de Nietzsche, já nao parece tao bom caminhar com ele. Se nao há mais verdade, com base em quê Nietzsche quer criticar qualquer outra postura? Se nao há mais separaçao entre bem e mal, entre saúde e doença, por que haveria separaçao entre vida e morte?
Tudo é interpretaçao e o fanatico religioso tem tanta razao quanto Nietzsche, ou melhor, todos têm a mesma quota de razao porque ela mesma já nao interessa. Se Nietzsche relativizava praticamente tudo, porque nao relativizou a si mesmo? Entao, nessa outra parte, há uma infinidade de opçoes além de concordar ou discordar de Nietzche, qualquer coisa é uma opçao de igual valor, pois aí valores sao pessoais e puramente subjetivos. Talvez seja interessante perguntar porque Heidegger via Nietzsche, debaixo daquela nova roupagem retórica, como mais outro grande metafísico.
Nietzsche tem um belo discurso, mas quem estudou os sofistas já viu boa parte desse filme.
PS: faltou acrescentar, (1) “genealogia da moral” me lembra o discurso do sofista Cálicles; (2) gosto de ler Nietzsche mas tenho meus senões, acho que quem para nele arrumou um problema. Ideologia ainda é ideologia, seja de direita, de esquerda, de cima ou de baixo.(Mensagem editada por fox em Janeiro 03, 2003)
(Mensagem editada por fox em Janeiro 03, 2003)
09/03/2003 às 5:31 #72751Miguel (admin)MestreEu estou lendo ensaios de Bertrand Russel, e em um deles (sobre o nazismo) me deparei com uma série de idéias de Nietzsche, como nunca li nada de tal autor, gostaria de que alguém me esclarecesse algumas dessas idéias.
Primeira:
Diversas vezes Bertrand Russel afirma ser Nietzsche defensor de um homem superior, um herói. Pergunto: o que faz, para Nietzsche, um homem se tornar superior?
obrigado09/03/2003 às 14:40 #72752Miguel (admin)MestreLeo Barichello,
Não seria correto um resumo dos “principais conceitos da filosofia nietzschiana de como se tornar um homem superior” ou algo do tipo.
Sob pena de distorcer o pensamento do filósofo –em se tratando de um tema desses, um dos mais originais, um dos ápices de sua filosofia trágica — sou obrigado a recomendar a leitura do seu afirmativo livro Assim falou Zaratustra.
“Quando uma vez o Doutor Henrique de Stein lamentou sinceramente não compreender uma palavra de meu Zaratustra, disse-lhe que estava certo: compreender seis frases desse livro, significa tê-las vivido(…)”
Nietzsche10/07/2003 às 12:37 #72753Miguel (admin)MestreA Moral é virulenta e indecente.
10/07/2003 às 21:57 #72754Miguel (admin)Mestreque moral Gontijo?
10/07/2003 às 23:58 #72755Miguel (admin)MestreIsso já deveria ser conhecido, mas é um aviso que sempre vem tarde para muitos:
Assim falou Zaratustra é um livro dificilimo, deveria ser o último livro de Nietzsche a ser lido. Exige pre-requisitos demais, incluindo uma boa ideia da obra de Nietzsche e uma leitura razoavel (pelo menos) de Hegel. Acrescente-se a isso o agravante de ser de leitura agradavel e escrito em linguagem aparentemente fácil, com o resultado perigoso de um leitor pouco versado achar que entendeu quando na verdade nao sabe nem onde passou a bola.
Sobre os riscos de uma leitura desavisada, quem se interessar valeria uma leitura de “Zaratustra – tragédia nietzschiana” de Roberto Machado.
[]'s
11/07/2003 às 3:21 #72756Miguel (admin)MestreLeo Barrichello
Recomendo você não levar muito a sério as opiniões de Bertrand Russel sobre Nietzsche. Apesar de ser um grande filósofo matemático, quando se mete a fazer História da Filosofia ou comentar filósofo, o velho Russel se mete a fazer um monte de suposições, simplicações grosseiras, interpretações particiais e opiniões tendenciosas. A história da filosofia dele é muito ruim nesse ponto. Ao invés de explicar Platão, Hegel etc, somos obrigado a vê-lo fazer uma crítica muitas vezes não construtiva.
11/07/2003 às 3:27 #72757Miguel (admin)MestrePilgrim:
Porque é preciso uma boa leitura de Hegel para ler Zaratustra?
Não concordo com a linguagem fácil do livro. O estilo, grandioso, é pesadíssimo e difícil de acompanhar. O Nietzsche de Genealogia da Moral é um mestre da língua. O autor em geral escreve muito bem, um dos melhores escritores da filosofia. Como ele mesmo afirma em Crepúsculo dos ídolos, aprender com os latinos o estilo e a concisão, o dizer muitas coisas em poucos parágrafos.11/07/2003 às 4:50 #72758Miguel (admin)MestreMiguel,
Acho que concordará comigo no fato de ser Zaratustra praticamente uma síntese, se é que podemos dizer assim, do pensamento de Nietzsche. Síntese muito difícil para quem nao conhece a obra.
Quanto a sua observação sobre a leitura difícil de acompanhar, Nietzsche, como vc mesmo observou, escreve muito bem; de fato, e sua leitura é reconhecidamente absorvente, por isso mesmo muito mais “fácil” (atenção para as aspas) do que alguns autores bem mais áridos e pesados, como Hegel ou Kant – autores esses com pouquissima chance de se tornarem best-sellers, pois quem nao é da área os evita como a peste, e os que se aventuram se embananam logo nas primeiras páginas. Por outro lado, Nietzsche parece agradar muito aos adolecentes rebeldes e os “candidatos a filósofo”. Se vc reparar bem na msg anterior, eu chamava a atenção justamente para isso: a leitura prazeirosa muita vezes dá a ilusão de que o leitor entendeu o texto quando, na verdade, ele é um autor bastante difícil, seu estilo é enganador, faz jogo de palavras e trabalha muito bem com metáforas, ironias etc.
Da necessidade de uma boa leitura de Hegel para ler Nietzsche: talvez nem todos concordem mas creio que a obra desse é melhor entendida tendo a daquele como pano de fundo. Quase como se ele tivesse escrito com um olho voltado para aquele. Vou mais além, creio que sem algum conhecimento de Hegel, a interpretação de Nietzsche corre o risco de ser banalizada. (Uma herança, positica ou negativa, kantinana e schopenhaueriana supriria esse quisito?) Mas, atençao, nao estou postulando com isso que este tenha caminhado à sombra do primeiro.
Faltou acrescentar, para a boa leitura de Nietzsche: a necessidade de um conhecimento mínimo das tragédias gregas. Vem a calhar. Mas, uma vez que falta a maior parte, é normal caçar com gatos.
[]'s
24/05/2004 às 23:10 #72759Miguel (admin)MestreO filósofo matador de Deus, transmutador dos valores e profeta do super homem, não apenas idealizou, mas de certa forma concebeu a priori o que seria a sociedade contemporânea, um século após a sua morte, pois como o mesmo afirmou, “sou um filósofo póstumo”
Portanto, se ainda cem anos depois, ainda comparecem aqueles que não são nada mais que rebanho!!!!para criticá-lo, então voltemos no tempo e quebremos nossos grilhões!!!!
A verdade veio a tona, o mundo não acabou, criso não veio, deus não salvou os pobres, o anarquista se projeta socialmente melhor que o legalista ou moralista, e assim por diante.este que critica-o, nada mais é que camelo, que ajoelha e carrega peso.
os espíritos livres, diversamente, os filósofos do futuro, soltam gargalhadas a palavra que chamam “moral” e dançam feito Dionísio, ou seja afirmando a jovialidade e a vida, e não a velhice e a morte.
Eis o cabresto do povo, este chamam de}}} moral.28/05/2004 às 0:49 #72760Miguel (admin)MestreNão creio que para entender Nietzsche seja necessário ler Hegel e nem mesmo qualquer outro filosofo.
Todo filosofo dialoga com a historia da filosofia, mas nem por isso devemos começar a ler filosofia pelos pré-socraticos não?
Isso não significa que Nietzsche seja “fácil” (muito pelo contrário), mas com o apoio de bons livros de comentadores acho que é possível aproveitar muito da “fonte Nietzscheana” (mas não completamente admito).
Sobre Hegel especificamente não posso opinar (pois, assim como Kierkgaard, creio que Abraão seja mais fácil de compreender).
É possível que ler Nietzsche através de Hegel renda frutos, mas para o meu usufruto, prefiro ler Nietzsche através de Emil Cioran (um pessimista sem paliativos que olha Nietzsche nos olhos não é de se desprezar!) ou mesmo de Hermann Hesse (alguém já leu “A volta de Zaratustra”?..é algo como um Zaratustra menos sinistro,como disse Thomas Mann).
Não entendam que eu seja a favor da livre interpretação da filosofia, claro que deve haver rigor, mas existem muitas maneiras de se pensar através do filosofo, e quando pensamos impulsionados por uma idéia, pouco importa (para nosso uso) se o filosofo disse tal coisa ou não afinal o que esta em jogo não é a correta interpretação do filosofo, mas sim a nossa resposta (ou as nossas questões).Decorre disso talvez, o fato de os grandes filósofos não serem também grandes comentadores (o erro pode gerar eventualmente algo aproveitável, concordam?).
Quando escrevemos ou lemos como filósofos, no entanto, devemos ser rigorosos e podar nossas asas (ainda não aprendi a fazer isso direito admito).
Ainda assim por mais estreito que seja o nosso carater, sempre ha um pouco da leitura individual (com suas enigmaticas asas) em nossos textos “sérios”.Esse é o interesse em escrever certo?
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