O descobrimento do Brasil – História do Brasil

História do Brasil Para a Terceira Série Ginasial – Ary da Matta, 1946

História do Brasil de Ary da Matta
Cap. 1 – O descobrimento
Cap. 2 – Os primórdios da colonização
Cap.3 – A formação étnica
Cap. 4 – Expansão geográfica
Cap. 5 – Defesa do território
Cap. 6 – Desenvolvimento econômico
Cap. 7 – Desenvolvimento espiritual
Cap. 8 – O sentimento nacional

UNIDADE I
O DESCOBRIMENTO



1. Origens de Portugal; 2. Os descobrimentos portugueses; 3. Cabral e o descobrimento; 4. A carta de Pêro Vaz de Caminha.

Portugal, originário do antigo condado portucalense, desenvolveu sua vocação marítima, engrandeceu seu território alargando a fé e o império, tomando assim a liderança na expansão geográfica do Mundo Moderno.
O descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral constitui por suas consequências um dos episódios marcantes da era das grandes navegações.
Embora alguns historiadores contestem a prioridade do descobrimento pela esquadra de Cabral, não há como ocultar que socialmente somos uma descoberta portuguesa. Deles recebemos língua, princípios cristãos que desde o dia do descobrimento presidiram à nossa formação e a grande contribuição do sangue peninsular daqueles vigorosos construtores de impérios.
A carta de Pêro Vaz de Caminha documenta oficialmente o feito da armada lusa, autenticando o acontecimento como uma verdadeira "certidão de nascimento do Brasil".

1. Origens de Portugal

A
Nação portuguesa se constituiu politicamente com a independência do condado
portucalense, feudo da coroa de Castela, verificada em 1140 no histórico
castelo de Guimarães. O movimento de soberania portuguesa levou ao trono a
dinastia de Borgonha, da qual foi primeiro monarca Afonso
I (Afonso Henriques), filho do conde D. Henrique de Borgonha, nobre
francês que lutara na reconquista da península ao lado dos castelhanos, contra
o domínio árabe, e de D. Teresa, Teresia ou Tareija, filha do rei de Castela D.
Afonso, que doou aquele feudo ao conde D. Henrique.

A pré-históría portuguesa. — As escavações arqueológicas revelam que Portugal foi habitado desde o
paleolítico superior por elementos que correspondem à cultura musteriense,
cheulense e acheulense.

História lendária do povoamento. — A mitologia grega refere que Baco, filho de Júpiter
e Lemele, teria imposto aos habitantes da península o governo de Lísias, seu
compatriota. As origens de Portugal ligam-se também à história heróica grega
com a fundação por Ulisses, rei de Itaca, que fugira ao incêndio de Tróia, de um
primitivo núcleo de povoamento, Ulissipo ou Olissibo, às margens do Tejo,
núcleo este que se transformaria depois na moderna Lisboa. Contemporânea destes
primeiros povoadores seria a introdução de iberos, celtas e lígures.

Datam
do século
XII a. C, provavelmente, os primeiros entrepostos
comerciais fenícios (de Tiro): Gades (Cádiz); Malaca (Málaga), Hispalis
(Sevilha); Melcartéia (Algeciras).

No século VII a. C, dois movimentos
colonizadores se
manifestam
simultaneamente. O primeiro, dos gregos de
Samos, teria alcançado o Guadalquivir
(Tartesso por êles chamado). Fundam ainda Rodes (Rosas), Sagunto, Denia
(Dianium), no litoral mediterrâneo da Península. A segunda onda de origem
céltica, vinda do norte das Gálias, dirige-se para o sul fundando Corumbriga,
Caetobriga, La-cobriga, todas núcleos de futuras cidades.

Nas guerras
púnicas entre as várias legiões peninsulares do exército de Aníbal, figuraram
também tropas lusitanas.

Castelo de Guimarães, berço da nacionalidade
portuguesa.

A Lusitânia pré-romana.
A Lusitânia pré-romana ocupava uma área geográfica da Península Ibérica
limitada ao sul pelo Tejo, ao norte e oeste pelo Atlântico e a leste com os
celtiberos e os asturos. Esta área primitiva foi mais tarde, no tempo de
Augusto, deslocada para limitar-se ao norte pelo Douro e a leste pelo Guadiana.

Entre as tribos habitantes desta região figuram arta-bros, celtas e os
brácaros, acima do Douro; os lusitanos pro
priamente ditos ficariam ao sul
deste rio, ao lado de pre
súrios, os turdulos velhos (entre o Douro, o Tejo e o
Atlân
tico)
; cúnios e arretes no território entre o Tejo e o Sacro
Promontório (Cabo de S. Vicente).

Ruínas romanas do templo de Diana, em Évora (Inicio do
século
III).

 

A CONQUISTA
ROMANA

No século II a. C, as legiões romanas invadem a Península Ibérica. Diante da ameaça, os lusitanos
transpõem
o Guadalquivir, atacam os romanos no Algarve e na
Andaluzia. Mais tarde, depois de vencidos por Cipião (Públio Cornélio), obtêm a
vitória sobre Púnico e Césaro. Em 150, Galba, usando de deslealdade, consegue dissolver
as aguerridas hostes lusitanas. Após este desastre, a resistência lusa se reúne
em torno do pastor Viriato, que se transforma em verdadeiro caudilho de
guerrilheiros que traziam desassossegadas as disciplinadas legiões romanas. Sob
seu comando, rompem o cerco que lhes havia imposto Caio Vetílio, vencendo-o e
matando-o depois nos desfiladeiros da serra

Monumento da pré-história portuguesa — dólmen da Coureia dos tourais.

de Ronda. Caio
Polâncio, Cláudio Unimano, Caio Nepídio, são outros tantos capitães romanos
derrotados por Viriato em menos de dois anos de luta. Sua vitória penosamente
obtida sobre o cônsul Serviliano e a clemência demonstrada para com os vencidos
permitiram-lhe firmar um tratado que o Senado Romano ratificou depois,
enviando-lhe como recompensa o título de "Amicus populi Romani".

 

Pretextando
motivos fúteis, o Senado autoriza nova expedição contra os lusitanos, chefiada
por Servílio Cipião, irmão de Serviliano, a qual invade o Tejo setentrional c
teve sua vitória facilitada pelo assassínio de Viriato, perpetrado por três
traidores.

A morte de Viriato põe fim praticamente à independência lusitana.

A
romanização.
— Caio Júlio César,
guerreiro genial, em 61-45 a. C, obteve a submissão dos lusos. Mais tarde, 26
a. C, Augusto acabou por conquistar toda a península e pacificá-la. O imperador
habilmente lhes levou os benefícios de sua administração, concedendo-lhes
privilégios e honrarias e dando títulos honoríficos a algumas cidades, como
aliás César já o fizera anteriormente.

Ainda hoje é possível admirar a influência romana em. Portugal. O templo de Diana, em Évora; as
muralhas de Braga, Évora, Condeixa, a Velha; arcos de pórticos em Évora, Heja,
Bobadela; circos em Balsa e Taveira; estradas pavimentadas cortam o solo em todas
as direções; há em Sta. Vitória do Ameixial vestígios de uma vila; inscrições foram
encontradas em Vezela e Braga — tudo isto atestando os bons resultados da
influência romana.

OS BÁRBAROS NA PENÍNSULA

O movimento de migrações bárbaras do século. V alcançou
também a península. Grupos germanos alanos invadem a região. Em 414, os
visigodos invadem a Hispânia e fundam um florescente reino no século
VI. Coube a Leovigildo (567-586) a fundação da monarquia visigótica na
Península Ibérica. No tempo de Recaredo, seu filho e sucessor, convertem-se os
visigodos ao catolicismo
(III
concílio de Toledo, em, 589)
abandonando o arianismo que haviam adotado até então.

O ISLÃ NA PENÍNSULA

A
guerra santa, o "combate aos infiéis", dos maometanos, atinge a
península na sua expansão em 711. Tarik vence Rodrigo, rei visigodo, na
batalha de Algeciras, seguida logo da conquista de Sevilha, Córdova e Toledo.


Diante
do ímpeto do invasor, retiraram-se os cristãos para as montanhas das Astúrias,
ao norte da península, onde foram articuladas a resistência e a organização da reconquista. Deste movimento resultou a formação das monarquias cristãs
peninsulares, que pouco a pouco se foram reunindo em torno do reino de Castela.

A reconquista. — Em
737, os cavaleiros visigodos sediados nas Astúrias aclamam Pelágio como rei. A
êle reúnem-se outros chefes de mesma inspiração cristã dispostos a expulsar de
sua terra a bandeira do Crescente. No ano seguinte abtêm a vitória de
Covadonga. Fávila e Afonso
I, sucessores de Pelágio, continuam o movimento
da reconquista. Fernando 1 de Castela, o Grande, toma aos árabes
Badajoz, Viseu, Lamego e Coimbra. Em 1065, após sua morte, seus territórios são
partilhados entre os filhos. A Sancho coube Castela; a Garcia, a Galícia; a
Afonso, o reino de Leão. Esta fragmentação teve apenas caráter provisório
porque em breve Afonso se apossou de Castela e Galícia derrotando os irmãos e
unificou toda a herança paterna, reinando sobre ela como Afonso
VI. Tratou ainda de se apossar de Sevilha e Toledo, numa expressiva vitória
sobre o Islã.

O
Condado Portucalense.

Distinguiram-se nestas cruzadas os nobres franceses Raimundo, filho de
Guilherme, conde de Borgonha e seu primo Henrique. Afonso
VI ajusta o casamento dos nobres franceses com suas filhas. Raimundo de
Borgonha casa-se com D. Urraca e D. Henrique com D. Teresa ou Tereija. Raimundo
recebeu como feudo um território que se estendia entre o Douro e o Minho,
acrescido de Santarém, Lisboa e Cintra, que Afonso
VI obteve
do rei de Badajoz. Estas terras constituíam um condado entregue a Raimundo. D.
Henrique recebeu, sujeito à suserania de Raimundo, parte deste território
compreendida entre o Minho e o Tejo, que ele governou com o título de.
"Senhor de Coimbra" (1095) e mais tarde com o de "Conde
portucalense", alusão ao povoado de Portus Cale, à beira-rio (Condado
Portucalense).



O
espírito de independência de D. Henrique vai pouco a pouco furtando-se à
soberania de Castela. No pacto sucessório, firmado entre os dois primos,
obrigam-se à assistência mútua, regulam a questão de soberania dos dois condados
e a partilha dos territórios de Afonso
VI (1094?1107?).

Após
a morte de Afonso
VI em 1109 (Raimundo falecera anteriormente), D.
Henrique passou a intitular-se "pela graça de Deus Conde e senhor
de Todo Portugal". (Dei gratia Comes et totius Portugália Dominus).

O
movimento de independência.

D. Urraca, viúva de Afonso
VI,
e declarada única herdeira,
assumiu o trono e casou-se em seguida com Afonso de Aragão, o Batalhador.
Encontrou descontentes e rivais, desavindo-se com o próprio marido de quem
acabou afinal por sepafar-se. D. Henrique pôs em prática uma política
oscilante, ora favorável à cunhada, ora favorável a seus inimigos. Morreu em
1114 deixando como herdeiro seu filho menor Afonso Henriques, sob a tutela do
aio Egas Moniz, notável pela dedicação e lealdade. Sua viúva, D. Teresa,
enamorou-se de Fernando Percz de Trava, conde da Galícia e pretendeu
desposá-lo. Revoltaram-se os barões portugueses, ciosos de sua independência e
temerosos de que tal casamento submetesse Portugal ao domínio galego. Uniram-se
hostes em torno de Afonso Henriques
proclamando-o rei e já em 1129
obtinham os insurretos a vitória de São
Mamede, nos arredores de Guimarães, de que resultou a expulsão de Fernando
Perez do país e a vitória do que poderíamos chamar o "partido
português". A independncia lusitana estav-i assim assegurada.

A
Independência Portuguesa.
— A
primeira tarefa de Afonso Henriques foi consolidar seu movimento persistindo na
‘mesma política anti-galega. Vemo-lo em 1130 e 1132 invadir várias vezes a
Galícia. Em 1137, aliou-se a Garcia, rei de Navarra, contra Afonso
VII, aclamado imperador pelas cortes de Leão em 1135. Desta aliança resultou
nova invasão da Galícia que terminou com a vitória portuguesa de Verneja. Para
manter as fronteiras meridionais invioláveis, celebra com seu primo a paz de
Tui, a 4 de julho de 1137, e corre a atacar os muçulmanos, der-rotando-os em
Ourique a 25 de julho de 1139. Desde então se intitula rei de Portugal.
Volta-se em seguida contra Afonso
VII, anulando previamente
a paz de Tui. Em 1143, na conferência de Zamora, foi aceita a paz proposta por
Afonso
VII, reconhecendo Afonso Henriques como rei de
Portugal.

Somente
em 1179, após vários e demorados entendimentos,
é que o papa Alexandre
III reconheceu solenemente Afonso Henriques como rei de Portugal.

QUESTIONÁRIO
REFLEXIVO

1 — Como a mitologia grega explica o
povoamento da Penín
sula Ibérica?

2 — Quais os principais núcleos de colonização
dos séculos XII
e VII a.C.
na Península Ibérica?

3   — Qual a área ocupada pela Lusitânia pré-romana?

4   — Quais os principais grupos habitantes desta
região?

5   — Quando so iniciou a conquista romana e
que resultados
apresentou?

6   — Qual o motivo da importância histórica de Viriato?

7   — Quais os monumentos portugueses da fase da
romanização,
ainda existentes?

8   — Quando se verificou o dominio bárbaro na
Península?

9   — Que foi a chamada Reconquista?

10 — Qual o motivo da importância histórica de
Fernando
I e Afonso VI de
Castela?

11 — Qual a origem do condado portucalense?

12      — Quais as causas próximas e remotas do
movimento de eman
cipação de Portugal?

Sugestões para exercício de
redaçao e exposição oral:

a)    Viriato e a resistência lusitana.

b)    Os heróis da Reconquista.

c)    D. Afonso Henriques e a Independência
de Portugal.

 

 


2. Os descobrimentos portugueses

Até a alta Idade Média os conhecimentos geográficos eram reduzidos à
Europa, Africa Setentrional e Oriental, Ásia Ocidental e Meridional. Viajantes
e aventureiros relatavam a existência de países fabulosos e ricos na Índia e
na Assíria. O viajante veneziano Marco Polo, no século
XIII, atingiu
por terra o Oriente.

O Atlântico era desconhecido. Para o sul do cabo
Não, no Marrocos espanhol, não se arriscavam os na
vegantes, temerosos de surpresas do mar ainda desco
nhecido.
. •

A
partir do século
XV, com o desenvolvimento da arte náutica
facilitado pelas novas invenções, bússola e caravela c novas técnicas de
navegação, alargaram-se os conhecimentos geográficos.

Arte náutica e as navegações
do século
XV.

Novos instrumentos
náuticos, balestilha, astrolábio náutico (plano e esférico), cartas
geográficas, portulanos, aliados à bússola e à caravela, contribuíram para a
evolução naval. A caravela foi concebida por navegantes portugueses* e é
caracterizada pela proa alta armada em 4 mastros, onde combinam a vela quadrada
dos latinos e a vela triangular. Esta disposição do velame permitia a navegação
a barlavento ou navegação a bolina, impulsionando-se o barco em direção contrária
à direção do vento.

D.
Henrique e a Escola de Sagres.

D. Henrique, o Navegador, era filho de D. João
I, o
mestre d’Aviz c fundador da dinastia do mesmo nome, que substituiu no trono a
dinastia de Borgonha fundada pelo conde D. Henrique. Isolando-se da vida da
corte, fugindo aos prazeres * da vida palaciana e ao luxo que .a posição
principesca lhe poderia proporcionar, refugiou-se ao sul do Algarve, no
promontório de Sagres, próximo ao cabo de S. Vicente,



 

Infante D.
Henrique. (Reproduzido da
"História da Colonização Portuguesa no Brasil".)

onde criou em 1416 um núcleo de
navegadores, astrónomos, matemáticos e armadores que constituíram o que se
chamou a Escola de Sagres. Nela tinham acesso pilotos de qualquer procedência: diepenses, venezianos,
genoveses, cas
telhanos, matemáticos e astrónomos árabes. O aprendizado
fazia-se segundo um método prático a bordo das. galés, caravelas, estudando e construindo portulanos, navegando com o auxílio
de instrumentos náuticos, ouvindo
relatos de outros navegantes. O plano
grandioso do Infante, mal compreendido em
sua
época, era desalojar os mouros de suas feitorias no litoral
africano, substituí-los por colonos e guarnições portuguesas, afastando deste
modo a influência islâmica naquelas regiões.

Navegadores
lia Escola de Sagres.
— Os
frutos dos esforços do Infante e seus colaboradores não se fizeram tardar. Em
1418 Bartolomeu Perestrelo descobre Porto Santo; em 1419 João Gonçalves Zarco e
Tristão Vaz atingem a Ilha da Madeira; em 1422 foi transposto o cabo ‘Não; em
1434?, Gil Eanes, pajem do Infante, dobrou o cabo do Bojador; em 1432 Gonçalo
Velho Cabral atingiu os Açores; em 146G Pedro de Cintra descobre a Serra
Leoa. Em 1463 morre o Infante.

Desse modo, alongando-se na direção dos meridianos, foram os navegantes
portugueses modificando a geografia fabulosa de então que povoava o Atlântico,
deixando em seu lugar padrões de conquista e feitorias de colonização.

 

 

No tempo de Afonso V, o Africano, foram realizadas as viagens de Pêro de Covilhã e Afonso de
Paiva, por via terrestre, até a Abissínia. Bartolomeu Dias por via marítima
atinge, no extremo meridional da África, o cabo das Tormentas ou Tormentório,
nomenclatura modificada por D. João
II, o Príncipe Perfeito, para Cabo da Boa Esperança, "na boa
esperança de alcançar a índia",
teria dito omonarca. Assim, ficou
resolvido, de uma só vez, o duplo problema de ordem náutica e geográfica do
caminho marítimo das Índias.

O périplo africano de Vasco da Gama. — Coube a Vasco da Gama, irmão do navegante Estêvão da Gama, completar
com o périplo africano a façanha de Bartolomeu Dias. Sua expedição, foi
realizada de 1497 a 1499. Teve por pontos extremos Lisboa e Cambalut ou
Calicut, na índia, depois de ter contornado a África pelo sul. Compunha-se de
três caravelas: "São Rafael", "São Gabriel" e
"Ber-rio" e mais uma barca de mantimentos, comandadas respectivamente
por Paulo da Gama, Vasco da Gama, Nicolau Coelho e Gonçalo Nunes. Levavam a
bordo 6 padrões de conquista, línguas (intérpretes), degredados e alguma tropa.

 

QUESTIONÁRIO REFLEXIVO

1  
— Qual o mundo conhecido na Idade Média?

2  
— Quais as causas próximas e remotas que
mais contribuíram

para a expansão
geográfica do mundo moderno?

3 — Quais as novas técnicas e instrumentos náuticos de que dispunham
os navegantes do início da Idade Moderna?

4  
— Que resultados apresentou a Escola de Sagres?

5   — Quais as consequências próximas e remotas do périplo africano do
Vasco da Gama? 6— Assinale no mapa-mudo as descobertas portuguesas
anteriores a 1500.

Sugestões para exercício
de redação e exposição oral:

a)    D. Henrique e a Escola de Sagres.

b)  
A arte de navegar dos portugueses.

c)   
Resultados gerais da
expansão geográfica do Mundo Mo
derno.

 


3. – Cabral e o descobrimento do Brasil

O descobrimento do Brasil pelos portugueses data de 22 de abril de 1500
e tem sua comemoração fixada oficialmente em 3 de maio, em virtude de razoes várias
que discutiremos adiante.

O
histórico de tal feito da navegação lusa está atestado por três documentos
contemporâneos da descoberta, de autenticidade e idoneidade largamente
comprovadas: a carta do físico-mor Mestre Johanes Emenelaus, dirigida a D.
Manuel; a Relação do Piloto anónimo; e a famosa carta de Pêro Vaz de Caminha,
escrivão de Calicut, passageiro da frota de Cabral, também dirigida ao
Venturoso, e que dava conta do achado.

A expedição
de Cabral.
— Em março de 1500
tinha D. Manuel
I já preparada poderosa frota de 13 embarcações,
pronta para longa expedição. Comandava-a Pedro Álvares Cabral, senhor de
Belmonte, alcaide-mor de Azurara, ligado a uma das mais velhas linhagens
portuguesas. Levava 1500 homens de tropa de desembarque, negociantes,
aventureiros, degredados, frades franciscanos chefiados por frei Henrique
Soares de Coimbra, antigo desembargador da Casa de Suplicação, mais tarde bispo
de Ceuta e confessor de D. Manuel. Levava ainda dinheiro amoedado c
mercadorias. Estava aparelhada portanto, como lembra Capistrano de Abreu, com
recursos para se transformar em expedição pacífica ou belicosa, de acordo com
as circunstâncias que se apresentassem. Entre os mais célebres pilotos que dela
fizeram parte figuram Vasco de Ataíde, Bartolomeu Dias (morto durante a
expedição, no naufrágio de seu barco, na altura do Cabo da Boa Esperança),
Duarte Pacheco Pereira, notável cosmógrafo da época, Nicolau Coelho, antigo
piloto de Vasco da Gama e de Bartolomeu Dias, Gaspar de Lemos, Sancho de
Tovar. A expedição estabeleceria na índia bases de futuro comércio
permanente, fundando feitorias ao mesmo tempo em que se trataria da
cristianização dos gentios.



Pedro Alvares Cabral

(Retrato dos Varões e Donas.)


 

Roteiro* — Deu-se desusada importância à expedição. A 8
de março toda tripulação, tropas, os embarcadiços, assistem na ermida de Belém
a uma missa pontifical solene. O capitão-mor ficou ao «lado do rei durante a
cerimônia. Recebeu uma barrete que lhe enviara o papa, a Ordem de Cristo e o
monarca pessoalmente lhe fêz a entrega de um estandarte real bento momentos
antes por D. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta.

 

Brasão de Pedro
Alvares Cabral.

 

 

 

 

 

 

 

A frota de Cabral saindo do Tejo,

(Idealização
do pintor português Roque Gameiro, reproduzido da "História
da Colonização Portuguesa no Brasil".)


 

Somente
a 9, no dia seguinte, ventos favoráveis permitiram a saída da frota. A 14,
avistaram as Canárias, a 22 passaram ao largo das ilhas de Cabo Verde. A de
abril notaram-se os primeiros sinais de terra, confirmados a 22, quando
avistaram no litoral baiano um monte desde então denominado Pascoal pelo
capitão-mor, segundo nos refere Pêro Vaz de Caminha. Após operações
preliminares de sondagem e reconhecimento, bordejando para o norte, encontraram
ancoradouro na foz de um rio, logo abandonado por outro mais ao norte, com
capacidade de abrigar toda a frota e ao qual o capitão-mor denominou Porto
Seguro.

A
26 de abril, domingo da Pascoela, frei Henrique de Coimbra rezou a primeira
missa no ilhéu da Coroa Vermelha, missa a que os naturais assistiram com
demonstra-

Moedas e selos do rejnr.do
de D. Manuel e D. João 111.

ções de
respeito. A 1.° de maio chantou~se uma cruz construída com madeira da terra. No
dia seguinte, deixando dois degredados, a frota retomou o roteiro da índia ao
mesmo tempo em que era enviado ao rei o navio de mantimentos com a notícia da
nova descoberta.

 

PONTOS
CONTROVERTIDOS

O descobrimento do Brasil tem sido criticado por vários autores e carece de certos esclarecimentos
no
que se
refere à prioridade dos portugueses, à inten
cionalidade ou casualidade, da
descoberta, à fixação
da data respectiva, ao local a que corresponde o Porto Seguro de que fala
Caminha na carta a D. Manuel.

A
questão da prioridade.

Autores há que afirmam que outros navegadores haviam aportado ao Brasil em data
anterior à chegada de Cabral. Estas pretensões, estudadas eruditamente por Capistrano de Abreu-na sua famosa Tese
de Concurso,
são de três espécies: a) pretensões francesas; ‘ b) pretensões
espanholas; c) pretensões portuguesas.


D. Manuel, o Venturoso
Pretensões
francesas. — As pretensões
francesas defendidas por Paul Gafarei., autor
de Jcan Cousin ou La Découverte de l’Amèri-que avant
Christophe Co-lomb
(apud "Résumé Politique et littéraire", vol.
VI), que se apoiou num trabalho de Demarquets
(Mèmoires chronologiques pour servir à 1’hisíoire de. Dieppe et la
navigation française Paris – Dieppe,
1785). Para estes autores, Jean
Cousin, marinheiro e negociante die-pense, depois de ter tocado nos Açores,
teria sido arrastado em direção de_oeste até encontrar um continente na foz de
um grande rio que seria o Amazonas. Velejou depois em direção do sul da África,
descobriu o cabo das Agulhas, voltou daí para Dieppe em 1489, passando pelo
Congo e pelo golfo de Guiné. De um só golpe, lembra ainda Capistrano, como num
passe de mágica, Cousin arrebatou a glória de Colombo; Vasco da Gama e Cabral.

Pretensões
espanholas.
— As pretensões
espanholas se apoiam em boa documentação e reclamam, desde o século
XVI, a prioridade do descobrimento do Brasil para Vicente Yanez Pinzón e
Diego de Lepe. Mais tarde surgiram novas reivindicações favoráveis a Alonso de
Hojeda e Vespúcio, também apontados como precursores de Cabral.



NOTA. — Segundo o
texto da bula de Alexandre
VI, a chamada Unha Alexandrina passaria a
100 léguas a oeste das Ilhas dos Açores e das Ilhas de Cabo Verde. Tal linha,
portanto, teria uma inclinação pronunciada. No esquema acima só tomamos como
referência, para o traçado da mesma, as Ilhas de Cabo Verde.


Baseiam-se
os partidários da prioridade espanhola em Pedro Martyr (De rebus oceanicis et novo orbe décadas três,
Colónia,
1574), que arrolou depoimentos de Pinzón e seus marinheiros, e em Navarrette (Coleción de los viajes y
descubrimientos que hicieron por mar los Espanoles desde fines dei siglo
XV 5.°
vol., 1825-1837). Para esta corrente Vicente Yaííez Pinzón teria iniciado sua
expedição em dezembro de 1499, tocou nas Canárias de onde atingiu Cabo Verde e
a ilha de Santiago. Daí,, seguindo rumo oeste, chegou a 26 de janeiro ao
litoral brasileiro, atingindo um cabo a que denominou Santa Maria de la Consolación, acidente geográfico este identificado por Garcia Hernandes e Manoel de
Valdovinos e pelo próprio descobridor como sendo o cabo de Santo Agostinho da
toponímia portuguesa, enquanto Porto Seguro (Francisco Adolfo Varnhagen) indica
como sendo o porto de Mucuripe. Estas são as opiniões mais idóneas e mais
prováveis à luz da crítica histórica.

Segundo Batista Caetano, Pinzón teria atingido na sua navegação o cabo
Orange, anteriormente chamado Cabo de São Vicente, e o rio Oiapoc,
expressivamente chamado durante muito tempo rio de Vicente Pinzón.

"A viagem, de Pinzón, escreve Capistrano, é "de autenticidade inconcussa; em 1500 Juan de la Cosa e o governo espanhol; em 1501 Pedro Martyr; em 1504 Angelo Trevizano, e desde então
muitos outros historiadores têm dado testemunho dela".

Diego
de Lepe iniciou seu roteiro em Cadiz ou Paios, foi à ilha do Fogo, no
Arquipélago de Cabo Verde, e seguindo dai rumo sudoeste chegou ao cabo de Santo
Agostinho, seguindo mais ou menos a esteira de Pinzón.

A
tese de Varnhagen apresentando
Alonso de Hojeda como precursor de Pinzón, navegando com Vespúcio e ‘Juan de la Cosa atingindo o rio Açu, foi criticada por Capistrano
que provou sua inconsistência diante das contradições apontadas na
declaração do próprio Hojeda, de Juan de la Cosa e Vespúcio.


Pretensões de prioridade portuguesa. — Historiadores portugueses procuram apontar
compatriotas seus como precursores de Cabral, revelando documentação e
defendendo teses que merecem ser estudadas cuidadosamente. São apontados como
precursores: João Ramalho, Duarte Pacheco. Pereira.

A segunda missa
no Brasil.

(Quadro do pintor brasileiro Vítor Meireles.)

Intencionalidade do descobrimento. — A corrente de crítica histórica favorável à
intencionalidade e não à casualidade do descobrimento do Brasil pelos
portugueses, é a que oferece argumentos mais sólidos. Fundamenta-se em primeiro
lugar na documentação coeva; na sua carta o físico-mor faz menção de uma carta
geográfica existente de Pêro Vaz Bizagudo, na qual já figura o Brasil (Joaquim Norberto).
Jaime Cortesão defende a hipótese do segredo, isto é, D. Manuel já possuía
destas terras conhecimento que não revelou por motivos políticos e de
concorrência até que dela se apossasse. Outro argumento é aquele que se refere
à serenidade com que Caminha relata o achado, sem nenhuma surpresa, antes com
tranquilidade de quem apenas confirma um roteiro já fixado.

Os partidários da casualidade lembram a falta de padrões de conquista,
a questão das correntezas tecnicamente já estudadas.

Capistrano prefere explicar a descoberta como consequência natural do roteiro de
Vasco da Gama que, teria passado ao largo do litoral brasileiro e encontrado
vestígios de terra (rabo de asnos boiando, fura-buchos voando) que por
circunstâncias fortuitas não chegou a avistar.

A
questão do local.
— A questão
do local consistia na controvérsia surgida: se o atual Porto Segur era o Porto
Seguro onde se abrigou a frota de Cabral. A opinião mais aceita, contrariando a
opinião do grande Varnhagen, é a
de Beaurepaire Rohan, apoiado
aliás por cronistas quinhentistas (Gandavo, Gabriel Soares, Fernão Cardim e
Anchieta). O Porto Seguro de Cabral passou a chamar-se Santa Cruz por
influência da cruz ali chantada em 1.° de maio de 1500. O que hoje chamamos de
Porto Seguro corresponde à antiga baía Cabrália.

A
questão da data.
— A
comemoração oficial do descobrimento a 3 de maio, em oposição às declarações de
Caminha que o fixa de modo claríssimo a 22 de abril, tem recebido várias
explicações. Uns justificam o caso lembrando a modificação do calendário
juliano para o gregoriano, que determina um avanço de 10 dias, de 4 para 14 de
agosto. Esta afirmativa é facilmente recusada bastando-nos lembrar que, neste
caso, tendo em vista os 10 dias de avanço, a data.seria dois e não três de
maio. Vale a pena acrescentar ainda: por que as demais datas anteriores à
modificação do calendário e contemporâneas do fato não foram igualmente
modificadas?


Chantando a primeira cruz cm Porto Seguro.

(Quadro do pintor brasileiro Pedro Peres.)

Haveria
maior expressão comemorativa, lembra Jônatas Serrano, no 1.° de maio, dia da
tomada de posse da terra. O 3 de maio foi justificado também como sendo o dia
do encontro da Santa Cruz.

O
nome.
— Cabral denominou a
terra de Ilha de Vera Cruz, nomenclatura logo abandonada em 1501 para Ilha da
Cruz e, em julho do mesmo ano, D. Manuel a ela se refere em carta aos reis de
Espanha como Santa Cruz. O nome Brasil aparece em documentos oficiais desde
1511, no regimento da nau "Bretoa", por exemplo.



QUESTIONÁRIO
REFLEXIVO

1 — Qual a documentação que possuímos do
descobrimento do Brasil por Cabral em 1500?

2 — Quais os personagens mais importantes da
esquadra de Cabral?

3   — Qual a finalidade desta expedição?

4   — Quais os principais sucessos do calendário
da expedição de Cabral?

5   — Quais os principais sucessos da Semana de Vera Cruz?

6   — Quais os pontos controvertidos sobre o
descobrimento do Brasil pelos portugueses?

7 — Em que se fundamentam os partidários da
prioridade francesa?

8 — Que documentação exibem os partidários
da prioridade

espanhola? 0 — Quais -os prováveis
precursores de Cabral de origem lusitana?

10 — Qual a argumentação exibida por partidários
da intencionalidade e casualidade da descoberta?

11      — Em que consiste a questão do local?

12  — Como se procura justificar a
comemoração do descobrimento do Brasil a 3 de maio?

Sugestões para exercício de
redação e exposição oral;

a)    Cabral e o descobrimento do Brasil.

b)    Frei Henrique Soares de Coimbra.

c)    Casualidade ou intencionalidade.

 


4. A carta de Pêro Vaz de Caminha

A
carta cora a qual Pêro Vaz de Caminha comunicou a D. Manuel a notícia da
descoberta ficou esquecida nos arquivos da Torre do Tombo até 1793, quando
foi examinada por Juán Batista Munoz. Em 1887, o Padre Aires do Casal reproduziu-a na sua Corografia Brasílica. Outras
reproduções foram feitas em Lisboa em 1826 (Coleçõcs de notícias para a
história e geografia das nações ulíramarínhas),
em 1900, no Livro do
Centenário e na Bahia, no mesmo ano, em reprodução fac-similar com textos em
português quinhentista e em português atual. Foi reproduzida ainda no volume
11
da História da Colonização Portuguesa no, Brasil, com
anotações interpretativas de D. Carolina Micaelis de Vasconcelos (pags.
86-99).

O original está guardado na Torre do Tombo, Portugal, com a indicação de
catálogo: gav.
VIII, 2, 8, segundo notas de Varnhagen (//. Geral
do Brasil,
Tomo
I, 3.a edição, pg. 74).

Pêro Vaz de Caminha.
Filho de Vasco Fernandes Caminha, cavaleiro da casa do duque de Guimarães, Pêro
Vaz de Caminha, mestre de balança da moeda na comarca do Porto, herdeiro do
título paterno, cavaleiro da casa de D. Afonso
V e D.
Manuel, fora nomeado escrivão da feitoria de Calicut. Passageiro da nau
capitânia da frota de Cabral, relata de modo minucioso as peripécias da
expedição cabralina e descreve de igual modo a terra e os naturais de Vera
Cruz. Embora não seja escrita por um técnico em arte náutica ou um erudito em
Botânica, Zoologia, Cosmografia e Geologia, a viva narrativa vale por idóneo
documento já chamado "certidão de batismo do Brasil", "auto
solene do descobrimento"
e "primeira página da História
brasileira".

A
carta trata dos principais acontecimentos da vida de bordo, relata as
resoluções tomadas pelos capitães e pilotos cm que sempre esteve presente,
exalta as excelências das novas terras, descreve minuciosamente aspectos de
antropologia e de etnologia do gentio. Sugere ao Venturoso providências a serem
tomadas em seu amparo e em amparo da Terra que se lhe afigurou "cm tal
maneira graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-à nela tudo; por cansa das
águas que. tem".

*
* *

Versão da primeira página da carta de Pêro Vaz de Caminha pela Doutora D. Carolina
Micaelis de Vascon
celos, correspondendo
à reprodução fac-similar da página seguinte.

Senhor,

pasto que o Capitão-mor desta Vossa frota, c assim mesmo os outros
capitães escrevam a Vossa Alteza a noticia do achamento desta Vossa terra,
nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso
minha conta a Vossa Alteza, assim como cu melhor puder, ainda que.
para o bem contar c folar —, o
saiba peor que todos fazer!

Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem
certo creia que. para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que
aquilo que vi c me pareceu.

Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa
Alteza
porque o não saberei
fazer
e os pilotos devem der este cuidado.

E portanto, Senhor, do que hei
de falar começo:

E digo que a partida de Belém foi
como Vossa Alteza sabe, segunda feira 9 de Março. E sábado, 14 do dito mês
às S c 0 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da grande Canária. E
ali andámos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro
léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista
das Ilhas de Cabo Verde, a saber da Ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pêro
Escolar, piloto.

Na noite seguinte à segunda-feira quando amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde
com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para isso poder ser!

Fêz o Capitão suas diligências para o achar, em amas e outras partes.
Mas.
.. / não apareceu mais!

Trechos da Carta de Caminha para comentários em aula

 

E assim seguimos nossa caminho, por este mar de. longo, até que
terça-feira das Oitavas da Páscoa, que foram 21 dias de Aoril, topámos alguns
sinais de terra, estando distantes da dita Ilha, segundo os pilotos diziam,
obra de 660 ou 670 léguas
os
quais sinais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes
chamam botelho, c assim mesmo outras a que dão o nome de "rabo de
asno". E quarta-feira seguinte, pela ma…

Pardos,
nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos,
e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes
fêz sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver
fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente
arremessou-lhes um barrete vermelho e uma carapuça^ de linho que levava na
cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas
d’ave, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de
papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que
querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa
Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais
fala, por causa do mar.

„• E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde
tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um
porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se
dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E -um pouco antes
do sol–pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a
onze braças.

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e
bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso
de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara.
Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e
metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da
grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.
Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e
a
parte que. lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de
roque-de-xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que mão os magoa, nem lhes
põe estorvo no faiar, nem no comer e beber.

Os
cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que
sobrepente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles
trazia por baixo da covinha, de fonte a fonte, na parte de trás, uma espécie de
cabeleira, de penas de ave amarela, que seria, do comprimento de um coto, mui
basta e mui cerrada que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos
cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como cera (mas não era cera),
de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não
fazia míngua . mais lavagem para a levantar.

Dali se partiram os outros dois mancebos, que não os vimos mais.

Dos que ali andavam, muitos — quase a maior parte — traziam aqueles
bicos de osso nos beiços.

E alguns que andavam sem eles, traziam os beiços furados c nos buracos
traziam uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha. E alguns deles
traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos cabos.

E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber metade deles da sua
própria cor, e metade de tintura preta, um tanto azulada; e ainda outros
quartejados d’escaques.

E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece
outra cousa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam
aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma
idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar
quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos
ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir
clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimento da nossa fé,
pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também
comungaram.

Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra " o Sul
vimos, até a outra ponta que contra o Norte vem, de que nós deste porto
houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas
de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, vimas
vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de arvoredos.
De ponta a ponta é toda praia…
muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande;
porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos — terra que
nos parecia muito extensa.

Até agora não podemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de
metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares,
frescos e temperados como os de Entre-Douro e Minho, porque neste tempo d’agora
assim os achávamos como os de lá. As águas são muitas; infinitas. Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa
das águas que tem!

Com tudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será
salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela
deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada
para, essa navegação de Calecut, isso bastava. Quanto mais, disposição para se
nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber acrescentamento
da nossa santa fé!

 

QUESTIONÁRIO
REFLEXIVO

1 — Qual o motivo da importância histórica de
Pêro Vaz de

Caminha?

2  
— Quais os principais dados
biográficos de Caminha?

3   — Compare as três frases referentes à Carta:

‘Certidão de batismo do
Brasil" — "Auto solene do descobrimento"
"Primeira página da História. do
Brasil",
Qual delas exprime melhor o significado daquele documento?

4  
— De que assunto trata
Caminha na sua célebre Carta?

5   — Tente decifrar os caracteres quinhentistas no
documento reproduzido na pág. 34.

Sugestões para exercício de
redação e exposição oral:

a)    A Carta de Caminha e sua importância para
a História Pátria.

b)    Descobridores e decoradores do documento.

c)    A antropologia e a geografia na Carta de
Caminha,

 


Contendas
territoriais e os tratados de limites entre Portugal e Espanha

Diante
dos resultados da viagem de Colombo, apressaram-se os reis católicos em tomar
posse das terras recém–descobertas, garantidos pela autoridade do Papa,
árbitro naquela época de todas as questões da cristandade.

As bulas «Eximíae devotionis»
e «Inter coetera».
— Data de
3 de maio de 1493 a bula "Eximiae devotionis". Por ela o Papa
Alexandre
VI "concede aos Reis de Castela e Leão e
seus descendentes as terras ermas, ilhas remotas e incógnitas, descobertas e
por descobrir para as partes ocidentais e mar oceano, com os mesmos
privilégios, imunidades, graças c liberdades anteriormente concedidas aos Reis
de Portugal nas partes de África, Guiné e Mina de Ouro."

Com
a mesma data de 3 de maio de 1493 a primeira bula "Inter coetera" concedia
aos reis católicos ‘[todas e cada uma das sobreditas terras e ilhas
desconhecidas e até hoje por vossos emissários achadas e a serem achadas para o
futuro".
Fez no entanto uma ressalva em atenção a concessões
anteriores. Por isto acrescentou: "as quais não estejam constituídas
sob o atual domínio temporal de nenhuns Príncipes Cristãos".

NOTA.
— As datas reproduzidas neste capítulo sSo as datas oficiais que se
encontram nos textos das respectivas bulas. Convém esclarecer, no entanto, que
as datas de publicação das mesmas divergem daqueles textos segundo dês cobertas
realizadas por VAN DEN Lynden e
JAIME Cortesão no segundo quartel
do século vigente.


 

2.a
bula «Inter coetera».
— No
dia seguinte, 4 de maio, concedeu Alexandre
VI uma
nova bula Inter Coetera que introduzia sensíveis modificações na
anterior. O embaixador José Carlos de
Macedo Soares,
na sua obra clássica sobre o assunto, "Fronteiras
do Brasil no regime colonial"
‘, assim estuda os resultados da
diplomacia lusa c a fixação da linha Alexandrina então, estabelecida:

"A
Bula Inter Coetera de Alexandre
VI, de
4 de maio de 1493, não dividiu o mundo em metades — uma para Espanha c outra
para Portugal, — como erradamente se repete com insistência. Fèz aos Reis de
Castela e de Leão concessão absoluta "sob pena de excomunhão latae
sententiae para as pessoas de qualquer dignidade, mesmo Real ou Imperial",
que perturbarem seus domínios, de "fadas as ilhas e terras firmes
achadas ou por achar, descobertas ou por descobrir, para o ocidente e meio-dia
de uma linha desde o Polo Ártico ou Sctentrião, até o Pólo Antártico ou
Meio-Dia" "quer sejam terras firmes e ilhas encontradas c por
encontrar cm direção à Índia ou em direção a qualquer outra parte", a
"qual linha diste de qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos
Açores e Cabo Verde, cem léguas para o Ocidente e Meio-Dia".

* * *

"Pela
Bula Inter Coetera, Alexandre
VI teria encerrado o ciclo
das navegações portuguesas, pois outorgara à Espanha todas as possibilidades
relativas aos descobrimentos se não fora, como veremos, a vontade firme de D.
João 11 c as deficiências da própria Bula, as quais forçaram uma acomodação
entre os Reis Católicos e o de Portugal. Na verdade muito vaga era a expressão
usada na Bula versus occidentem et meridiem, e mais ainda esta outra: a
qualibet insularum que vulgariter nunepantur de los Azores et Caboverde,
em
se. tratando de traçar um meridiano, e estendendo-se os dois citados grupos de
ilha cm longitudes diferentes".

TRATADO DE
TORDESILHAS DE 7 DE JUNHO DE 1494

O
Tratado de Tordesilhas, assinado entre Fernando e Isabel e D. João
II, em 7 de junho de 1494, foi um triunfo da hábil diplomacia lusitana sem
qualquer interferência do poder papal, já que as reclamações do Príncipe
Perfeito ao Papa Alexandre
VI não haviam logrado outro resultado que a
confirmação de bulas anteriores datadas de maio pela nova bula Dudum
Siquidem
(26 de setembro de 1493).

D.
João, deixando de lado a interferência papal, diri-giu-se diretamente aos reis
católicos, protestando contra as generosas concessões pontifícias aos
espanhóis, as quais contrariavam, entre outros ajustes, o Tratado de Alcáçovas
de 1479, assinado entre Afonso
V
e Fernando e Isabel. Ameaçados
pela esquadra portuguesa, os reis católicos negociam o "Tratado de
Tordesilhas"
de 7 de junho de 1494, denominado Capitulacion de la
particion dei mar Oceano,
ratificado em Setúbal a 5 de setembro do mesmoano. Por ela se estabelecia a divisão do globo em dois hemisférios pelo
meridiano distante 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, ficando a
Espanha com a área a oeste do dito meridiano demarcador e Portugal com a área a
este. O meridiano demarcador estabelecido pelo tratado de 1494 assegurava a
posse portuguesa do território brasileiro compreendido entre o oceano e o
meridiano que corta o nosso território numa linha que vai de Belém no Pará a
Laguna em Sta. Catarina, aproximadamente.

Estudando
o Tratado assim escreve Clóvis Beviláqua: "O Tratado de Tordesilhas
representa um esforço da diplomacia portuguesa para atenuar o golpe vibrado
pelas Bulas de Alexandre
VI
na expansão marítima da
conquista e comércio, que, tão galhardamente, ia Portugal levando por
diante".

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