Oliveira Lima
NOS ESTADOS UNIDOS *
XI – POLÍTICA COLONIAL
O mundo inteiro já está convencido de que os Estados Unidos vão tornar-se uma grande potencia colonial, e os recentes acontecimentos apenas confirmaram a observação histórica longamente explanada pelo Professor Seeley na sua clássica obra — Desenvolvimento da Política Britânica — a saber, que desde o reinado de Isabel e passando pelo protetorado de Cromwell, o poderio naval e colonial da gente anglo-saxônica tem sido principalmente levantado às custas e depois de guerras com a Espanha. A civilização inglesa é assim a herdeira da civilização ibérica, retendo muitas das qualidades que a distinguiam e acrescentando outras que lhe faltavam. Porto Rico e o arquipélago das Filipinas foram anexados como o foram as ilhas Havaí, pacificamente esta nação soberana, como despojos de guerra àquelas possessões. Cuba acabará igualmente por ser anexada, quando a maioria dos cubanos tiver amplamente revelado sua incapacidade para manutenção de um governo autónomo e digno, ou antes quando a administração de Washington julgar chegado o momento oportuno de colher o melhor fruto da curta campanha, em que os descendentes de Sir Francis Drake deram um novo lustre às glórias de Gravelines, destroçando em dois continentes, com perda de um só marinheiro americano, as armadas que já não arvoravam o epíteto de invencíveis, mas encerravam o orgulho e as esperanças da Espanha.
O futuro das Filipinas passou da discussão entre os plenipotenciários dos governos dos dois países, o vencedor e o vencido, para a exclusiva consideração do Executivo e Legislativo americanos. Não se sabe exatamente qual vai ser o porvir político desse arquipélago, mas o sangue que ali está sendo derramado é a mais segura garantia de que o pavilhão norte-americano nunca mais será arriado dos bastiões, onde há poucos meses tremulava a velha bandeira que, com Fernão de Magalhães, foi a primeira a dar a volta ao mundo. Não é com certeza uma terra ensopada pelo sangue de seus filhos que os Estados Unidos desertarão, mesmo quando não tivesse existido antes uma forte corrente popular em favor da sua ocupação permanente, movidos uns pelo interesse comercial, outros pelo orgulho patriótico; julgando a posse uma afirmação necessária da esplêndida vitória do Almirante Dewey; levados ainda outros pelo sentimento superior da obrigação moral de civilizar os naturais deixados pela Espanha na ignorância e no atraso da dominação fra-desca, ou mesmo pela hipocrisia, de que tanto culpam a raça saxónica, da responsabilidade assumida perante o mundo com tal promessa feita antes da guerra em referência aos súditos transoceânicos da monarquia européia.
* Capítulo XI tirado do livro Nos Estados Unidos (Impressões Politicas e Sociais) publicado por F.A. Brockhaus, Leipzig, 1899.
O Presidente MacKinley parece não haver-se decidido de chofre nesta questão e ter-se gradualmente deixado persuadir da conveniência da anexação. Falara-se de começo em uma estação naval e depósito de carvão com uma faixa de território adjacente, numa espécie de feitoria como as que os portugueses primeiro fundaram na índia. Depois na retenção de toda a Ilha de Luzon, a mais importante do grupo e onde fica situada Manilha, em cujas águas fundearam numa nuvem de fumo os navios do Almirante Dewey, e em cujas praias acamparam animosos e açodados os soldados do General Merritt. Com o arquipélago de Havaí a Ilha de Guam, uma do arquipélago dos Ladrões também cedida pela Espanha, e a de Luzon, teriam os Estados Unidos formado através o Oceano Pacífico até o Extremo Oriente, objeto das mais ardentes cobiças européias na atualidade, uma cadeia parecida com a que a Inglaterra possui no Mediterrâneo e Mar Vermelho, caminho da índia, com Gibraltar, Malta e Aden.
Haveria este sido o mais modesto resultado da conferência de Paris no caso de terem prevalecido na Casa Branca e sobretudo no Senado (que mais do que aquela imprime o cunho à política externa dos Estados Unidos) depois de atentamente auscultado o sentimento público, os apelos à tradição nacional, à honra e ao bom senso do povo americano, que foram formulados, particularmente na imprensa de Boston, a cidade literária, e em parte dos arraiaes do Partido Democrata, para manter o país fora da esfera da exagerada expansão territorial. Os partidários desta expansão queriam porém acabar de vez com o domínio colonial espanhol, absorvendo todas as Filipinas, todas as Marianas (ou ilhas dos Ladrões) e até as Carolinas, que com tão soberbo ^arreganho o espanhol disputou, não há muitos anos, ao germano e agora lhe cedeu.
Se os Estados Unidos [escrevia uma folha democrática de Kansas City, o Times] são o guia do mundo na obra do levantamento do nivel da civilização, não deveriam ensinar que a constante centralização de poder político no paiz e a acquisição de território estrangeiro pela força das armas conduzem a disseminação e acerescimo da liberdade humana.
O espírito imperialista caminhara no entanto com uma velocidade de vendaval e com êle sempre esteve de preferencia em todos os tempos o favor popular. Por haver-se oposto à anexação do Texas, Henry Clay, o mais ilustre estadista americano do seu tempo, foi arredado da Presidência pelo voto dos seus concidadãos. Por contra, mesmo nos Estados Unidos, os generais vitoriosos galgaram sem estorvos a suprema magistratura: assim Taylor depois da campanha do México, Grant após a guerra civil, porventura Dewey depois de
MacKinley, se o ilustre marinheiro não se esquivasse tão decididamente à honra, que o General Miles tanto mostra ambicionar.
Se a Havaí, Porto Rico e Cuba, protegida ou anexada, houvesse juntado somente Luzon, teria sido mais que tudo porque a ocupação permanente de todo o arquipélago das Filipinas oferece desvantagens de um caráter mais positivo que aquelas considerações sociológicas. Tal ocupação agrava as circunstâncias que exigem nas Antilhas o estacionamento de um exército superior a todo o pé de paz nos Estados Unidos; acarreta lutas cruentas com os numerosos mestiços e indígenas, e provocará possivelmente complicações com potências da Europa, interessadas na partilha da Ásia e ciosas de uma tão rápida e completa conquista como a efetuada pela República anglo-saxônica, além de envolver um gasto enorme, de uns 100 milhões de dólares, pelo menos, enquanto durarem as hostilidades, e de uns 20 milhões em plena paz, despesa em absoluta desproporção, segundo dizem os adversários da anexação, com os proventos, quer diretos, por taxação, quer indiretos, por tráfico, a retirar da posse de mais essa colônia.
Nem sequer se justifica a ocupação das Filipinas por poderosas razões militares, como acontece com a de Havaí, ilhas como já disse essenciais à defesa da costa americana do Pacífico, e também à livre comunicação dos Estados com o enorme Território de Alasca, separado pelas grandes extensões do Canadá. Sem o Havaí, escreve o comodoro Mclville, um forte inimigo não logrará atravessar o Pacífico e chegar ao litoral americano, por falta de um ponto onde abastecer-se de carvão e provisões, tendo demais que contar com a perspectiva de um regresso forçado. O Pacífico que o hábil Secretário de Estado Seward, quando negociou a compra de Alasca, dizia dever ser o teatro dos grandes acontecimentos e do grande inter-curso comercial do futuro, é um mar tão amplo como relativamente desguarnecido de regiões, não flutuando outra terra nessa extensão de 2.100 milhas que separam o continente americano do arquipélago de Havaí, primeira linha portanto da defesa nacional naquele oceano.
Era contudo difícil fazer escutar conselhos de moderação, mais do que isto, de abnegação, após o período de excitamento que uma guerra sempre produz nos povos de natureza mesmo a mais fleu-mática. O Juiz Day, chefe da comissão americana que foi a Paris negociar com os comissários espanhóis as condições definitivas da paz, é conhecido por ser um homem de muito poucas palavras, mas as que por acaso pronuncia não são de esquecer-se facilmente. Conta-se que a algumas observações mais patéticas do Sr. Montero Rios sobre a impropriedade de inserir-se no tratado não sei mais que artigo, o ex-Secretário de Estado respondera fria, seca e terminantemente, como Bismarck responderia a Júlio Favre:
Um tratado de paz pode encerrar tudo quanto apraz ao vencedor.
E assim aconteceu. Os Estados Unidos não só despojaram a Espanha de quase todas suas colônias como repudiaram qualquer assunção das dívidas cubana e filipina, e apenas, com ares de suma generosidade, concederam 20 milhões de dólares de indenização pelas obras públicas realizadas pelos espanhóis nas Filipinas, terras que não haviam ainda conquistado e cuja posse só entrou a custar vidas americanas depois que ali cessou a soberania espanhola.
O tratado de paz foi recebido nos Estados Unidos com geral satisfação pelo fato de pôr decidido cobro ao conflito, mas sem vivo entusiasmo, que já tivera tempo de esfriar. O custo da vitória não fora proporcionado aos despojos opimos que oferecia, e entre o povo americano, sensível como todos à glória militar, existe uma clara percepção deste fato e, apesar de seu feitio prático, um como que acanhamento de haver obtido tanto tão barato. O Presidente MacKinley, que regressara da sua excursão ao Oeste no outono de 1898 mais imperialista ainda do que partira e que, como é natural, em todas as suas deliberações de estadista, deixa-se influenciar pela preocupação da reeleição, tomou o pulso à opinião e bem verificou o decrescimento do ardor nacional. Demais uma fração, se bem que numericamente a menos importante do seu partido, associara-se com o grosso do Partido Democrata nos clamores anticxpansionis-tas, mas alea jacta eratl a decisão estava tomada, era demasiado tarde para recuar.
De encontro à administração imperialista, firme como uma rocha, veio esfrangalhar-se a onda dos defensores da abstenção colonial, que não tinha a avolumá-la a massa dos cidadãos, os quais teoricamente hesitam ainda na maior parte entre o desejo bem humano de conservar tudo quanto a guerra trouxe ao país, não importa se com muito ou pouco esforço, e a docilidade aos conselhos dos que se pavoneiaim de sensatos e previdentes patriotas. Fora e dentro do Congresso a discussão do tratado, se bem que calma, foi animada, renhida, exaustiva: os argumentos esgotaram-se em ambos os campos e a sorte do documento esteve indecisa no Senado até o momento mesmo da votação, quando foi adotado pelo voto de dois membros duvidosos, sob promessa feita a um deles, o Sr. MacEnery, senador democrata da Louisiana, de que o tratado teria como complemento — o que veio a acontecer — a resolução por êle apresentada. Tal resolução, que foi todavia julgada geralmente mais do que anódina, uma burla, estatuía a relutância dos Estados Unidos a fazerem das Filipinas parte integrante do seu domínio político, e a intenção de assegurar-lhes no momento oportuno um governo próprio e autônomo.
O debate no Senado prolongou-se por algumas semanas e assumiu por vezes grande elevação, conservando sempre particular importância. A defesa da política da administração denunciou fraqueza porque resumiu-se sobretudo na impossibilidade de ser outra. Os azares da guerra dotaram o país com a possessão de Porto Rico, desejável e até indispensável, no caso provável de construir-se afinal o canal de Nicarágua, para o imediato interesse senão predomínio dos Estados Unidos no Mar das Antilhas, e também como a possessão muito menos desejável e muito mais dispensável das Filipinas. Como porém renunciar à sua posse?
Retroceder as ilhas à Espanha, seria faltar aos princípios de humanidade em nome dos quais foi intentada a guerra, permitindo a continuação de um estado social desonroso para a civilização e de há longo tempo denunciado por viajantes e publicistas imparciais. Entregar por completo o Governo aos naturais seria erro consumado: no todo não passam por enquanto de hordas semibárbaras, que o Catolicismo espanhol mal continha pela superstição e pelo terror e que, entregues a si, recairiam na mais completa barbárie. Nem mesmo poderiam sustentar sua independência contra as cobiças das potências coloniais que rondam pelo mundo à espreita das presas menos difíceis. A Alemanha especialmente não faz mistério da sua formidável ambição, que por ser a última despertada encontra menos pasto para satisfazê-la. Ceder o arquipélago a qualquer uma das nações européias seria levantar protestos, suscitar hostilidades, quase certamente provocar a luta medonha que todos temem de atear.
O único recurso, recurso a um tempo prático e filantrópico, é pois guardar o "elefante branco" com que a audácia de Dewey presenteou a União, arquipélago que soma 114.000 milhas quadradas e que no dizer de um viajante ofusca qualquer outro em riqueza de minerais, solo, florestas e pescarias, ficando junto dele a perder de vista em formosura de vegetação e encanto de paisagem as Ciciadas gregas ou o Mediterrâneo japonês. Lenhos preciosos, fibras, gomas, óleos, frutos deliciosos, gutapercha, açúcar, café, algodão, cânhamo, arroz, fumo, milho, feijão, batatas, mandioca, sagu, cacau, anil, canela, noz-moscada, de tudo produz em abundância e relativamente com pouco trabalho essa terra feracíssLma, de formação vulcânica, fertilizada pelos detritos vegetais e umedecida pelas chuvas; sem falar no carvão, petróleo, chumbo, cobre, ferro, mármore, prata, platina, ouro: naquelas paragens até o mar fornece as mais lindas pérolas.
Para dominar região tão portentosa é mister todavia avassalar os naturais, e muitos opinam com o Professor John Fiske que nada há de mais perigoso para um povo livre do que tentar governar despoticamente um povo vassalo, porque o mau governo infalivelmente asfixia o bom Governo. Poderiam os outros responder-lhes que é questionável se o domínio de povos longínquos logrará jamais desnaturar uma Democracia que se baseia como a americana na raça e nas tradições, que é por assim dizer fundamental. O exemplo da Inglaterra seria fortíssimo em abono desta asserção, e o de Roma contraproducente, visto nunca ter passado esta República de uma aristocracia cujos excessos eram corrigidos pelos desmandos de uma plebe corrupta, que ameaçava galgar o poder sem elevar a própria moral e que somente o Cristianismo veio depurar.
A tarefa da discussão era na verdade cem vezes mais fácil para os adversários do tratado. Em primeiro lugar a expansão colonial acha-se virtualmente vedada pela Constituição desde o momento em que esta só reconhece cidadãos e não vassalos, e errôneo seria admitir ao pleno gozo dos direitos políticos americanos populações semi-selvagens ou de civilização inferior — negros e mestiços de Porto Rico, Canacas, chins e japoneses de Havaí, especialmente os oito milhões de filipinos, abrangendo debaixo desta denominação a extraordinária mistura de povos e raças, malaios, chins japoneses, aborígines, de línguas e religiões diferentes, que se encontra nas muitas subdivisões do arquipélago asiático. Basta recordar que os dialetos ali usados são em número de oitenta e que as religiões percorrem toda a escala, desde o maometanismo até o paganismo rudimentar.
Uma vez reconhecidos como cidadãos todos aqueles indivíduos de origens ínfimas e cruzamentos bastardos, força seria abolir as leis de trabalho e imigração atualmente existentes, e a sórdida atividade dos mongóis, malaios e guinés destruiria implacavelmente a organização do trabalho americano. E como não reconhecê-los sem mentir à Declaração da Independência, que proclama iguais todos os homens, e à Constituição, que os declara todos livres e com direitos políticos, mas que foi elaborada para os Estados Unidos da América e não da América e da Ásia, segundo aponta o protesto firmado entre outros pelo ex-Presidente Grover Cleveland?
Assim falavam os antagonistas do tratado. Não há contudo publicista nacional ou estrangeiro que não admita quanto é elástica a Constituição americana, a quanto, bem diverso do primitivamente ideado, ela se há adaptado; já vimos neste livro mesmo como ao projeto inicial de "freios e contrapesos" se substituíram a tendência presidencial para a ditadura plebiscitária e a ambição congressional para a onipotência política. A ação do Congresso interferindo por vezes em, detalhes mínimos da adminstração não raro embaraça a ação do Executivo, e o resultado destas inclinações opostas se não é, como me assegurava um advogado que muito honra o foro americano, o possuírem os Estados Unidos a par do melhor povo o pior governo da terra, torna-se na verdade freqüentemente incongruente.
Na organização administrativa americana dão-se verdadeiras anomalias. Por ocasião da recente campanha foram públicas e tiveram até grande repercussão as desinteligências entre o Secretário da Guerra e o general comandante-em-chefe do Exército. Os titulares dos cargos não se gostavam, mas também o último cargo, delegação de uma atribuição presidencial, não se acha definido na lei com precisão: basta dizer que o seu titular quase sempre dá ordens, porém praticamente as recebe noutros casos de um seu inferior, o ajudante general do Exército, que é o braço direito e funcionário adjunto ao Secretário da Guerra. No Departamento de Estado passa-se coisa mais singular. De princípio fora determinado que o chicf clerk ou oficial maior substituiria o Secretário nos seus impedimentos e exerceria certas funções que foram todavia tacitamente usurpadas pelos sub-secretários, posteriormente criados, sem que lei alguma prescrevesse essa mudança de atribuições. Estes fatos provam que as leis e regulamentos americanos são em certo sentido muito maleáveis, e sabemos não o ser menos a Constituição Federal.
Os mesmos argumentos constitucionais agora apresentados já foram usados contra as anexações da Lousiana, Flórida, Texas, etc, que a lei orgânica não previa nem sancionava expressamente; contudo, ninguém mais as discute. É verdade que atualmente não se trata mais de territórios contíguos, cuja absorção era recomendada por considerações de defesa nacional. O caso muda assim de figura. Além disso aquelas regiões, ninguém as disputava pelas armas a não ser uma população indígena dispersa, em completa desproporção com a grandeza do território, e já muito enfraquecida pelo contacto e encontros seculares com os ocupadores de proveniência européia.
Nas Filipinas pelo contrário formigam as tribos selvagens conduzidas por cabecilhas educados, cuja compostura na assembléia parlamentar de Malolos impressionou alguns espectadores americanos, e que, apesar da valente ofensiva tomada pelo General Otis, saberão bem dirigir uma mortífera campanha defensiva de guerrilhas, na qual os ajudarão as doenças peculiares à zona tropical e ao continente asiático, achando para desenvolverem-se o terreno mais favorável entre os soldados enervados pelo clima e abatidos pela fadiga dos constantes alertas e escaramuças. Tantos e tão dolorosos sacrifícios pela posse de um arquipélago cujo valor econômico será nulo enquanto na terra não existirem estradas, vias férreas e a segurança indispensável aos que se propõem desbravá-la, acrescendo que os cálculos de riquezas inestimáveis não passam de suposições que se não baseiam cm explorações!
Campo para colonização não existe: abundam os braços para o trabalho, e os empregos civis não serão muitos onde a administração tem de por longo tempo, senão para sempre, ficar militar. As facilidades para profissões liberais e empresas industriais são incomparavelmente menores do que as oferecidas nos Estados Unidos. As colônias são porém outros tantos mercados para os produtos da indústria nacional, dizem os amigos da anexação; ao que replicam os inimigos que de duas uma: ou se adotará a política da open doar, da franca concorrência, e neste caso as vantagens serão muito mais para a Inglaterra, melhor aparelhada, e para Alemanha, mais buliçosa, ou se prolongará além-mar o protecionismo doméstico, sem as razões que aquém o determinaram e explicam. Estas razões são a grande diversidade dos artigos manufaturados, afastando as opiniões do livre câmbio pelo fato de encontrarem os compradores no país tudo quanto necessitam; o pasmoso desenvolvimento do comércio interno pela abolição dos direitos interestaduais e expansão colonizadora para o Oeste; a criação de novos mercados nos Territórios ocupados e Estados constituídos, arredando os espíritos do estrangeiro e concentrando em casa as energias; finalmente a onda da imigração trazendo milhões de consumidores para uma produção, que, sempre crescente, ia entretanto excedendo o consumo.*
* Godkin, op. cit.
O abandono do protecionismo no continente, que seria a justa conseqüência do tráfico protegido com as possessões, determinaria uma invasão tão formidável de produtos tropicais, que faria a mais grave concorrência de preços a indústrias nacionais como a da cana-de-açúcar no Sul e a do fabrico de charutos e cigarros. O efeito tanto mais seria esse quanto, como é sabido, não existem neste país os impostos de exportação que no Brasil tanto oneram os produtos naturais e agrícolas, e aos quais acabam de juntar-se, depois que à .sombra de uma pauta ultraprotecionista, justificada pelas necessidades financeiras da União, desenvolveram-se certas indústrias como as da cerveja, tecidos de algodão, calçado, fósforos, etc, pesados impostos de consumo.
O protecionismo nos Estados Unidos já entrou demasiado na estrutura nacional para poder ser de todo eliminado sem a maior dificuldade, pelo menos nos tempos mais próximos. Os exageros atuais hão de porventura ser breve sanados, especialmente se os aumentos de despesa causados pela política colonial obrigarem os poderes públicos a recorrer a uma tarifa mais baixa e portanto mais produtiva; os próprios democratas porém já abandonaram o ideal do livre câmbio. Por ocasião de discutir-se e votar-se a última tarifa Dingley, pela primeira vez na história econômica dos Estados Unidos foi tributado em 20% ad valorem o algodão bruto, e isto por iniciativa do Senador democrata-argentista Bacon e com apoio das delegações da Geórgia, Carolina do Sul e outros Estados não menos democratas. O Senador Tillman reclamou mais, o que foi rejeitado, o restabelecimento dos prêmios de exportação, que é uma forma igualmente de protecionismo, quando a velha doutrina do partido era a da tarifa somente de receita.
Explica-se muito esta mudança e comum orientação pela já mencionada^ ação exercida pelos sindicatos sobre a representação nacional, tão poderosa que as duas últimas tarifas foram praticamente ditadas na sua feição mais importante pelo sugar trust. No dia da votação da tarifa Dingley no Senado as ações deste trust subiram imediatamente, porque os seus ganhos, que já eram de 12 milhões anuais, foram logo calculadas em mais milhão e meio pelo aumento de lucro de IV2 centavos em cada 100 libras; e a intenção dos relatores do projeto nas duas casas, Srs. Dingley e Aldrich, ainda ia bastante além de tal resultado. Avaliando-se cm 4 milhares de milhões de libras o consumo anual de açúcar nos Estados Unidos, a proteção dispensada ao trust, pela Casa dos Representantes, foi orçada em perto de 21 milhões de dólares, a dispensada pelo Senado em perto de 24 milhões, e a definitiva em pouco mais de 22 milhões. A própria vantagem da nova pauta em fazer depender a classificação dos açúcares do grau testemunhado no polariscópio, mantendo assim as naturais diferenças de qualidade e permitindo ao açúcar mais ordinário, de coloração leve, entrar na circulação muito mais barato do que as qualidades superiores, redunda afinal em benefício do trust, que tira seus proventos da refinação e portanto importa essencialmente os açúcares baixos.
Se não fossem os esforços do sugar trust, a anexação de Havaí ter-se-ia feito independentemente da guerra cubana. O empenho do Presidente em favor do tratado Sherman-Hatch quase angariou os dois terços necessários à sua aprovação, porem a oposição do sindicato pôde mais do que as exigências do patronato e as instigações do patriotismo. O tratado entrou a ser discutido com êxito duvidoso sobre a base das razões comerciais. O Presidente Dole que viera a Washington trabalhar em pessoa pela anexação, sob o pretexto de que, repudiado o tratado, a pequena República não teria força para defender sozinha sua independência contra agressões estranhas, ajuntava, para amaciar aquela oposição, que as Ilhas de Havaí oferecem terrenos admiráveis para a cultura do café, ao passo que já atingiram quase o limite da produção do açúcar, o que queria dizer que tanto o sugar trust como os cultivadores da beterraba não deviam mostrar-se receosos da anunciada concorrência.
Depois, ajuntam os protecionistas, os Estados Unidos não ficam obrigados a sacrificar seus interesses continentais aos das colônias que anexaram para melhor remuneração desses interesses. Foi mesmo a perspectiva de que a cana-de-açúcar da Louisiana seria oportunamente defendida contra a produção colonial que sobretudo serviu para arrancar o voto favorável do Senador Me Enery, e a mesma perspectiva decidiu a aprovação do tratado o Senador Jones, de Nevada, interessado na produção do açúcar de beterraba na Califórnia do Sul.
A estes ajustes de interesses locais e particulares devemos reunir, no estudo das causas a que se deve atribuir a adoção do tratado de Paris, o efeito produzido pelo rompimento das hostilidades nos arredores de Manilha, cuja notícia chegou na véspera mesmo da votação. Os insurgentes estão-se afoitando com a nossa indecisão, gritaram logo os partidários do tratado, sustentando os adversários que o combate do dia 4 de fevereiro era apenas de molde a reforçar sua argumentação de que o Estados Unidos, renegando a própria erigem política, dispunham-se a dominar pelas armas um povo disposto a não deixar-se governar por estranhos, preferindo lutar denodadamente pela sua liberdade. A política da anexação estava pois representando em última instância a imolação dos princípios de self government. A administração McKinley com quase unânime aplauso do país intentara uma guerra para dar a independência ao povo cubano e, por uma suprema ironia, iniciava na mesma ocasião outra guerra para escravizar o povo filipino, igualmente apto ou inapto para a autonomia e igualmente rebelado contra o jugo espanhol, sem disposição alguma de trocá-lo por outro.
Para sustentar essa guerra de conquista, essa guerra de extermínio, avessa à índole e à história nacional, os cidadãos da República livre por excelência terão além disso de sofrer os inconvenientes de uma pesada taxação, pois que, afirmou-o na Casa dos Representantes o Sr. Cannon, presidente da comissão de orçamento, o deficit deste ano, malgrado os exageros da tarifa Dingley e a manutenção do war revenue bill, será fabuloso, alcançando o algarismo imprevisto de 159 milhões de dólares! Isto além dos 20 milhões pagos à Espanha e de qualquer quantia destinada ao canal interoceánico e à satisfação de reclamações americanas por prejuízos sofridos em Cuba, cuja responsabilidade os Estados Unidos assumiram.
O canal interoceánico tem de ser feito e se-lo-á, muito provavelmente, não por uma companhia particular embora protegida pelo Governo, mas pelo próprio Governo americano, que destarte imporá sua orientação atual de exclusivismo comercial e político. Em Nicarágua, ao que parece, existe um forte partido em favor da anexação aos Estados Unidos, e as expedições de flibusteiros, para a América Central, recomeçaram ultimamente. Numa, com destino a Honduras, que foi impedida de partir pelas autoridades americanas a pedido da Legação de Guatemala em Washington, iam — fato que bem mostra o caráter aventuroso do povo americano — médicos, advogados e empregados públicos do Estado de Kansas, que haviam interrompido suas carreiras e sacrificado seus lugares para responderem ao apelo do organizador do bando, um desses generais de ópera bufa que tem sido a ruína de muitos países hispano-americanos. De qualquer forma que se realize, o canal ligando o Atlântico ao Pacífico será dominado pelos Estados Unidos, posto que dando a República penhor, senão de sua neutralização, pelo menos da proteção devida aos interesses dos neutros.
Abstraindo porém desta despesa, que não é imediata, ficam o indispensável aumento da marinha de guerra e a ocupação militar das colônias, a qual dizem requerer um exército de 75.000 homens pelo menos enquanto não estiver assegurada a paz, e arrasta um cortejo de despesas dificílimo de suputar. É evidente que quando mesmo exato, o deficit anunciado pelo Sr. Cannon não é de natureza a inspij¡ar receios de insolvencia por parte da grande nação americana, cujos recursos são enormes; já seria, contudo suficiente para despertar desconfiança de uma progressiva ou contínua prosperidade financeira, mormente sendo inevitável que, perante as absorventes questões coloniais, continuarão de lado as questões domésticas das quais depende em boa parte o futuro econômico dos Estados Unidos, como a organização de uma circulação estável, baseada no valor comercial dos metais, e de uma tarifa razoável. Devemos aliás ponderar que os cálculos do Departamento do Tesouro tanto oferecem de otimistas quanto aqueles outros de pessimistas. Para o Secretário Gage dentro em pouco não haverá deficit graças ao aumento das importações e crescimento das receitas, produzidos pela maré de prosperidade comercial. Na proporção atual, as receitas de 1898 — 99 serão de 547 milhões e as despesas civis do Governo não passarão de 375 milhões, podendo calcular-se as militares ocasionadas pelo estado de guerra em 12 milhões mensais, o que dá um total de 519 milhões.
Os partidários do imperialismo exultam com semelhante otimismo oficial e proclamam que as colônias retribuirão perfeitamente a metrópole pelos gastos realizados, e que terão mesmo rendimento
bastante para suas despesas e os benefícios a empreender em cada uma, os quais é força levar a cabo para bem extremar-se o domínio americano do espanhol. A Inglaterra governa a India com um punhado de soldados: em idêntica proporção o exército americano de ocupação das Filipinas seria de 2.100 homens.
As civilizações são contudo diferentes na península e no arquipélago: o grosso dos hindus representava uma cultura talvez estacionária mas integrada, ao passo que do grosso dos filipinos o mais verdadeiro é dizer-se que estão aquém de toda civilização. Demais a Inglaterra já implantou ali seu poder, enquanto que os Estados Unidos ainda têm de fazê-lo, lutando contra a rancorosa disposição de ex-aliados que dizem-se atraiçoados, pois é fora de dúvida que não só os americanos ajudaram materialmente a revolução local como dela receberam precioso auxílio. Aguinaldo foi levado de Hongkong a bordo de um transporte de guerra americano, os seus sequazes armados com fuzis americanos, e sem o concurso dos insurgentes a tomada de Manilha teria custado muito mais sangue que a de Santiago, na fé dos documentos oficiais e opinião das autoridades militares do corpo expedicionário.
Um artigo do vice-cônsul americano em Manilha presta o mais insuspeito tributo à retidão, espírito de disciplina e moralidade do General Aguinaldo, usando das seguintes expressões:
No século XIX não tem havido entre as raças não cultas da terra uma figura mais singular que a deste patriota tagalo, astuto, bravo, imperturbável, honesto e justo, que impõe-se à consideração e respeito de todos.
O correspondente do Harper’s Weekly, John Bass, que assistiu à rendição de lio lio pelos espanhóis aos insurgentes, escreveu que tropas algumas se teriam comportado melhor do que as indígenas: não houve nem um distúrbio nem um excesso. Para uma parte dos americanos o reconhecimento prévio da independência filipina teria portanto sido um ato de eqüidade além de uma dívida de gratidão, e em face das publicações do Governo americano e dos testemunhos dos cônsules americanos no Extremo Oriente não resta dúvida que certas promessas foram feitas a Aguinaldo e alguns acordos esti-tipulados com êle cujo espírito não foi cumprido.
Como perante tal violação de compromissos dará o povo cubano crédito aos generais Brooke e Lee ao exclamarem, à sobremesa de um banquete no Teatro Tacon, que os Estados Unidos respeitarão a independência da ilha e dela se retirarão após haver-lhe assegurado um governo estável? Por seu lado, o Congresso Federal, que o Presidente McKinley há poucos dias chamava a voz, a consciência, o discernimento do Povo Americano, encerrou sua 55a legislatura sem dar absolutamente mostras de querer apressar o cumprimento da cláusula contida na resolução de guerra, e sem mesmo ocupar-se no mínimo da forma de governo que competirá às possessões, que continuam debaixo de um governo militar, representante da autocracia presidencial, o qual tem-se de resto revelado perfeitamente à altura da sua missão civilizadora.
Por motivo mesmo dessa indiferança à solução do mais importante dos atuais problemas nacionais, acusa um respeitado semanário americano o último Congresso de haver excedido os demais em malfeitorias, geral incompetência, inconsciente prodigalidade, negligência dos mais óbvios deveres e perfeita incapacidade de defrontar com suas responsabilidades. E que resultado, comentam os antiexpansionistas, retirarão finalmente os Estados Unidos do atropelo das suas tradições daquele desrespeito das garantias constitucionais e da liberdade humana? Os resultados morais serão desastrosos e os econômicos são aleatórios. O mercado das Filipinas está em embrião; Porto Rico, com sua pequena área, sua densa população, seus recursos explorados, oferece menos campo de empreendimento do que qualquer Estado do Oeste, em Cuba o capital tem receios de arriscar-se com a perspectiva da constante ebulição dos espíritos e crônicos estados de rebelião; em Havaí, por último, a situação não poderá ser modificada, pois nove décimos das exportações já eram para os Estados Unidos e oito décimos das importações iam dos Estados Unidos.
O futuro é a grande palavra com que respondem os esperançosos. O Presidente da República assim exclamava num discurso em Boston, no dia 16 de fevereiro de 1899:
Não tenho luzes nem conhecimentos differentes de meus compatriotas. Não posso prophetizar. O presente absorve-me por completo, mas minha visão não pode ser limitada pelas sangrentas trincheiras em redor de Manilha, onde cada gotta vermelha que corre das veias de um soldado americano ou de um mal guiado philippino é uma angústia para meu coração. Numa larga suecessão de annos, quando o referido grupo de ilhas, debaixo do impulso dado no anno que acaba de decorrer, converter-se nas jóias e glorias d’aquelles mares tropicaes, ver-se-ha uma terra de abundância e de crescente prosperidade, ver-se-ha um povo resgatado da indolência e hábitos selvagens, ligado com o commercio e trafico de todas as nações, gosando das bênçãos da paz, da liberdade civil e religiosa, da educação e do lar e cujos filhos e descendentes abençoarão pelos séculos a vir a Republica americana, porque emancipou e redimiu sua pátria e collocou-a no trilho da melhor civilização do mundo.
A civilização industrial dos Estados Unidos operará esses milagres. Os esperançosos asseveram que o capital americano está mais do que desejando, carecendo colocar-se fora do país. Já não será bastante propagar as mercadorias fabricadas em casa; torna-se preciso ir fabricá-las e iniciar outras indústrias nos lugares mesmo onde se encontram as matérias-primas, desoneradas dos fretes de transporte. Ora, os Estados Unidos estão começando a sofrer de novo de pletora de riqueza; desta vez porém não é constituída pelas sobras dos seus orçamentos, mas o que mais vale pelos excedentes da sua economia. De há tempos, começou-se a dar um fato novo no anais econômicos do mundo, a saber, a Europa está ficando devedora da América.
Há nove anos passados os americanos importavam constantemente dinheiro europeu para suas empresas industriais, elevando portanto o juro do capital; mas o pânico provocado pela quebra da casa Baring Brothers e as perdas experimentadas pelos capitalistas europeus na Argentina, no Canal de Panamá e na Austrália determinaram a retirada de muito capital estrangeiro da América, agravando-se muito este movimento pelo receio da agitação argentista e suas conseqüências no pagamento dos dividendos em ouro. A depreciação de 1893 foi provocada por tal emigração do capital empregado nas indústrias, aumentada pela baixa dos cereais perante a espantosa produção argentina e outras, e pela inflação da circulação fiduciária doméstica.
Esta própria inflação, junto com a da prata, e o retraimento dos capitais nacionais causaram, quando desapareceu o pânico, uma acumulação nos grandes centros de dinheiro desempregado e uma baixa sensível do juro. O capital americano começou a sair e procurar colocação em valores europeus, o que teria determinado um desequilíbrio se não sobreviesse a grande subida de preço dos cereais, que trouxe rnuito ouro para o país, apesar da avultada importação de manufaturas realizada antes de posta em vigor a tarifa Dingley. As saídas de trigo deixaram um saldo largo sobre o pagamento das encomendas industriais e a aquisição de valores de bolsa.
Desde o princípio do ano corrente de 1899, no trimestre apenas decorrido, os capitalistas americanos têm resgatado ações de caminhos de ferro e outras empresas no valor de 75 milhões de dólares, dinheiro que representa o pagamento dos produtos americanos, agrícolas e fabris, vendidos fora. A dívida dos Estados Unidos à Europa vai-se assim rapidamente amortizando, e os juros que vão deixando de ser pagos significam capital que fica no país. A riqueza nacional aumenta portanto debaixo de todos os pontos-de-vista, e a sua solidez evidencia-se do fato daquele grande ingresso de capital em tão curto período não haver alterado o preço dos valores nem mesmo contrariado sua tendência para a alta.
A esse capital disponível, acumulado pelos ganhos industriais da nação e isento das suas obrigações internacionais, não lhe bastando dentro em pouco o campo continental, força será emigrar: é riqueza que irá toda fatalmente promover o adiantamento das colônias, contanto que nestas se encontrem garantias de paz e promessas de remuneração.
Têm pois perfeita razão os que em seus planos partem da base de estar para todo sempre fixada a política de absorção colonial nos Estados Unidos. É até opinião do distinto publicista democrata Henry Watterson que a livre cunhagem da prata e a expansão territorial são assuntos ajustados, os quais não devem figurar no próximo pleito presidencial. Bryan pode ainda estar fazendo da questão argentista a questão capital do país: em 1900, se os agricultores continuarem em maré de lucros, o Partido Democrata impor-lhe-á ou a outro candidato que fôr escolhido um programa diverso. Watterson proclama como tópicos principais da futura platform a guerra aos sindicatos em nome da liberdade industrial e comercial, uma tarifa moderada, e um imposto sobre a renda, gradual e. razoável, que não envolva vexações de classe.
Dado em toda sua plenitude e conseqüência o fato da expansão territorial já realizada, admitindo o início da política imperialista, imposta aos Estados Unidos pelas circunstâncias ou por êlcs voluntariamente adotada, todavia como que antevista nos versos de Whittier:
Everywhere is the grasping hand And eager adding of land to land
— acabamos de ver que surge outra questão conexa e não menos interessante. Refiro-me ao modo por que se sairão os Estados Unidos da sua experiência como potência colonial, período em que o país entra muito antes de possuir excedente de população para a emigração, havendo contudo anexado territórios que estão longe de ser despovoados e somente esperam poder ser devidamente explorados, e ver desenvolvidos os seus recursos. Ninguém de boa-fé contesta, penso, que os Estados Unidos saberão colonizar melhor do que a Espanha, isto é, que saberão dotar as ex-colônias espanholas com condições de progresso material diferentes das que atualmente possuem. Havaí, que é de fato há mais de meio século uma colônia americana, de um lado, e do outro Cuba e Porto Rico, aí estão para serem cotejadas e responderem por si à interrogação, se fosse preciso formulá-la. Comparem-se as ruas asseadas de Honolulu, os seus vistosos edifícios, a sua salubridade, o seu ar de prosperidade e riqueza, com a imundície cm que se achava Santiago ou a Havana, as suas casas leprosas, as suas epidemias, o seu ar de abandono e de pobreza, numa terra que Colombo pintava como a mais bela daquelas sobre que podiam descansar olhos humanos.
Para dar uma idéia do que é a incúria administrativa espanhola basta relembrar um fato recente. O transporte de guerra americano Charleston, em caminho de Manilha, tomou as ilhas dos Ladrões, levando prisioneiros o comandante, outros oficiais e 54 soldados, que compunham a guarnição. Passou-se isto a 21 de junho do ano findo e esses desgraçados ainda ignoravam que a guerra houvesse sido declarada dois meses antes entre a sua pátria e os Estados Unidos. Quando o Charleston começou a bombardear as fortificações de Guam, o governador mandou a bordo um escaler, a pedir desculpa de não responder à saudação por não ter pólvora. Tal confissão é realmente tocante, se é que esse governador não é um parente próximo do ilustre Quevedo e quis responder com uma tão soberba ironia à provocação do General Anderson.
Olhemos para o reverso da medalha. A ocupação da cidade de Havana pelas forças militares dos Estados Unidos e a aproximação da estação doentia chamaram imediatamente para o problema do saneamento da capital cubana a atenção dos higienistas americanos. O Coronel Waring, que foi chefe do serviço de limpeza municipal na cidade de Nova York e aí faleceu ao regressar da Havana de um ataque de febre amarela, justamente contraído durante sua permanência e estudos em Cuba, deixou preciosas notas a esse respeito, que foram postas em ordem e publicadas no Fórum pelo seu secretário. Era opinião do malogrado funcionário — por outros
achada um tanto exagerada — que a febre amarela na Havana deriva seu principal estímulo da acumulação de impurezas nas águas estagnadas do porto, cujo fundo é presentemente um tremedal hediondo, viveiro de micróbios pestilenciais. A dragagem da bacia e uma corrente artificial que, revolvendo as águas mortas, carregasse os restos do depósito secular, e bem assim um bom sistema de esgotos como falece atualmente à cidade e que levasse os detritos para o mar alto, em vez de despejá-los no porto, extinguiriam, no seu entender, o terrível flagelo. Estes trabalhos êle os avaliava em 10 milhões de dólares.
Além disso seria necessário incutir na população hábitos de asseio, imitar o proceder do General Wood, o qual em Santiago, onde alias é popularíssimo, obrigava as pessoas mais conceituadas da cidade, que houvessem infringido os seus regulamentos sanitários e convertido as ruas em vazadouro público, a limparem-nas por suas própria maos. Santiago está atualmente um modelo de asseio municipal, como o está Havana depois de três meses de ditadura do General Brooke e superintendência do General Ludlow. Três quartos de milhão de dólares já foram despendidos para tal fim. mas também as ruas andam perfeitamente livres de animais mortos e outras porcarias, muito nossas conhecidas, que anteriormente as infectavam.
Não é êste o único benefício palpável até agora derivado da ocupação americana de Cuba e pasmosa atividade dos delegados militares da administração de Washington. Muitas taxas impopulares e opressivas foram abolidas, por exemplo a que recaía sobre géneros de consumo de primeira necessidade, e diminuídas outras, como a taxa sobre bens imóveis. Uma Corte Suprema foi estabelecida para julgar em última instância os processos que iam dantes a Madri. Havana e Santiago já estão ligadas por uma linha telegra-fica terrestre, custando 10 centavos um despacho de 20 palavras, quando previamente custava 36 centavos a palavra pelo cabo submarino: dessa linha terrestre mais de 200 milhas foram construídas de novo em menos de 90 dias. O despacho das mercadorias nas alfandegas está-se fazendo com rapidez e… honestidade, e o comercio ate propõe ao Governo americano pagar uma taxa suplementar de V/2 por cento sobre todos os direitos de importação para edificar-se na Havana uma nova Alfândega pelo custo de 1 milhão de dólares. O comércio está igualmente exultante com a ideia de ter dentro em algum tempo docas onde atracarem e descarregarem os navios, sem ser preciso recorrer ao custoso processo das alvarengas e rebocadores. O atrasado, corrupto e indecoroso serviço do correio foi reformado em 60 dias pelo Sr. Rathbone, antigo subsecretario dos correios na administração Harrison, de formaa oterecer facilidades na entrega das cartas "e exatidão na arrecadação oas receitas, o que, na frase de um correspondente, * basta para encarecer a tutela americana, pois o serviço dos correios é o barómetro do progresso de um país.
* Franklin Matthews, The Reconstruction of Cuba.
É claro que tudo não pode ser transformado em poucas semanas. As ruas andam limpas como as de Nova York, dizem os correspondentes, que pela comparação mesmo que empregam mostram não exagerar: o interior das casas porém deixa ainda muito a desejar, sem despejos apropriados e com os hábitos aferrados de pouco asseio da população. As visitas domiciliárias com intuitos higiênicos foram contudo iniciadas e já hão sido removidas muitas toneladas de imundícies acumuladas. A construção de um sistema de canos e esgoto levará, segundo cálculos dos engenheiros americanos, dois anos. A sua principal dificuldade reside talvez na estreiteza das ruas, tendo de proceder-se parcialmente às escavações para não interromper o tráfego da cidade.
Por mais dispendiosa e difícil que resulte, a obra do saneamento da Havana está bem longe de ser superior à capacidade de execução de um povo que em pouco tempo reergueu Chicago das cinzas do terrível incêndio de 1871, o qual destruiu mais de ires milhas da cidade com 17.450 edifícios, causando perdas no valor de 290 milhões de dólares, e que em meses reconstruiu St. Louis, apagando todos os vestígios dos estragos do medonho tornado de 1896, que vitimou 1000 pessoas e produziu extraordinários prejuízos.
Governo e povo compreendem que a prosperidade material é hoje a condição da grandeza cultural, e têm bastante e suficientemente sadio orgulho nacional para não permitir que permaneçam atestados vivos de incúria vergonhosa e criminosa negligência. Se a capital dos Estados Unidos fosse, como a do Brasil, um ninho de febre amarela, uma das mais insalubres cidades do mundo, e se tivesse sido possível conservar-se esse estado de coisas durante meio século, de longa data, estou certo, teria tal assunto sido objeto de declarações de platform, comuns aos partidos, e haveria algum presidente tomado a peito executar e conseguido realizar o saneamento da cidade.
O saneamento de Cuba tem-se mesmo estendido do campo físico ao moral. Por ordem do General Brooke foram queimados 60.000 volumes indecentes (o número é sintomático) encontrados nas livrarias da Havana. Sentinelas postadas na embocadura de certas ruas, análogas à do Senhor dos Passos no nosso Rio de Janeiro, vedam a passagem aos americanos e mantêm um bairro proibido como um ghetto medieval. — Por que não posso passar? — interrogava Franklin Matthews, o correspondente especial do Harper’s Weekly. — Receio de febre amarela? — Não senhor — respondeu a sentinela — ordens estritas do comandante. É porque aqui é o único lugar onde um americano não tem negócios a tratar (there is no business for him).
Mais difícil do que as condições materiais é, já se sabe, mudar a natureza do povo cubano, o seu espírito volátil como o qualifica um escritor, leviano e irrequieto. O espetáculo da Assembléia Cubana depondo o General Gomez e, malgrado a reorganização norte-americana da polícia local, os assassinatos cometidos em plena cidade da Havana por ex-soldados rebeldes, e de que têm sido vítimas inermes cidadãos de nacionalidade espanhola, demonstram que muito resta por fazer e quão precisa é uma mão de ferro que saiba ao mesmo tempo respeitar as liberdades essenciais, as quais os americanos estão absolutamente dispostos a não imolar. O sistema de detenção incomunicável vai ser abolido e defeso o julgamento sem júri e a prisão das testemunhas, atos corriqueiros na prévia administração da Justiça. O correspondente do Washington Post, ao dar todos estes pormenores, escreve um comentário que encerra a chave do porvir:
A obra da regeneração levará talvez annos para completar-se. Durante esse tempo a bandeira dos Estados Unidos não será arreada, e quando ella estiver concluída, ninguém, em bom juizo, desejará que os Estados Unidos retirem sua mão bemfazeja.
Da realidade do progresso material debaixo do domínio americano seria impossível duvidar. O que resta saber é se os Estados Unidos lograrão em outros pontos imitar a Inglaterra, não a Inglaterra do século XVIII, expulsando os acadianos fiéis à França, cujas desventuras Longfellow cantou no seu poema Evangelina, e pretendendo taxar as colônias americanas contra a sua anuência, mas a Inglaterra do século XIX, sujeitando as próprias manufaturas ao pagamento de direitos no Canadá e na Austrália, e aspirando tão-sòmente a bem assentar o laço federal do Império Britânico sobre a base da mais ampla autonomia de certas colônias e do adiantamento e liberdade de todas. Os dois povos possuem uma concepção idêntica dos direitos do indivíduo e da liberdade civil, porém as duas nações possuem políticas comerciais diametralmente opostas. A Grã-Bretanha, é bem sabido, funda a sua no livre câmbio, os Estados Unidos no ultraprotecionismo, se bem que se esteja ligeiramente anunciando o desaparecimento, por desnecessária, da era da proteção exagerada às indústrias nacionais, e que a substituição do melhor das taxas aduaneiras pela taxação direta constitua até, como disse, um dos artigos do credo do partido radical, com o qual se está identificando o Partido Democrata americano.
Demais, o composto aristocrático-burguês-popular da Grã-Bretanha usa de processos de governo bastante diversos neste ponto dos que estão agora ao alcance da democracia americana. O Império colonial britânico é, de fato, uma federação em que a algumas das partes componentes é concedido o máximo de independência sob a jurisdição quase nominal da Coroa, e em que noutras os representantes mais efetivos da autoridade central revelam uma notável capacidade e um excelente traquejo administrativo, quer se trate de possessões gozando de autonomia menos folgada, como a Jamaica* ou a Guiana, quer se trate de terras de velhas civilizações, como a India e o Egito, cujas grandes massas indígenas, presentemente tuteladas mas não oprimidas, não são no entanto destinadas à completa emancipação. Todos estes elementos dessemelhantes movem-se dentro da mesma órbita porque cada um descreve sua evolução particular dentro do mesmo sistema geral de gravitação. Vemos assim aproximar-se mais o Canadá do individualismo, que é a base da estrutura americana, e predominar na Austrália o socialismo de Estado, que num país novo e chamado de repente a preencher seus destinos atrai a imigração, permitindo a rápida execução das obras precisas para mais fácil aquisição da riqueza, e que em outros lugares são concluídas por particulares favorecidos, como por exemplo, nos Estados Unidos, as companhias de caminhos de ferro, dispondo de grandes concessões de terras.
* Ainda assim na Jamaica o conflito que se levantara entre o Governador Sir Augustus Hemming e o Conselho Legislativo acaba de resolver-se pela rendição absoluta e incondicional do representante da Coroa, que restabeleceu o status quo constitucional anterior à desavença, cuja composição solicitou, retirando por seu lado o Conselho o voto de censura apresentado.
As novas colônias americanas correm porém o risco de ser, nos primeiros tempos pelo menos depois do governo militar, e a prognosticar pelos precedentes, entregues como foram os Estados subjugados do Sul à capacidade dos politiqueiros do partido dominante; posto que a triste recordação do passado e o exemplo da Espanha hajam provavelmente de atuar no sentido da moderação, e que as recentes conquistas não tenham sido, como as outras, o resultado de quatro anos da luta mais sanguinolenta de que reza a Historia. O futuro dirá se finalmente a influência das colonias se não exercerá tanto sob o ponto-de-vista comercial como administrativo de maneira a alterar as condições agora existentes — primo, fazendo a metrópole, em vez de estabelecer uma liga de exclusivismo mercantil com as colonias, renunciar a um ultraprotecionismo que já cumpriu sua melhor missão, e recorrer, no próprio interesse do seu comércio externo, que vai caminho de ombrear com o interno, a mais francas relações internacionais; segundo, fazendo-a, por conveniência, corrigir a instabilidade do funcionalismo, repudiar esse sistema de despojos, que tem sido de certo jeito benéfico ao adiantamento nacional, impedindo a formação da apatia burocrática, mas que, levado ao excesso, ameaçaria desequilibrar o organismo social "e corromper todos os ensaios de administração proveitosa.
Já vimos que para muitos a porta aberta nas colônias é incompatível com a porta fechada em casa. Fala-se muito em reconstituir a marinha mercante, animando-a até com prêmios pagos pelo Governo. Não pode porém abrir-se comércio eficaz para as colônias sem cargas de regresso, e como existirem estas com o protecionismo doméstico, que significa sua exclusão? Por outro lado, se inaugurar-se nas colônias a política da porta fechada, dirá a opinião com razão que a aquisição das possessões não consumou-se para benefício do comércio em geral, mas sim para o de alguns fabricantes e sindícatenos, isto é, que apenas tratou-se de estender às colônias o sistema capitalista predominante no continente. A luta econômica nacional passaria assim para um campo mais largo e redobraria de ardor.
O sugar trust, ao combater a anexação de Havaí, sabia porém o que estava fazendo e porque o estava fazendo; sabia que a criação de um poderio colonial encerra hoje de preferência e no futuro
encerrará certamente franco intercurso comercial, o qual não poderá mais ser mantido exclusivo entre a metrópole e as possessões, como nos séculos XVI e XVII, mas terá de ser patente a todos de acordo com a concepção inglesa despertada e cimentada pela própria separação dos Estados Unidos. Do contrário teríamos de convir, com um hebdomadário americano, que os Estados Unidos estão tratando de dar nova vida à velha e desacreditada política colonial, não com o fim de alargar e enobrecer a vida nacional, mas para fins puramente comerciais, para traficar, e toda a corrupção que se implica na íntima associação do tráfico e da administração, o que quer dizer, em proveito de poucos, com exclusão da massa, porque fins comerciais são aqueles a que obedece toda e qualquer expansão colonial, quando mesmo se acoberte, como a antiga expansão peninsular, sob a capa da religião e do amor do próximo.
Por enquanto os planos brilham pela ausência.
Iniciamos nossa carreira colonial [escreve o mesmo hebdomadário] absolutamente sem experiência, sem sistema, sem o mecanismo necessário para o governo colonial, e com um Congresso e condições politicas que suggerem graves duvidas sobre nossa competência para administrar sabiamente.
De fato a sujeição das colônias, como Territórios, à vontade discricionária de um Congresso renovado cada dois anos, e que está longe de grupar no seu seio a flor da intelectualidade e mesmo da honestidade nacional, seria perfeitamente vergonhosa. Compreende-se que dadas as diferenças não tanto de raça como da educação e costumes, os Estados Unidos hesitem cm recebê-las como partes fundamentais da União, conccdcndo-lhcs admissão no Senado, que representa a soberania dos Estados.
A unanimidade da população católica destas colônias, exceção feita de Havaí, aterraria a American Protective Association; a enorme população de côr de Cuba e Porto Rico irritaria os sulistas, que mal podem com a submissão forçada dos negros que já têm em casa; os baixos processos administrativos espanhóis, a que estão afeitos cubanos, pôrto-ricanos e filipinos, não agiriam como corretivo da corrupção política atribuída à nação americana. O respeito das liberdades locais impõe-se contudo aos conquistadores, com a garantia da dose de governo próprio para as possessões que respectivamente couber à sua atual condição social. Se às Filipinas, com seus oito a dez milhões de população aborígine ou mestiça, só conviria o regímen da índia, Havaí e Porto Rico, podem e devem gozar da autonomia da Jamaica, Cuba porventura da do Canadá.
Não se pode contudo afirmar que os Estados Unidos não contam experiência alguma de governo colonial. Este há praticamente sido ensaiado nas porções do continente sucessivamente anexadas, abrangendo aplicação e ausência de self government. Na galeria de modelos domésticos encontramos hoje Alasca, sem partícula de autonomia, como encontramos no alvor da história americana a ordenança de 1787 para o governo do Território dos Estados Unidos ao noroeste do Rio Ohio, sob um administrador autocrático enquanto não tivesse certa soma de população. Igual ordenança regeu o Território comprado à França em 1803. Todas essas terras, exceção feita de Alasca, porque aí mantêm-se as primitivas circunstâncias, aclimataram-se gradualmente à condição de soberania estadual, ascendendo até semelhante ponto desde uma dependência verdadeiramente colonial. As primeiras legislaturas do Distrito de Orleans (Louisiana) e da Flórida eram de nomeação presidencial. O governador do Novo México, quando este Território foi organizado, possuía poder de veto absoluto sobre as deliberações da legislatura. Na Califórnia, imediatamente depois da conquista, o governo foi militar. Parece portanto fora de toda a verdade dizer que os Estados Unidos não acham em suas tradições exemplos de administração colonial, e que o governo despótico de possessões é destruidor do espírito da Constituição.
A crescente amizade entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha poderia aliás contribuir melhor do que qualquer doutrina para experimentalmente ensinar àqueles o melhor modo de governar colônias com mútua prosperidade, delas e da metrópole. Os políticos britânicos hão de necessariamente lembrar aos de Washington que mais avisadamente andariam destinando ao melhoramento das terras de que se apossaram as sobras vindouras dos seus orçamentos, do que aplicando-as, como outrora, a aumentar escandalosamente as pensões até o algarismo de 150 milhões, * a fim de não diminuir mediante a redução da tarifa aduaneira, os proventos das indústrias organizadas em poderosos sindicatos.
O free trade, para o qual as colônias terão de influir e cuja introdução no sistema econômico americano deveria ser gradual e paulatina para não destruir bruscamente as condições existentes, só faria afinal soçobrar as indústrias exóticas, sem base ou probabilidade de vida independente. As indústrias com elementos próprios inquestionavelmente vingariam. Não só o trabalho bem retribuído está provado ser mais efetivo*— fornece-nos um exemplo a Austrália, onde os salários regulam cento por cento mais que na Inglaterra, trabalhando os operários vinte por cento menos do tempo e custando em média os produtos manufaturados vinte por cento mais; e se na América a vida é muito mais cara, também os salários são mais altos — como a perfeição das máquinas, trazendo a economia de braços com a excelência do artigo, e outras circunstâncias estão barateando o produto americano, permitindo-lhe concorrer com os europeus nos mercados estrangeiros e nos próprios mercados domésticos das outras nações produtoras. O free trade, se por um lado envolve a diminuição dos salários pela concorrência feita a certas indústrias, auxilia por outro a extensão do comércio e anima portanto as manufaturas, barateando aliás a vida nos Estados Unidos com o aumento das permutas.
* O sistema americano das pensões, que muito curiosamente aumentam à medida que se distancia o período da guerra civil, é um ninho de abusos e malversações. As pensões têm sido uma arma política de primeira ordem, pois que representantes ao Congresso costumam pagar serviços eleitorais com a obtenção de pensões em muitos casos imerecidas. De uma vez que se quis levantar o véu que encobre aquela arca de escândalos, a comissão de inquérito achou, somente em Maryland, 700 a 800 indivíduos que figuravam indevidamente na lista, sem nunca terem estado na guerra, e outros que tomaram o nome de soldados falecidos ou ausentes do país.
O momento, devemos reconhecê-lo, não é favorável para o livre câmbio. Na Casa Branca de Washington reside o estadista americano cujo nome identificou-se com a Política de proteção aduaneira. Conta-se que, quando McKinley começou há vinte anos sua vida política como representante do Ohio, o Presidente Hayes, seu coestaduano e antigo superior na guerra da Separação, lhe dera de conselho que escolhesse uma especialidade na qual se tornasse proficiente e pela qual se fizesse conhecido. O jovem político escolheu o protecionismo, de que tornou-se o mais destemido e convencido campeão. O pleito presidencial de 1896 travou-se sobre a questão da livre cunhagem da prata, mas o primeiro cuidado do novo Presidente foi convocar em sessão extraordinária o Congresso para fazê-lo votar a tarifa Dingley, que deixou a perder de vista a McKinley, de 1890. Logo depois de anexado Porto Rico foram-lhe estendidas as leis americanas de navegação para lucro da navegação nacional de cabotagem, fazendo-se todavia mais tarde, perante reclamação dos naturais, a concessão de permitir as cargas de Porto Rico para os Estados Unidos em vapores que não somente os americanos. Escusado é relembrar outras manifestações do ultraprotecionismo predominante, com o qual parece impossível coexistir verdadeira reciprocidade comercial.
Por ocasião da inauguração do Museu Comercial de Filadélfia o então ministro do Brasil em Washington, delegado pelos seus colegas para responder ao brinde à America Latina, pronunciou perante o Presidente e um auditório de mais de mil pessoas, que tantas foram as que tomaram parte no banquete, um habilíssi-mo discurso, extensamente citado e comentado pela imprensa, no qual premuniu os Estados Unidos contra os perigos do exagerado protecionismo. Nesse famoso discurso o Sr. Salvador de Mendonça imaginou, por uma fina ironia, que os comissários dos manufatureiros e comerciantes americanos, que estavam urgindo a redação mais desmedida da pauta Dingley, tinham ido a Washington em missão totalmente oposta, e fêz a pintura mais sugestiva da sem razão da taxação das matérias-primas e gêneros de primeira necessidade, bem como dos efeitos deploráveis de qualquer correção mercantil exercida sobre os outros países do continente americano.
Tudo isto vossos manufactureiros e commerciantes devem ter dito e eu lh’o agradeço em nome dos meus collegas. Si minha conjectura não é exacta, então o vosso calculo está errado, e a abertura, hoje, do vosso tempo á industria será equivalente á abertura do templo de Jano, o deus romano de duas caras, cujas portas conservavam-se fechadas no tempo de paz e só se abriam como signal de guerra.
As colônias agora adquiridas não estão por enquanto aptas a dificultar a solução da questão de política aduaneira ou de suas próprias relações econômicas com a metrópole. É sabido que o embaraço vital à formação de uma Federação Imperial Britânica e,
muito mais do que um sentimento exagerado de autonomia, a impossibilidade de fazer chegar a um justo acordo a Inglaterra livre cambista, o Canadá e a Austrália protecionistas não só para com as nações estranhas como e sobretudo para com a mãe pátria, e a índia opulenta de trabalho barato e de futuro industrial. Pelo contrário, de qualquer maneira que venha a estabelecer-se a futura política aduaneira dos Estados Unidos, seja exclusivista ou liberal, o intércurso comercial será tanto mais fácil entre metrópole e colônias quanto estas só exportarão para aquela, por muito tempo pelo menos, produtos agrícolas da zona tropical, possuindo duas únicas indústrias absorventes, a do tabaco e a do açúcar, recebendo em troca da metrópole cereais e os muitos produtos da sua variadíssima indústria.
Os homens públicos da Inglaterra recordarão especialmente aos dos Estados Unidos quanto seria inútil recorrer, no caso de resistência, aos processos violentos da Espanha, e que mais consegue a brandura inteligente do que a força bruta. A própria Grã-Bretanha só se tornou neste ponto liberal depois de convencida da inutilidade do contrário. No Canadá e no Cabo pretendeu ela de começo avassalar a religião das populações anexadas e ditar-lhes seus costumes e idéias. Diante da viva oposição dos franceses e dos holandeses tiveram entretanto os ingleses o grande talento de contemporizar, de ceder, de praticar o oportunismo no sentido mais largo da palavra, e agora aquelas populações anexadas e leais podem- fazer uso da sua língua nos parlamentos locais e nos documentos oficiais e dar expansão aos seus platônicos sentimentos de reverência ancestral, contando com o absoluto respeito dos dominadores. As leis da Ilha Maurícia (a antiga ilha de França) são uma adaptação do código Napoleão e as da Guiana Britânica e de Ceilão fundam-se na jurisprudência romano-holandesa. *
Se os americanos não evidenciassem desde logo uma tão extensa tolerância, seria força lembrarmo-nos que não se sobe de repente a semelhante concepção, a qual a Inglaterra só gradualmente alcançou, chegando à plena consciência dela há menos de meio século, ou melhor depois que o temperamento imaginativo de Beaconsfield, -há menos de 25 anos, estabeleceu teatralmente o imperialismo, que é hoje a feição política comum e predominante na Grã-Bretanha.
O Império Britânico é um modelo deveras para recomendar-se, porquanto abrange formas variadas de governo colonial. Não podendo razoavelmente ficar aquém da autonomia Moret, tratando-se aliás de uma causa pela qual foram sacrificados milhares de mártires, terão os Estados Unidos, se converterem cm anexação o seu pro-tetorado, de conceder a Cuba as franquias políticas quase soberanas de uma Vitória ou de uma Nova Galles do Sul; ao passo que manterão justamente Porto Rico e Havaí na situação de algumas dessas Crown Cotbnies, não das que estão inteiramente sujeitas, legislativa e administrativamente, ao Colonial Office, nem mesmo das que, como Ceilão e Maurícia, têm suas leis feitas pelo governador com o auxílio de um conselho nomeado, mas das que, como as índias Ocidentais, gozam de instituições representativas posto que não de governo responsável, dependendo seus funcionários da citada Repartição Colonial.
É ocioso dizer que a administração deverá ser necessariamente amoldada à índole da colónia. Em Havaí, pelo constante desaparecimento e natural passividade da população indígena e pela docilidade da imigração estrangeira, mongólica e portuguesa no maior número, será possível confiar sem perigo a direção local à minoria americana ou pelo menos branca. Por mais inteiramente contrário, escreve Bryce, * que seja toda doutrina democrática o fato de 5.000 americanos e europeus, porventura com uma pequena infusão de outras raças, legislarem para 100.000 asiáticos, havaianos e portugueses, é menor mal do que conceder a estes 100.000 habitantes o poder de fazerem dano a si mesmos, aos americanos e ao governo cm geral. Para assegurar justiça a todas as raças o ilustre escritor aconselha entretanto o reconhecimento de todos os habitantes como cidadãos americanos, com acesso livre a todos os tribunais, destituídos porém de direitos políticos; representação parcial das populações inferiores no conselho consultivo do governador e nomeação de funcionários especiais para zelar seus interesses; elevação constante do nível social daquelas raças; dependência do Executivo de preferência à do Legislativo, corpo flutuante que opera por meio de disposições gerais, e finalmente escolha de um governador com preparo administrativo, espírito liberal e inteligência superior.
Será porém possível cm Cuba ou Porto Rico entregar a direção dos negócios à parte educada da população espanhola e excluir dela os negros, que são muitos, que compunham em grande parte as forças dos insurgentes, e que a própria Constituição americana considera cidadãos e eleitores, proibindo formalmente sua exclusão do governo da República? Seria praticável tratá-los como na Carolina do Norte, onde acaba de passar uma emenda constitucional limitando de fato o sufrágio negro, sem levantar maior resistência por parte dos ofendidos? Não se repetiria antes o caso das índias Ocidentais Britânicas onde houve que ser diminuída a autonomia de que gozava a raça branca, modificada a constituição local e fortalecido o poder central ou da Coroa para proteção da gente de côr? **
E fazendo coro com Sir Charles Dilke, não se pode dizer que o resultado haja sido desastroso. Apesar da grande crise do açúcar, os rendimentos públicos na Jamaica aumentaram mercê da disseminação da pequena propriedade, em que a gente de côr entrega-se à fácil cultura dos frutos tropicais, com um interesse tanto maior quanto antevê na possessão britânica um melhor futuro político para a sua raça. A pequena propriedade negra, isto é, o fra-cion amento das grandes plantações de outrora, está-se tornando tão característica da Jamaica como já o é das Antilhas Francesas, onde a população de côr tem praticamente assoberbado a branca tomando a maior parte no Governo e exercendo-o com sucesso, diz o mesmo escritor, esquecido de que os negros da Martinica e de Guadeloupe não se acham entregues a si, como os de Haiti e São Domingos, mas de fato subordinados a funcionários franceses e regidos por leis francesas.
* "Problems of Hawaii", art. no Washington Post.
** Sir Charles Düke, Problems of Greater Britain, Vol. II.
Um dos efeitos não menos curiosos da recente campanha dos Estados Unidos contra a Espanha foi ‘um certo acréscimo de consideração para com a raça negra que dela resultou entre a maioria dos americanos. Os regimentos negros salientaram-se pela sua valentia, e a resistência ao clima e às privações determinou no seu seio uma escassa mortalidade, que contrastou com a devastação produzida nas fileiras dos brancos pelas doenças e pelas provações, pois, ao passo que nos combates pela posse de Santiago registraram-se pouco mais de 200 mortes, nos hospitais improvisados contaram-se umas 1.500. Escrevia um correspondente naqueles dias que os regimento de pretos eram a única nota jovial do sinistro acampamento de Siboney, assolado pela febre amarela, e que o soldado de côr era "olhado pelo soldado branco com positiva afeição e orgulho".
Esta confraternização das raças no campo de batalha traria resultados deveras importantes e desanuviaria o futuro de tão grave problema, se a questão das relações entre brancos e negros não fosse, antes do que uma questão nacional, uma questão irritantemente seccional. O Norte e o Oeste estão dispostos a concessões no terreno público a que o Sul nunca chegará, porque lhe toca de perto o mal. Mesmo aqueles que, como o romancista da Louisiana, George W. Cable, autor da Negro Question, pretendem que o negro tenha plena igualdade civil e perfeita liberdade política, cavam entre as duas raças uma funda separação sob o ponto-de-vista social ou das relações privadas, o que equivale a preservar o regímen de castas contra que dizem insurgir-se.
Escutando as lições de uma potência, cuja primitiva história colonial foi corrupta e ineficaz, como reconhecem seus pensadores modernos, é de crer que os Estados Unidos prestem mais atenção ao ouvir a história unânime da bravura heróica com que os regimen que se sintam tomados da vontade de retroceder em seu progresso cívico. Escreve Bryce num artigo sobre o problema colonial americano, e confirmam-no autoridades britânicas e holandesas, que quanto mais liberal e democrático fôr o sistema de governo aplicado às raças inferiores — e entre estas enumera novamente os portugueses de envolta com os índios da Polinésia, os chineses de Havaí e os negros das Antilhas —, tanto maiores serão as perturbações, ao menos por diversas gerações.
A experiência tem ensinado á Inglaterra que, tanto nas índias Occidentaes como em suas possessões oritntaes, o melhor meio de garantir o bem estar e a paz entre povos atrazados é revestir de poderes despóticos um governador geral, embora sua politica seja depois syndicada e seus acetos examinados pela Repartição Colonial e sanecionados pelo Gabinente ou pelo Parlamento da Metrópole. As corporações legislativas electivas hão provado mal onde predominam as raças de côr.
O próprio Bryce reconhece contudo que o Governo americano é baseado em princípios de soberania popular e completa autonomia, tanto local como nacional, e que nos Estados Unidos cada habitante é um cidadão na completa acepção da palavra. A anexação das Antilhas espanholas e das Filipinas ajuntará, pergunta êlc, aos 70 milhões de cidadãos alguns milhões de indivíduos pouco desejáveis em tal categoria, ou estabelecerá uma nova classe de americanos que não serão perfeitos cidadãos e aos quais não terão aplicação os princípios fundamentais do Governo? É a repetição da principal objeção teórica dos adversários do tratado, a que se reúne o temor mais peculiar ao Sul de ver entrar no grêmio nacional outro e poderoso afluxo de população de côr. Como esperar sentimento diverso de gente que trata o negro individualmente com caridade e doçura, quando este reconhece sua inferioridade, mas que pune com um ano de galés um mulato claro por casar com uma branca e, ao ouvir a história unânime da bravura heróica com que os rigimen-tos pretos subiram ao assalto de San Juan, responde resmungando que assim se portaram porque eram comandados por oficiais brancos: sozinhos ou comandados pelos da sua raça é difícil dizer exatamente como se portariam?*
Na organização de um exército colonial ou constituído pelas raças de côr reside todavia a solução de um dos problemas originados pela política de expansão territorial nos trópicos. O clima aí é debilitante, mais do que isto, mortífero para a população branca, especialmente para as raças do Norte, menos resistentes ao calor. É um fato histórico corrente que os ostrogodos cm poucos séculos desapareceram da Lombardia, e na Jamaica (pela qual, ou por Bermuda, ou pelas Baamas alguns americanos trocariam de bom grado as Filipinas) vemos diminuir a população branca, apesar de reinarem na ilha a ordem e a lei. O clima é de todo impróprio para sua expansão: pelo contrário os povos da zona quente prosperam quando fixados nas regiões frias. À medida que a civilização caminhou dos trópicos para o pólo foi ganhando em incremento, e na zona fria tem realizado sua maior florescência, estando os povos que deixou atrás de si em relação aos povos mais cultos na situação de crianças para adultos. **
Os americanos possuem entretanto uma qualidade, entre outras superior aos ingleses, para resistirem aos efeitos do clima tropical e esforçarem-se por vingar num meio hostil: são incontestavelmente mais temperantes. O alcoolismo é a grande peste do inglês, a tara hereditária que por toda a parte o acompanha e em muitos casos lhe embarga o perfeito desenvolvimento moral. Na América, ao invés, este vício excita geralmente repulsão, é por assim dizer exceção entre as classes educadas, e entre as menos cultas há sido muito mais eficaz a propaganda em favor da temperança.
** Benjamin Kidd, The Control o) the Tropics,
* Vide Nota e no Apêndice.
Fiado porventura na faculdade de adaptação da raça americana, é que o Presidente McKinley não quis ainda aproveitar-se da autorização da lei de fixação de forças para o alistamento nas possessões de um exército de 35.000 homens, achando preferível servir-se dos 65.000 regulares e voluntários americanos; também porque a organização de forças coloniais lhe pafece inerente dos .processos europeus de conquista, lembrando muito ao vivo o imperialismo, que se quer praticar sem mencionar o nome. Difícil lhe será ho entanto manter sem grande sacrifício de vidas um exército todo transplantado para Cuba ou Luzon, sem ter atravessado a fase da aclimatação. Em Cuba aliás a experiência contrária já de algum modo foi tentada sem insucesso. Além do General Brooke chamar muitos cubanos para os cargos civis, mesmo os mais elevados, b General Ludlow, governador do distrito da Havana, confiou a polícia da capital a naturais e também a espanhóis, comandados por oficiais cubanos, muitos dos quais serviram no exército revolucionário, permanecendo toda a força debaixo da direção de John Mac-Cullagh, antigo chefe de polícia da cidade de Nova York. Este funcionário não obteve por certo uma sinecura, pois, e isto dá nova idéia do desmazelo administrativo espanhol, nem existia um mapa preciso das distâncias na Havana e subúrbios. A medição fêz-se agora porque tornou-se precisa para a distribuição dos postos de polícia.
O Sr. Porter, emissário do Presidente, recomendou muito que esse sistema fosse o adotado, entregando-se toda a polícia da ilha à soldadesca nacional, fiscalizada por superiores norte-americanos. Os naturais oferecem a par da vantagem da aclimatação a de estarem aguerridos pelas sucessivas rebeliões que caracterizaram o domínio espanhol. Para bem discipliná-los, torna-se entretanto necessário escolher escrupulosamente os oficiais instrutores, que devem ser graduados de West^Point, sendo assim mister alargar os quadros da oficialidade regular nos Estados Unidos. A campanha cubana revelou à sociedade a freqüente incapacidade dos oficiais voluntários, comissionados pelo Presidente a pedido de senadores e representantes influentes. Eles foram uma das causas da má organização e serviço insuficiente dos acampamentos, que redundaram no sacrifício de tantas vidas ceifadas pelo tifo e outras febres.’"
Do quanto podem conseguir os oficiais saídos da célebre dura escola militar, que é um dos justos desvanecimentos da nação americana, dão testemunho os brilhantes feitos em Santiago dos regimentos de côr, cuja natural valentia não pode por certo ser levada em dúvida, mas que é de fato problemático se exibiriam disciplina e coragem coletiva independente do comando que tinham. Do quanto podem em geral realizar as forças tiradas das raças inferiores, quando manobrando às ordens de oficiais europeus, deu há muito revelação do domínio colonial inglês. A expedição do Sudão pelo sirdar Kitchener é um exemplo de ontem. Antes disso, observa um famoso historiador, a conquista da Índia fizera descobrir duas coisas: 1° a fraqueza dos exércitos indígenas ante a disciplina européia, posta em evidência pelos portugueses na sua aventurosa invasão do século XVI; 2.° a facilidade de transmitir essa disciplina aos naturais no serviço europeu, estabelecida pelos franceses, que no século XVIII os ingleses despojaram da supremacia colonial que exerciam. A fraqueza indígena deriva-se coimimente de circunstâncias alheias à falta de bravura individual: no caso citado provinha essencialmente do fato de ser o Hindustão uma mera expressão geográfica, sem a coesão oferecida por uma nacionalidade resultante da unidade de raça, língua ou religião, ou cujos elementos diferentes foram poderosamente unificados pela ação do mais forte.
* J. C. Hemment, Cannon and Camera, 1898.
Não são poucos nem de fácil decisão os problemas políticos e sociais com que os americanos têm ainda de defrontar. Parece ao Sr. Godkin, o ilustre redator do Evening Post, que nenhuma comunidade civilizada os possui tão numerosos sem solução, citando — a taxação, o judiciário, a divisão de côr, o serviço civil, a circulação, a educação. Ajuntem-se-lhes agora os coloniais, que são diversos e poderosos. Não sei como serão eles afinal encarados e resolvidos mas para tentar sua solução possui o povo americano incontestáveis vantagens.
Começa porque a história política dos Estados Unidos mostra que, quer se enxergue como o destino desta democracia a ditadura presidencial, quer se anteveja, como pensam alguns,* a primazia con-gressional, a tendência é toda para a centralização, para a supremacia nacional. O Governo Federal anexa cada dia maior campo de ação, com tanto mais proveito quanto a independência virtual dos Estados produziria infalivelmente efeitos desconcertados e estéreis. O Governo Federal tinha de resto em si sobretudo o princípio dinâmico, ao passo que os Estados por sua própria natureza possuíam mais do elemento estático; é por isso natural ver Congresso e Presidente, não refreados pela Corte Suprema, abafarem a autonomia estadual debaixo das prerrogativas assumidas e do predomínio estabelecido.
Estas orientações são contudo transitórias: no fundo devemos ir investigar as muitas qualidades que são patrimônio do povo americano, qualidades excepcionais se as considerarmos com relação às de outras raças, comuns a outras coletividades se apenas olharmos para a gente saxónica, e que contam especialmente para a feliz solução de todos seus problemas, inclusive os últimos, trazidos pela expansão colonial. São os predicados que tenho procurado fixar nesta série de capítulos.
Em primeiro lugar a energia, não a energia turbulenta e inconstante dos conquistadores do México e do Peru, mas a energia fria e perseverante dos pioncers do Oeste americano, que pode por vezes assumir cruel e indevidamente as funções da justiça, havendo porém em planícies percorridas por índios selvagens e montanhas habitadas por animais bravios implantado uma civilização verdadeiramente cristã e incomparavelmente mais completa, mesmo nos seus rudimentos, do que a destruída sem sombra de piedade por aqueles invasores nas regiões mais risonhas que lhes couberam em partilha, e onde nada edificaram de grande.
* Woodrow Wilson, Congressional Government.
Em seguida a jovialidade, que ressalta do gênio nacional, fazendo-o sobretudo agradar-se dos temperamentos desanuviados e comunicativos; que faz parecer suportável a vida, arrostar os perigos com serenidade e as dificuldades com bravura, e à qual nas colônias ibéricas os rigores da Inquisição, o despotismo político, as severidades administrativas, o jesuitismo na sua fase quer de grandeza quer de corrupção e especialmente sob o seu aspecto de educação, finalmente a disparidade das ambições e dos resultados obtidos deram um golpe tremendo.
Depois o senso prático, que determina talvez muita da corrupção legislativa ou administrativa, e certamente toda a trivialidade do pensamento e da expressão que Bryce observou e encontra-se muito mais na vida política que na vida intelectual americana; porém que representa uma condição indispensável para o êxito de qualquer tentativa de governo progressivo e, apesar de uma tendência fácil para vangloriarem-se dos efeitos adquiridos, impele os americanos a melhorarem quanto os cerca.
Mais o sentimento de justiça, natural a uma raça de preferência afeita a pesar e a decidir por si que a deixar-se guiar por sugestões alheias; contudo obediente à lei, diferente para com os homens dirigentes, até respeitosa da riqueza particular, porque, bem longe de melindrar o seu amor da propriedade individual, esta representa um futuro do trabalho, da inteligência e da felicidade, um exemplo a imitar e uma condição mais do progresso geral.
Ainda o idealismo religioso, tanto mais enraizado quanto é subjetivo, nasce do íntimo dalma e não provém de fórmulas externas, influindo numa mais sólida moralidade e para uma concepção mais elevada da vida, e talvez explicando em boa parte o carinho pelo passado.
Por último o verdadeiro espírito democrático, que provoca o fervor pela liberdade; afasta as hipóteses extremas de cesarismos, as quais possam originar-se no desenvolvimento das instituições militares; incute a veneração das maiorias; desfaz os atritos de classes; fomenta o bem-estar de todos e orienta instintivamente os espíritos para procurarem uma solução pacífica e equitativa das inevitáveis diferenças de condição e de fortuna, a solução desse grande problema das relações entre o capital e o trabalho, que é o enigma do futuro e que, se em alguma parte tiver de ser resolvido, será nos Estados Unidos, país onde a igualdade se sente menos estranha.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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