MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE

MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE, Barão de Santo Ângelo (Rio Pardo, do Rio Grande do Sul, 1806-1879), foi um dos grandes batalhadores do movimento romântico no Brasil, glória que comparte com Magalhães e Gonçalves Dias. Principiou a vida como relojoeiro, e, tendo sido recrutado em sua terra natal, veio para o Rio de Janeiro, onde estudou na Academia das Belas Artes. Enviado à Europa por alguns amigos, aí foi discípulo de Gros, e na Itália conviveu com Magalhães e Sales Torres Homem .Foi nomeado diretor da Academia em 1854; em 1859, cônsul geral em Berlim. Desde então viveu quase sempre na Europa.


Nas letras se distinguiu como autor das Brasilianas, coleção de poemetos e cantos, e pelo seu grande poema épico denominado Colombo. Escreveu também para o teatro, mostrou-se por vezes orador inspirado e ativamente colaborou em diversos jornais. Em sua obra prima, o Colombo, de mistura com prolixidades escusáveis e nímia ostentação de erudito, há belezas geniais e que suscitam legítimo entusiasmo.

O Triunfo

Troam na Ibéria os hinos da vitória
Que Fernando e Isabel do Mouro houveram. (582)
Jaz vencida Granada! A cruz guerreira
Da moderna cruzada resplandece
No rubro cimo da atalaia altiva
Que domina de Alhambra (583) os régios muros
E os zimbórios vidrados das mesquitas,
Assentados no grêmio augusto e belo
Da abatida sultana do Ocidente!
Jaz vencido o Corão: (584) no santo aprisco
Repousa a Espanha à sombra do Evangelho.
Na ridente esplanada, ovantes, firmes,
Como troncos de ferro, ao sol fulguram
Pautados esquadrões, lúcidas armas.
Rebombam no horizonte em densas nuvens
Os estrondos da rouca artilharia,
Que dos rinchos eqüinos aumentados,
E do rijo clangor das márcias tubas,
D’alto a baixo as montanhas estremecem! (585)
Sobre o crânio hibernal das Alpuxarras
Estala o diadema eterno e frígido
De níveas carambinas; (586) geme a terra:
Revolve o Darso o antigo leito, e mescla
De áureas palhetas as sangrentas águas,
Onde exangues cadáveres flutuam.
Retremem os zimbórios esmaltados
Dos islâmicos templos. Pavorosa
A sombra de Almansor, banhado em sangue,
Do poente jazigo em que dormia,
Se ergue, e lá foge ao funeral de um trono
Que o seu braço escudara em cem batalhas.
Jaz vencida Granada!…

(Colombo, ed. do Inst. Hist., 1892, Prólogo) Obra de MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE

Descobrimento da América

Mais um’hora velou. Deu meia noite,
Rendeu-se o quarto no maior silêncio.
Acalmada a emoção, e mais convicto,
Fêz sinal, e a esquadra pôs à capa,
Sem que alguém da manobra visse a causa.
Sentado e enfraquecido por vigílias,
Ainda olhava; mas, cedendo ao corpo,
Ali mesmo dormiu, té que de um salto,
Erguido ao trom de festiva bombarda
E da grita dos seus, que repetiam
Com Bermejo, na Pinta — Terra! Terra!… —
Sem olhar, convencido da verdade,
Por grato impulso, ajoelhou-se orando,
Antes que a terra lhe alegrasse a vista!
Vinha o dia rompendo e descobrindo
Sobre a linha do mar a terra ansiada!
Como ao empaste das fecundas tintas
A natura e a luz na tela fulgem,
Assim fulgia o ondulado aspecto
De frondente floresta, e pouco a pouco,
Ao sorriso das horas fugitivas,
No ar se abriam graciosas palmas,
Como guerreiros de emplumados elmos
Vindos à plaga a festejar as naves.
Com o prumo na mão, sondando a costa,
Entrou numa abra (587) que no fundo tinha
Surgidouro seguro. Manda o chefe
A manobra de paz! e a um tempo viu-se
Cair o pano, atravessar a frota,
Morder o ferro a desejada areia. (588)
Os descrentes então se convenceram
De que um homem de Deus vê mais que os outros.
Baixam dos turcos o ligeiro esquife (589)
E o real escaler apendoado.
O prazer, que remoça, agita o Nauta.
Larga o burel da devoção, e o peito
De lúcida couraça veste; cinge
A espada de almirante, e sobre os ombros
Traça um manto escarlate, mimo régio.
Protege a fronte co’um brilhante almafre, (590)
De cujo cimo pontiagudo rompe
Trífida (591) palma de recurvas plumas.
Toma o pacto real, feito em Granada
E o pendão de Isabel, o novo lábaro,
Que há de em breve vencer mais que o de Roma.
Descem com êle os empregados régios.
E os Pinzões, a quem dera a honra e guarda
Do estandarte real. Acena ao mestre:
Alam as prontas vogas à ribeira; (592)
Qual amplexo de amor, todos sentiram
O doce abalo do encontrão da praia.
De um salto juvenil pisa Colombo
A nova terra, e com seguro braço,
A bandeira real no solo planta.
Beija a plaga almejada, ledo chora:
Foi geral a emoção! Disse o silêncio
Na mudez respeitosa mais que a língua.
Ao céu erguendo os lacrimosos olhos,
Na mão sustendo o Crucifixo disse:
"Deus eterno, Senhor onipotente,
A cujo verbo criador o espaço
Fecundado soltou o firmamento,
O sol, e a terra, e os ventos do oceano,
Bendito sejas, Santo, Santo, Santo!
Sempre bendito em toda parte sejas.
Que se exalte tua alta majestade
Por haver concedido ao servo humilde
O teu nome louvar nestas distâncias.
Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo,
Como primícias deste santo empenho,
A teu Filho Divino humilde ofreça
Esta terra, e que o mundo sempre a chame
Terra de Vera-Cruz! E que assim seja".
Ergue-se e o laço do estandarte afrouxa:
Sopra o vento, desdobra-o, resplandecem
De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro
As armas espanholas. Como assenso (593)
Da divina mansão, esparge a brisa
Um chuveiro de flores sobre a imagem,
Flores não vistas da européia gente!

Notas aos poemas de MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE

(Ibid, Canto XXVI, pp. 493-495). Obra de MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE

  • (582) houveram — obtiveram, conseguiram, alcançaram.
  • (583) Pronuncie-se al-hambra, sem palatizar o "l".
  •  (584) Corão, o livro religioso dos Árabes; diz-se também alcorão, mantendo-se o artigo.
  • (585) as montanhas = obieto dir. de estremecem.
  • (586) níveas carambinas — flocos ou sincelos de neve.
  • (587) — obra = enseada, angra, baía, com ancoraduro.
  • (588) — Morder o ferro a desejada areia. O ferro é a âncora, por siné-doque; como pode ser a espada ou outro instrumento desse metal. (Lus., III, 113: "Quando do ferro as vidas escapavam"; et passim). Morder é penetrar, enterrar-se.
  • (589) turcos (termo náut.) = suportes no costado do navio destinados a suspender escaleres e âncoras; e esquife (do lat. alem. ski) é pequeno batei e, por extensão, decorrente da forma, caixão de defunto, ataúde.
  • (590) almafre (do ár. al. mig-far, capacete de ferro) := cobertura da cabeça,. morrião adornado, capacete.
  • (591) trífida = tríplice.
  • (592) Alam as prontas vogas à ribeira = alar em linguagem náutica é içar, mas é também trazer, guiar, mover; vogas são remos ou os próprios remeiros; ribeira, a praia.
  • (593) assenso — assentimento, aprovação.

 


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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