PELO TIROL
Oliveira Lima
III Os Castelos Reais da Baviera
Linderhof e Herrenchiemsee, com todas as maravilhas de arte decorativa que encerram, não passam de cópias anacrônicas de um modelo histórico desaparecido, às quais faltam a espontaneidade da florescência e a pátina do tempo para se tornarem verdadeiramente sugestivas. Admiramo-las como obras-primas de execução, mas não nos impressionam como a expressão de um momento e de um tom no evoluir de uma sociedade. Isto fica reservado para Versalhes, criação natural do meio e da época em que brotou.
O castelo de Neuschwanstein é, sob tal ponto-de-vista, infinitamente superior aos dois outros. Colocado sobre um pico de rocha, surgindo dentre uma floresta ao som de uma queda de água, em vez de se ocultar, como Linderhof e Herrenchiemsee, por trás dos maciços de árvores, domina toda a paisagem circunvizinha com sua elevada construção e destaca-se nitidamente, pela alvura da sua cantaria, sobre o fundo verde das matas.
O interior é um deslumbramento que toca entretanto o espírito de preferência a ferir os sentidos. A sala do trono, no estilo bizantino, brilha como um mostrador de joalheiro com seus muros recamados de ouro e suas amplas composições de mosaico:em quase todo o palácio, porém, abunda de preferência a obra de talha escura, na côr da madeira, segundo o gosto alemão, assim se sua-vizando a crueza dos ornatos e as tintas dos frescos.
Depois, como que permeia o grandioso castelo pré-gótico a alma germânica da Meia Idade. São as suas legendas, os seus mitos, as suas alegorias, as suas fábulas, as suas tradições que oferecem temas de um interesse nacional sempre palpitante à profusa e sedutora evocação pictórica que se estende da soberba sala das festas, no
pavimento superior, aos aposentos particulares do rei. E a lenda de Siegfried, o romance de Lohengrin, as aventuras de Tannháuser, a historia de Tristão e Isolda, a vida de Hans Sachs e dos Mestres cantores revivem em quadros murais de grande poder de evocação, os quais se harmonizam incomparavelmente melhor com o ambiente desta região tirolesa, do que as galanterias de Watteau ou as paisagens arcádicas de Poussin.
Os castelos reais da Baviera, levantados com tanto entusiasmo quanta imprevidência financeira, não foram todavia um esbanjamento inútil, pois que exerceram sobre a economia bávara uma influência notável, cujo efeito ainda perdura e tem até sido amplamente remunerador. Sob os auspícios do Rei Luís II, indústria e arte, que tanto tendiam já a aproxímar-se, fundiram-se num consÀcio destinado a produzir ótimos frutos. Nem se compreende que pudesse ter sido diversamente.
Os bordados a ouro e prata de Herrenchiemsee deram ocupação a 300 mulheres artífices durante sete anos, e os serviços e talentos chamados a contribuição eram não só desse como de todos os misteres. É fácil imaginar a soma de habilidade profissional e bem assim de capacidade criadora que daí adviria. Proveio disso o desenvolvimento extraordinário que no campo da arte decorativa adquiriu o trabalho nacional, agindo aquela experiência, única pela cópia e pela inspiração, sobre tradições locais que a permitiam, e seguindo uma orientação já assinalada e favoneada pelos predecessores do monarca-artista.
É claro que a orientação atual não pode ser precisamente a mesma pelo que toca à preferência dos estilos ou dos gostos. A arte alemã moderna distingue-se pela procura de novas inspirações, de motivos originais de efeitos ainda não achados. Acontece isto na arquitetura como na pintura, nos móveis como nas decorações. É aliás a sensação que se tem, entre outras, na seção alemã da Exposição de Bruxelas e na exibição bávara de arte decorativa que acaba de obter em Paris, na exposição anual que ali se realiza, um franco e legítimo sucesso, o qual se deve atribuir ao resultado daquela educação intensiva.
O caráter dessa arte industrial tornou-se, por uma natural evolução, a que não faltava a pressão da luta pela existência, essencialmente extensivo. Pelo contrário, o impulso recebido em tempo do Rei Luís II fora inteiramente dirigido em dois sentidos, afora alguma infidelidade exótica, como por exemplo o galanteio à arquitetura mourisca e às decorações árabes. As vistas artísticas do soberano concentravam-se na aclimação do estilo sóbrio de linhas, pomposo de ornatos, que foi o Luís XIV, e na resurreição do estilo de desenhos afoitos e de efeitos imprevistos, que foi o gótico.
Tão lógico era seu espírito, que nessa dupla orientação se refletiam a um tempo o influxo exercido sobre a sua meninice e adolescência, passada nesse romântico cenário de Schwangau, e a tendência da sua juventude e maturidade para uma magnífica ostentação do prestígio real, que êle acabou por tornar espetaculosa e simultaneamente retraída, ao medir toda a disparidade que existia entre a sua concepção e o meio social que o rodeava.
Refugiando-se no seio de toda essa pompa que êle fizera surgir à sua ordem e ao calor da sua imaginação, Luís II escolheu no entanto para envolvê-la a região encantadora que desde os tenros anos lhe era familiar e querida, região onde há lagos que parecem safiras diluídas, azuis como os olhos das princesas das lendas, e picos que parecem recobertos de arminho, como os ombros dos reis dos mitos.
Tudo aí lhe falava do passado misterioso do seu país, antes que o iluminasse a claridade das épocas de cultura histórica — tanto uma natureza de soberbos efeitos, parecendo feita para servir os encantamentos, e onde Àe devem ter albergado os deuses da mitologia germânica quando%xpulsos do Reino pelas novas crenças, quanto a arte, tal como primeiro se lhe manifestou nos motivos e temas que cercaram sua meninice. O castelo de Hohenschwangau que o Rei Maximiliano II, pai de Luís II, reedificou por completo, é inteiramente decorado de frescos que evocam a velha história alemã, dos primeiros séculos imperiais, a vida de cavalaria de antes da Renascença, e as lendas que acalentaram a alma nacional na sua fase heróica, as de puro fundo moral e bem assim de caráter maravilhoso.
Naquele castelo sumido na verdura, de um espírito decididamente medieval — e outra coisa não fêz o romantismo senão ir beber suas inspirações nas fontes medievais —- se deve ir procurar a filiação do carinho testemunhado às tradições românticas de outrora por quem delineou e levantou a alterosa construção de Neus-chwanstein. Nem lhe faltavam aptidões já educadas, arquitetos, pintores e decoradores, que já vinham de gerações, preparados pelos trabalhos dos reinados anteriores para abalançar-se às novas fainas e criar um mundo de profissionais da arte industrial.
E para desculpar em Luís II — se preciso fosse desculpa para coisa que tão salutar efeito exerceu sobre o desenvolvimento das indústrias de luxo na Baviera, que a tornaram sob este ponto-de-vista uma nação onde as outras vão procurar estímulo e ensinamento, e sagraram Munique a capital artística da Alemanha — a grandiosidade das concepções arquiteturais, as quais foram afinal a manifestação tangível da sua excentricidade, bastará relembrar sua tendência imediata.
Não era êle filho do soberno que levantou o Maximilianeum, descrito por um viajante como o mais imponente e incompreensível dos monumentos públicos de Munique, o qual termina de modo tão ctaculosamente decorativo a nobre Maximiliantrasse, com que se féz a parelha da Dudwigtrasse?
Não era êle neto do outro soberano que numa colina não destante da romana Ratisbona, sede da antiga Dieta imperial, ergueu esse templo da honra germânica, o famoso Walhalla, no qual concretizou seu ardente anelo de uma Alemanha independente, posto que não ainda unificada? Ao neto caberiam as glórias e as suscetibilidades — segundo as discriminava seu espírito altivo e singular — de um quinhão na realização dessa gigantesca obra política executada por entre batalhas nas quais sorriam aos guerreiros as Val-quírias, que embalaram os primeiros devaneios de Luís II da Baviera.
Munique, 1919.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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