SÃO JORGE DE VILA RICA – Museu dos Inconfidentes

SÃO JORGE DE VILA RICA

Quem visita o majestoso Museu dos Inconfidentes, em Ouro Preto surpreende-se com a beleza máscula das linhas e grandiosidade da composição de uma preciosa imagem articulada de São Jorge que se depara ao penetrar no salão consagrado ao genial imaginário Antônio Francisco Lisboa. Essa magnífica peça esculpida em madeira e atribuída ao escopro do Aleijadinho constitui, sem dúvida, obra-prima ie expressão, de panejamento e de subjeiivismo.

A famosa imagem, em um só bloco, retrata o glorioso mártir da Igreja, com indumentária romana característica do exército de Diocleciano, de lança em riste, empunhando um escudo com a cruz de Cristo, no qual se acha inscrita, em relevo, a legenda: "Dei gloria ad honorem".

Era essa imagem que, desde remotos tempos coloniais, costumava sair montada a cavalo, a fim de que o santo passasse em revista os soldados de el-Rei, durante a festiva formatura militar que se realizava anualmente na procissão de "Corpus Chrisíi".

Pouca gente, no entanto, conhece a curiosa estória do São Jorge de Vila Rica, e o motivo por que perdeu êle as honras do altar.

Diz a crônica que, no ano de 1798, desejando o capi-cão-general Bernardo José de Lorena, Conde de Sarzedas, então governador de Minas Gerais, oferecer à Matriz do Pilar, de Ouro Preto, uma imagem de São Jorge, de tamanho natural, para as procissões de "Corpus Christi", mandou chamar o Aleijadinho a palácio a fim de ajustar a obra.

Depois de galgar a escadaria do vetusto edifício, carregado nos ombros de seus dois inseparáveis escravos, foi o genial toreuta recebido pelo coronel José Romão, ajudante de ordens do Governador, que, horrorizado pelo aspecto do mestiço, não se conteve e exclamou:

— Feio homem!

Ouvindo a frase escarninha de José Romão, respondeu–íhe encolerizado o estatuário:

— Foi para isso que Sua Excelência ordenou-me que aqui viesse?

Ouvindo, onde se encontrava, aquela discussão, procurou Dom Bernardo José de Lorena acalmar o artista, ex-plicando-lhe em seguida a razão por que o havia chamado. Tratava-se da encomenda de uma imagem de São Jorge, para as procissões. A que existia na Matriz do Pilar era demasiado pequena e mal talhada. Desejava outra, de maior vulto, como por exemplo… Como por exemplo… E concluiu maliciosamente:

 Semelhante ao José Romão.

Desabrochou, então, no semblante do infeliz escultor a ironia fugaz de um sorriso. Olhou, displicentemente, a alta e magra figura do ajudante de ordens e sentenciou:

 Forte arganaz! Forte arganaz!

Quando o artista terminou a confecção da obra não houve quem nela deixasse de reconhecer um retrato do coronel José Romão. Êle próprio não teve dúvidas a respeito. A tal ponto que sempre se opôs aque São Jorge saísse em público, naturalmente prevendo os comentários jocosos da população…

A procissão de "Corpus Christi" — preciosa relíquia das nossas tradições de religiosidade — sempre se revestiu, em Vila Rica, de grande pompa e esplendor.

Anunciada com rufos de tambores durante a noite que a precedia, o despontar da madrugada era festejado com o bimbalhar de todos os sinos e as marchas e numerosas bandas. Vila Rica amanhecia com aspecto festivo; os balcões nobres eram ornamentados com preciosas colchas adamascadas e as vielas empavezadas de ramos floridos, sobre o chão de areia branca do Itacolomi.

Antes de iniciar-se a procissão, saía São Jorge mon-tanto fogoso corcel todo ajaezado de ouro e prata, seguido de escudeiros, ajudantes, estribeiros e muitas outras figuras, vestidos todos a caráter, a fim de passar em revista as tropas formadas nas imediações da matriz do Pilar, estendidas em linha pelas ruas de São José, da Ponta Seca e do Rosário. Na retaguarda do séquito, utilizando-se de animais de porte, enfeitados de laços de fitas multicores e de chairéis vistosos, marchava um piquete de cavalaria. Os milicianos prestavam então continência ao Santo, apresentando-lhes armas, tudo na forma do estilo.

O cortejo regressava depois pelo mesmo caminho, lentamente, de maneira a atingir a porta da Matriz no instante da elevação da hóstia, no "Te Deum" que ali se realizava.

Nessa ocasião os soldados e as irmandades entoavam, em coro, o cântico de louvor: "Tantum ergo"…

Terminada a solenidade, que era anunciada por descargas de morteiros, e estralejar de fogos de artifício, movimentava-se a procissão, levando à frente a imagem de São Jorge. Todas as irmandades acompanhavam em aias, com as opas esvoaçando, as tochas fumegando. Tiravam ladainhas e terços no longo percurso dos andores, que ligava os bairros de Ouro Preto e Antonio Dias.

É tradição em Ouro Preto que, em determinado ano, quando São Jorge descia a cavalo pela íngreme ladeira do Ouvidor, aconteceu rebentar o correame que prendia o selim e deu-se, então, o imprevisto: a imagem tombou para a frente, matando, por fatalidade, com a lança o escravo João, de nacionalidade angola, que conduzia a montada do Santo.

Foi acusado por crime de homicídio e recolhido a um dos cubículos da cadeia local, onde permaneceu encarcerado. Mas o fato chegou ao conhecimento da sereníssima Mesa da Consciência e Ordens, ern Portugal, que protestou veementemente contra "as violências e bárbaras medidas praticadas pela ignorância do povo, em prender o glorioso São Jorge, pelo acidente que a êle não cabia culpa e sim a seu areeiro e condutor".

O fato é que desde essa ocasião a imagem de São Jorge ficou desprestigiada, perdendo as regalias do altar. Hoje, São Jorge é apenas uma das muitas peças do Museu da Inconfidência, instalado, por mera coincidência, na velha Cadeia de Ouro Preto… Quais o destino (ou a alma do escravo João?) que o Santo permanecesse anos a fio entre as grades da masmorra…

Angélica de Rezende: Nossos Avós Contavam e Cantavam. Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1949, pp. 160-161.

Fonte: Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Seleção de Anísio Mello. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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