As contradições do Império
Ida Duclós
Originalmente apresentado para a FFLCH/USP
O estudo da formação do Estado nacional exige cautela. As mesmas armadilhas que desafiavam a elite intelectual do
Império, estão presentes no arsenal teórico que possuímos para analisar
o passado. Como adverte Sérgio Buarque de Holanda, as teorias políticas que
usamos, foram formatadas por outra realidade. Tal como no período imperial,
onde as idéias que circulavam eram estrangeiras. "O resultado é que as
fórmulas e palavras são as mesmas, embora fossem diversos o conteúdo e o
significado que aqui passavam a assumir. É
particularmente importante para o historiador essa consideração se quiser fugir
aos descaminhos a que pode conduzir facilmente uma similitude mais
aparente do que real, quando for tentado a servir-se de expressões tais como
camponês, por exemplo, ou até burguesia e classe média… Sem falar, para recorrer a um dos casos mais flagrantes de
impropriedade, na palavra "feudalismo"… é não é preciso
redizer que designações como democracia e democracia coroada … são totalmente
inadequadas…" (pg.78, Buarque de Holanda)
Nosso regime de governo é assim importado do
modelo europeu, mas vestido com as condições que permitiam a nossa realidade. O
parlamentarismo inglês foi
adaptado ao Brasil Imperial: a fórmula encontrada era engenhosa, tínhamos um Primeiro Ministro e eleições, mas
estas não eram representativas da sociedade brasileira, já que haviam
várias limitações para ser eleitor: brancos, alfabetizado com rendas e etc.
Nosso parlamentarismo foi uma invenção brasileira para atuar junto com o Poder
Moderador, onde o gabinete de ministros era
escolhido pelo Imperador, e este podia dissolver a Câmara de deputados, sempre
que quisesse. Ou seja, construímos um parlamentarismo às avessas.(Couto,
pg.28) Afinal, a criação do Estado brasileiro antecede a sociedade
organizada que deveria formá-lo. A saída encontrada pelas elites para que a nação permanecesse coesa, foi apelar
para o Poder Moderador.
D. Pedro II desempenhou este papel com habilidade,
contornando os conflitos ao substituir um gabinete liberal por um conservador e
vice-versa, jogando com os interesses políticos de ambos, sem fragmentar a
nação. Em parte isto era possível, porque
tanto conservadores como liberais reconheciam dois interesses prioritários: a
união territorial e a manutenção da escravidão. O povo, que não tinha
voz política – por não ter as condições exigidas para votar ou porque as
eleições eram fraudulentas ou direcionadas – se sentia representado pelo
Imperador.
As contradições do Império não se resumem ao tipo
de parlamentarismo que
construíamos, embora esta fosse sempre uma questão presente nas discussões da
elite intelectual. Elas estão dadas na própria articulação da sociedade e da
economia do país, que era sustentada pela escravidão: como importar um modelo
europeu e fazer funcionar aqui, instituições liberais e representativas? A
sociedade agrária e analfabeta convivia com uma elite cosmopolita que pretendia
o poder, baseada nas idéias liberais e na modernização do Estado. Não havia
homogeneidade nem nos interesses da elite, porque estas eram desiguais: os
proprietários rurais se dividiam entre os que estavam voltados para o mercado
interno e o exportadores, o desenvolvimento incipiente do capitalismo nos
centros urbanos abria espaço para uma nova elite de financistas e comerciantes,
ligados ao capital estrangeiro. A passagem
da condição de colonial para a constituição do Estado brasileiro, não
trouxe modificações imediatas no modo de produção econômica: grandes latifúndios baseados na mão de obra escrava,
instaurados na época pré-capitalista da metrópole. Quando o capitalismo
dos países desenvolvidos começam a pressionar o Brasil para substituir o
escravo pela mão de obra livre, nosso país é incapaz de uma troca rápida, pois nossa
estrutura económica estava assim implantada. Não temos uma classe média, que
servisse de intermediária entre os interesses dos proprietários rurais e do
governo. É o próprio Estado quem vai fornecer emprego, através do funcionalismo público aumentando assim a
população urbana.
José
Murilo de Carvalho vai argumentar que a homogeneidade ideológica de nossas elites vem de sua formação jurídica em Portugal e
de seu treinamento no funcionalismo público e está ligada mais a socialização
do que ao status quo. "As teorias políticas e os modelos de
organização de poder existentes na Europa não se adaptavam ou adaptavam-se
apenas parcialmente às circunstâncias em que se achavam os novos países.
Periferia do sistema capitalista, com suas
principais riquezas voltadas para os mercados dos países centrais, esses
países ver-se-iam prisioneiros de cruéis dilemas, por exemplo, entre o livre
comércio e o protecionismo, entre o liberalismo e o trabalho escravo, entre o
centralismo e a descentralização." (Murilo de Carvalho, pg-36)
E
nestas contradições que vão se debater os partidos políticos constituídos no
Império. O liberais pretendiam uma maior autonomia das províncias, justiça
eleitoral, separação da polícia e da justiça e redução do Poder Moderador. Os
conservadores eram pelo fortalecimento do poder central, controle centralizado
da magistratura e da polícia, fortalecimento do poder imperial. A mesma
ambiguidade que permeia nossas instituições, está presente na ação política
destes partidos: "Todas as principais leis de reforma social, tais como a
abolição do tráfico de escravos, a Lei do Ventre Livre, a Lei de Abolição, a Lei de Terras, foram aprovados
por Ministérios e Câmaras conservadores. Frequentemente, os liberais
reformistas propunham as reformas e os conservadores as
implementavam…Resultava daí uma fragilidade básica no sistema político
imperial: os liberais não conseguiam implementar as medidas que sua ala
reformista propunha; ao passo que os conservadores as implementavam, mas à
custa da unidade partidária." (pg.175, Murilo de Carvalho).
Neste contexto social, podemos considerar o trabalho de Machado de
Assis, em "Esaú e Jacó", uma metáfora da sua época, onde
abolicionismo, a lei Rio Branco, o famoso baile da Ilha Fiscal e finalmente a
proclamação da República não são meras referências de fatos históricos, que
servem de pano de fundo para o enredo. "Sem avançar por agora, digamos
apenas que, ao contrário do que geralmente se pensa, a matéria do artista
mostra assim não ser informe: é historicamente formada, e registra de algum
modo o processo social a que deve a sua existência." (Schwarz, 25)
Os gémeos Pedro e Paulo, nascem no Rio de Janeiro em
1870, filhos de um banqueiro aristocrata, que compra do Império, o título de
barão. Ambos, perfeitamente
iguais, são predestinados a serem grandes homens. O sinal da predestinação é
que brigam no ventre da mãe. Iguais e opostos, Pedro vai ser um conservador, que defende a Monarquia. Paulo, é
um liberal radical, que se engaja no partido republicano para combater o
Imperador. Ambos expressam a divisão genuína que se encontrava na elite
intelectual cosmopolita presente no Império. A única reconciliação possível é
no amor que ambos sentem pela mãe. Quando esta morre, depois da proclamação da
República, Pedro e Paulo se distanciam completamente, depois de tornarem-se
deputados por partidos de oposição.
A terceira personagem do romance de Machado de Assis, é Flora, filha de
um conservador, que faz parte dos quadros do governo, mas não tem ideologia, só
interesses particulares, e pragmáticos, embora quem saiba disto com clareza é sua mulher D. Cláudia. Esta ao ver
que os conservadores caíram do governo diz a seu marido: "-
Batista, você nunca foi conservador! Você estava com eles, como a gente está
num baile, onde não é preciso Ter as mesmas idéias para dançar a mesma
quadrilha. Qual moderação! Você é liberal." Filha deste pragmatismo, Flora
é uma inexplicável, é amada por Paulo e por Pedro. Incapaz de decidir-se entre
os dois, termina morrendo. Ama a estabilidade e ao mesmo tempo a inquietude da
mudança. "- A razão parece-me ser que o espírito de inquietação reside em
Paulo, e o de conservação em Pedro. Um já se contenta do que está, outro acha
que é pouco e pouquíssimo, e quisera ir ao ponto a que não foram homens. Em
suma, não lhes importam formas de governo,
contanto que a sociedade fique firme ou se atire para diante."
No
romance de Machado de Assis, o povo espera para saber se terá ou não mudança
no regime de governo. O dono de uma confeitaria que está trocando a placa de
seu estabelecimento "Confeitaria do Império", pede ao pintor que pare no d. até o tempo mostrar qual
será o futuro.
Bibliografia
1 .Assis,
Machado – Esaú e Jacó– RJ, ed Nova Fronteira, 1982
2.Carvalho, José Murilo de – Teatro de
Sombras: a Política Imperial, RJ,
Vértice/IUPERJ, 1988
–A construção da Ordem. RJ, ed. Campus, 1980 3.Couto, Cláudio Gonçalves – A
questão do sistema de governo no pensamento político Imperial: o
problema do Poder Moderador, mimeo, FFLCH,SP,1992
4.Holanda, Sérgio Buarque de – O Brasil
Monárquico. História Geral da Civilização Brasileira. (HGCB) vol.SP,
Difel, 1971
5.Schwarz, Roberto – Ao vencedor
as Batatas. SP. Livraria Duas Cidades, 1977
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