OS ESTADOS UNIDOS E A EUROPA
Oliveira Lima
A conseqüência essencial da vitória republicana nas urnas é que os Estados Unidos readquirem o contrai da sua própria política e que o modo de exercê-la é deixado ao arbítrio c critério do seu governo e do seu povo, não se regulando por alianças, mormente militares. Tanto o compreendem os políticos franceses que seus emissários, os generais que aqui têm vindo entreter o fogo sagrado — neste momento aqui se acha o General Nivelle —, já dizem que mais • vale amizade do que aliança. O convênio militar de garantia da França pela Inglaterra e pelos Estdos Unidos, ao qual aquiesceu o Presidente Wilson, foi por água abaixo, pois a eleição do Sr. Har-ding o tornou impraticável nos Estados Unidos e, na Câmara dos Comuns, declarou o leader ministerial, Sr. Bonar Law, que tal circunstância criava uma situação nova e deixava portanto de subsistir o Tratado desde que uma das partes o recusava.
Um ponto, porém, há em que a amizade não vale: é a questão da liquidação das dívidas contraídas nos Estados Unidos pelas nações européias. Em seus discursos, o Presidente eleito Harding declarou que um dos seus primeiros cuidados seria esse e que, embora nada exigisse o país pelo que dera espontaneamente, contando apenas com a boa vontade dos favorecidos, não lhe era dado considerar igualmente os empréstimos, dos quais os fornecidos pelo Governo não constavam senão de trocas de notas entre chancelarias.
Nada poderia estar mais longe do meu desejo do que forçar rudemente ou importunamente o pagamento desses empréstimos. Estávamos todos empenhados em combater um inimigo comum e um espírito dc extrema longanimidade deve prevalecer nos nossos ajustes de contas: essas dívidas são, porém, em princípio, apesar de Governo para Governo, da mesma natureza obrigatória das incorridas por emissões de títulos com juros, mesmo porque o dinheiro adiantado provém dc taxas ou empréstimos individuais.
O Governo americano é um simples depositário desse dinheiro do povo americano e este não se manifestou contrário ao seu reembolso. Não podendo ser agora liquidada esta situação, convém todavia regulá-la para evitar no futuro equívocos e desinteligências.
Devemos saber exatamente o que esperamos, como e quando o esperamos, e nossos aliados devem saber exatamente aquilo por que são responsáveis, como e quando o são. Quanto os nossos aliados têm que pagar deve ser reduzido a obrigações definidas com um juro razoável, a fim de poderem ser negociadas e o resultado aplicado a reduzir a pesadíssima dívida e, portanto, a carga intolerável de taxação que o povo americano carrega; também para eliminar a imensa dívida flutuante, aliviar dela o sistema bancário do país e liberar fundos para emprego mercantil com juros normais.
Não se pode estranhar que no conflito de interesses suscitado pela guerra, os Estados Unidos cuidem primeiro dos seus próprios interesses, por mais que se diga que a Europa irá à guerra e que os próprios Estados Unidos sofrerão um pânico se não acudir prontamente a tal condição financeira das nações que sustentaram anos de luta. Na Europa e também na América do Sul acusam-se_ geralmente os Estados Unidos de falta de generosidade, por causa da desvalorização de todas as moedas comparadas com o dólar; mas a verdade é que, independente da especulação que sempre acompanhou o jogo de câmbios, aquelas nações estão sofrendo a conseqüência natural das gastos gigantescos com que arcaram e das emissões de papel-moeda com que quiseram fazer-lhes face.
As nações neutras viram crescer suas obrigações, mas também aumentaram suas reservas de ouro. Assim, a Dinamarca, que devia 350 milhões de coroas antes da guerra, passou a dever 770 milhões e a sua circulação fiduciária subiu de 150 para 540 milhões; mas ao mesmo tempo a reserva de ouro cresceu de 79 milhões para 230 milhões. A Suécia, que devia 648 milhões de coroas, passou a dever 1.291 milhões e sua circulação subiu de 234 para 759 milhões; mas ao mesmo tempo a reserva de ouro subiu de 102 milhões para 261 milhões. A Suíça, que devia 1.750 milhões de francos, passou a dever 3.750 milhões e sua circulação subiu de 272 a 900 milhões; mas também a sua reserva de ouro cresceu de 100 para 360 milhões. A Holanda devia 1.162 milhões de florins e passou a dever 2.679 milhões, subindo sua circulação de 317 milhões para 1.000 milhões: entretanto a reserva de ouro cresceu de 172 para 637 milhões de florins. Outro tanto sucedeu com a Espanha e a República Argentina.
O conflito de interesses não é só restritamente financeiro: é também e sobretudo comercial. No tocante a fontes marítimas, a luta está mesmo aberta entre as companhias francesas, que não conseguem preencher suas perdas e elevaram suas tarifas de transporte, e as companhias americanas, que abrangem mesmo a linha Harriman sob bandeira americana em vez de alemã. Uma vez declarada a paz, as relações comerciais germano-americanas receberão um novo impulso, já mesmo se falando no estabelecimento de um cabo submarino direto. É mister não esquecer que, como recordou o candidato presidencial Cox num dos seus discursos da campanha, a miséria humana, que lavra tão intensa nos antigos Impérios Centrais, onde 11 milhões de crianças alemãs não recebem sustento suficiente, privando-as até o Tratado de paz das vacas leiteiras, e 8.000 crianças austríacas morrem de inanição cada semana, nos hospitais, não pode deixar de despertar a compaixão americana.
Por puras causas econômicas, por atribuírem seus comerciantes ao egoísmo dos Estados Unidos a desvalorização do franco e, portanto, a elevação dos preços de todos os gêneros, a França manifestou durante certo tempo uma frieza de que só se afastou quando compreendeu que nada tinha a lucrar com isso e que não lhe convinha fazer perigar a finalmente gorada aliança militar, aliás bem extraordinária porque resultava de uma liga precisamente para impedir as guerras. Agora, pelo contrário, o Embaixador Jusserand volta com instruções para aceitar quanto quiser no assunto o Presidente Harding, e de resto já em tempo a França e a Inglaterra teriam dc-clarado aceitar as reservas formuladas pelo Senador Lodge se a publicação da carta de Lord Grey não tivesse mais uma vez demonstrado que o espírito americano é avesso a influências estrangeiras sobre as suas decisões legislativas ou executivas.
Um dos argumentos do candidato Cox era que o dinheiro proveniente do desarmamento, resultado forçoso da liga de paz, seria aplicado na aquisição do excedente industrial dos EE. UU. Nós, porém, já vimos assaz que não há que contar com tal desarmamento.
Washington, novembro de 1920
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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