UM MONUMENTO HISTÓRICO

Oliveira Lima

UM MONUMENTO HISTÓRICO

O meu correspondente de Goiana, que me tem fornecido alguns elementos de interesse para estes artigos e que conhece perfeitamente as coisas e o viver do nosso interior, o Sr. José Teófilo Carneiro de Albuquerque, chama a minha atenção e pede que eu intervenha junto ao Instituto Arqueológico em prol da conservação da Igreja de N. S. da Conceição da Vila Velha de Itamaracá, matriz que foi edificada, segundo reza a tradição, no local do fortim francês que os portugueses tomaram quando se estabeleceram em Igaraçu. Se a tradição não é exata como aliás o leva a crer o valado ou espécie de trincheira sobre que se levanta o templo, tem este todo caráter de um "monumento histórico" e cs povos que se prezam, não só da Europa como da própria América, professam respeito c carinho por essa classe de relíquias pátrias. Haja vista a Argentina, onde foi declarado monumento histórico, como tal confiado à guarda da nação, o engenho do Padre Colombres, em Tucumán, onde primeiro se fabricou açúcar para fins industriais.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Vila Velha de Itamaracá não é portanto uma dessas igrejas sem cãs, de que fala Alexandre Herculano — "bonitas, vaidosas, douradinhas, salas ao divino", na frase do grande historiador português. Essa igreja tem ou antes tinha uma irmandade, dispondo de um patrimônio constituído por legados. Entre estes figura o de Francisco de Torres, residente em Goiana, o qual lhe deixou, cm posse intransferível, gado e pasto — os outeiros da Catuama — em troca de missas a sufragarem sua alma, as dos seus parentes, e até as almas do purgatório, suas prováveis companheiras, o que abona o altruísmo do supradito Torres.

O remanescente do legado era atribuído à conservação dos ornamentos do culto, a cujo serviço deveria ser também aplicada metade da herança do devoto proprietário, no caso da sua enteada e herdeira falecer sem filhos. A matriz chegou a possuir, segundo consta do inventário, belas alfaias, entre outras uns paramentos doados por el-rei e imagens oferecidas pela Rainha D. Maria I. A papelada andava em mãos do ex-juiz da confraria, a qual há doze anos se dissolveu ou melhor dito suspendeu o exercício das suas funções, por motivo de escassez de irmãos, cujos requisitos de entrada não eram muito fáceis de preencher. Passou então o arcebispado a receber a renda do patrimônio que é hoje de quatro contos.

O meu correspondente, que já nesta folha publicou a descrição do referido templo e jeproduziu o que no livro dos títulos dos bens de raiz da confraria toca a definição e demarcação das terras na Praia de Catuama, escreve-mc que a renda do patrimônio nunca foi aplicada, como pareceria justo, aos reparos da igreja, onde o altar-mor, que é de cedro, se acha apodrecido. Retiram-se entretanto e com justiça da renda os 600S000 anuais com que satisfazer ao vigário de Itamaracá a sua missa dos domingos.

O falecido Arcebispo D. Luís de Brito mandou por duas vezes orçar os consertos, mas hesitou diante das despesas, agora avaliadas em vinte contos, e entretanto se vai o templo cada vez estragando mais. Pelo que consta o atual arcebispo, D. Sebastião Leme, pretende vender por sessenta contos esse patrimônio duas vezes secular, o que, pondo de lado a alteração do fito do legado que principalmente o constituiu, segundo resultará da alienação, significará a total ruína do monumento histórico.

Certamente o Instituto Arqueológico não poderá encarar com indiferença o desaparecimento certo, por virtude desta operação da mitra de uma recordação mais do nosso período colonial, do qual tanto nos deveríamos orgulhar. O Forte do Buraco está indo aos pedaços, mas suas ruínas ainda são pitorescas. O do Brum vai ser demolido, como o foi a Igreja do Corpo Santo, a mais antiga do Recife, juntamente com a de São Francisco, testemunhas ambas da ocupação holandesa: no Corpo Santo fora até sepultado um parente de Maurício de Nassau, mancebo que foi vítima de uma febre suspeita. O Convento de São Francisco correu o risco de ser liquidado por patriotismo, quando se quis emprestar este nome à malvadez e ao roubo.

Em Londres, em pleno Strand, que é uma das suas mais importantes e concorridas artérias, a rua bifurcou-se para deixar de pé uma igreja com tradições iguais àquelas nossas. Em Pernambuco é que o traçado das avenidas tinha forçosamente que ser dogmático, não podendo sofrer uma modificação que nem resultaria antiestética, porquanto uma das regras essenciais que regem a estética é o amor das coisas idas, quando estas têm o seu encanto. Ora, as coisas idas não só guardam no geral o seu encanto como conservam a sua majestade. A patina do templo é um elemento insubstituível: chega a ser um feitiço. O velho palácio arquiepiscopal da Soledade, aquele casarão de longa fachada pintado de um roxo prelatício, cuja alienação aliás, defendi quando foi censurada, porque mais do que tudo respeito a liberdade de cada qual exercer seu direito e também porque o que se visava era guerrear os jesuítas, não faz talvez tanta vista, mas é cem vezes mais impressivo e respeitável do que a nova mansão de São José do Manguinho com a sua arquitetura moderna à busca de um estilo, o seu ar de palacete da Praia de Copacabana a que faltam vetustez e solenidade.

No caso de Itamaracá, o ilustre arcebispo obedece porventura à aprensão, que não é destituída de fundamento, de que nestes tempos turvos possa aparecer um governo com menos escrúpulos do que os anteriores, o qual tome posse, embora iníqua, de quanto fôr patrimônio religioso, como de resto se fêz na França generosa e liberal, deixando sem o que lhes pertence as ordens monásticas e as confrarias. A prudência pode realmente aconselhar tal medida: o que é de lamentar é que por isso venha a sofrer, já não direi o culto, ainda que custe caro a consagração de qualquer nova igreja e poucos sejam os particulares que agora se abalançam a edificá-las, mas a documentação artística, rica ou pobre, do nosso passado. Otávio em Roma teve por primeiro cuidado, para fortalecer o Império, restaurar os velhos templos que encontrou decaídos.

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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