UMA FILOSOFIA BRASILEIRA
Hugo Allan Matos[1]
Neste último semestre concentrei minha reflexão além de meu tcc[2]
em temas que versam sobre filosofia brasileira. Sobretudo, no assunto: há
filosofia e filósofos brasileiros? Agora, inspirado nas aulas e reflexões
geradas na disciplina de mesmo nome, tendo como objetivo comentar os 4 textos
indicados em uma aula intitulada como: conversas com filósofos brasileiros,
tentarei compartilhar um pouco do resultado desta reflexão “semestral”.
Antes de abordar o tema filosofia brasileira, penso ser primordial dizer
o que penso ser a filosofia. Filosofia, ao meu ver[3]
é uma forma de vida, de existência, que têm por meio o conhecimento
(teórico-práxico) e fim a prática cotidiana. Ou seja, filosofia é um modo de
existência que tem por mediação o conhecimento – histórico e atual, teórico e
prático[4]
– e têm seu fim único de transformar a realidade para melhor, visando a
reprodução de vida e a denúncia de morte. Sim, pode parecer maniqueísta ou
outras coisas, mas não vejo outra definição legítima que contrarie esta dada
por mim acima. Pois, a finalidade última de qualquer Ser é a vida, é viver.
Nunca soube de alguém que quisesse morrer, até nas experiências bem próximas de
suicídio que tive contato, ocorreram pela privação de vida digna e portanto,
não por vontade de morte. O Ser humano é ser para a vida, para a
existência. Isso parece muito óbvio, mas penso que tratar do óbvio seja uma das
funções da filosofia, pois ultimamente esta e outras afirmações tão óbvias, não
são consensuais ou comuns.
Dada esta definição de filosofia como meio[5]
de transformação social, desejo exemplificar algumas implicações que já percebo
quanto à atitude filosófica. Historicamente não conheço um só filósofo que foi
ileso em seu pensar, que não sofreu criticas, perseguições e muitas vezes fora
morto por causa de sua filosofia. Quanto mais fora do sistema vigente – e
contraditórias a ele – eram suas afirmações, maior parece que fora o que
chamarei aqui de sua recompensa filosófica. Sócrates bebeu a sicuta,
Cristo fora crucificado, muitos medievais morreram, alguns modernos tiveram
privações sociais e até de saúde[6]
e ainda hoje: o descaso, falta de reconhecimento, perseguições e críticas…
Assim, posso começar a rumar para o assunto central desta reflexão:
diante desta definição de filosofia e de filósofo, o que seria uma filosofia
brasileira? A filosofia é universal. Ou seja, se dá do particular para o
universal. E se o particular é em âmbito local, sempre partindo da experiência
concreta, pessoal do filósofo, o universal último da filosofia é o fim que
enunciamos como visar a reprodução[7]
da vida e a denúncia da morte.
E quando falo de uma filosofia brasileira, estou falando de uma
filosofia autêntica que trate da reprodução da vida e denúncia da morte no – ou
a partir do – Brasil. Ora, muitas vezes esta afirmação que já deve ter sido
realizada por outros, pode gerar espanto, mas a filosofia, ao meu ver, sempre
foi assim. O que faziam os tidos como clássicos: Platão, Sócrates, Aristóteles,
e todos os que vieram antes deles, inclusive os egípcios, mesopotâmios, etc…?
Ainda que não possa chamar o conhecimento existente antes do grego de filosofia
– mesmo este tendo contribuído enquanto pré-história necessária para o tal
nascimento dela – e depois foi cruelmente negado e esquecido na história do
ocidente – mas, desde então, passando pela Grécia, mundo antigo, medieval,
modernidade e ainda hoje, o que têm feito a filosofia autêntica se não a
utilização do conhecimento teórico-prático para transformar a sociedade para
“melhor”? E aqui entro nesta discussão qualitativa e subjetiva do termo melhor.
Melhorar a sociedade, no que tange melhora da qualidade de vida nas relações
dos sujeitos enquanto indivíduos, enquanto sociedade que interagem consigo,
entre sí e com a natureza.
Se ainda não deixei claro, penso que uma filosofia autenticamente
brasileira deve ser antes de tudo ética. Porque sua elaboração estará mediada
pela tradição filosófica eurocêntrica e a baixa auto-estima intelectual
brasileira que está acostumada com a idéia de que os brasileiros não possuem
asas metafísicas. E se assim realmente for, este problema passa a ser um
problemão porque nos remete a estas duas questões concomitantes:
O que a tradição eurocêntrica representa para o Brasil? Em uma só
palavra: opressão! Sim, pois nos destituíram do que éramos, da nossa cultura,
de nosso ser[8]
e quiseram e querem nos impor o que devemos ser, desde nossa língua até nossa
religião. Roubaram e roubam nossas riquezas e nos mantêm escravos de sua
cultura.
O segundo problema, ao meu ver, é bem pior. Existe uma classe intelectual
no Brasil, que hoje ainda é a classe hegemônica, que acha que não temos
capacidade de pensarmos por nós mesmos, respondendo aos nossos problemas e
dedicam suas vidas intelectuais à repetição desta tradição opressora,
legitimando e perpetuando a opressão em nosso meio. E como esta classe é a que
está à frente das grandes universidades do país, nos jornais e na midiogarquia[9]
em geral, as tentativas de pensamentos autenticamente brasileiros são
encobertos, rejeitados, etc.
Portanto, uma filosofia brasileira, penso eu, deve dar conta destes dois
momentos: negativo e positivo, eticamente. Negativo enquanto negação da
identidade eurocêntrica imposta a nós e assimilada em geral. E positiva enquanto propositora de caminhos que melhorem a reprodução da vida dos
brasileiros em suas diversas dimensões. Desta forma, o diálogo com a tradição
eurocêntrica enquanto pré-história de uma filosofia brasileira é mais positivo
que negativo, pois são séculos de conhecimento e portanto de instrumento
teórico-práxico. Contudo, para o momento positivo desta filosofia brasileira,
esta pré-história pouco têm a contribuir, pois se a Europa se constituiu a
partir da negação do anterior constituindo-se enquanto único ser possível
subsumindo o Outro[10]
enquanto objeto, nós, nos constituímos sendo este Outro, oprimido, aniquilado e
subsumido por eles. Agora que estamos conseguindo ao menos gritar que somos
tanto quanto eles, não podemos ignorar nossa constituição e “querer dar o
troco” simplesmente ignorando-os. Pois repetiríamos parte do erro ontológico
que eles cometeram: dizer que nós somos e eles não. O contrário, podemos
dizer-lhes: vocês erraram e nós poderemos errar em outras coisas, mas não
nisso. Permitindo assim, a alteridade[11]
em nossa filosofia, ou seja, acredito que o diálogo com a tradição filosófica
eurocêntrica de forma ética seria reconhecer os avanços positivos que houveram
e tentar avançar a partir deles na resolução de nossos problemas. A filosofia
dusseliana da libertação faz isso de forma esplêndida em âmbito Latino Americano e penso que é um ótimo ponto de partida para pensar uma filosofia
brasileira.
Desta forma, o texto do padre Vaz[12]
é positivo no sentido de mostrar o posicionamento do intelectual, como intelectual
orgânico[13],
que apesar de engajado, não está vinculado a partidos ou ideologias
específicas, é livre, mas nunca neutro, pois não existe neutralidade possível.
Já no texto de Wilson Martins[14]
gostei de algumas coisas, como por exemplo da diferenciação de filosofia no
Brasil e Filosofia do Brasil, todavia, não me ficou bem claro sua definição se
é que pretendeu uma, de filosofia. Já sobre a Marilena Chauí, comentando sua
entrevista à revista Caros Amigos em novembro de 2005, revista número 104,
mostra claramente o oposto do padre Vaz que ainda que seja um filosofar é
inautêntico por estar claramente vinculado e à serviço de uma instituição: o
partido dos trabalhadores, só pra citar, totalmente diferente da postura que
têm Frei Beto, que apesar de auxiliar e até ter ocupado um cargo “no partido”,
não deixou-se aprisionar a ele hoje é um dos maiores críticos deste. Finalizando
esta reflexão, o texto do Olavo de Carvalho[15],
sobretudo em sua definição do que é filosofia me provocou bastante. Mas, penso
que ele radicaliza muito e de certa forma dogmatiza[16]
quando diz que não há um filósofo na academia. Primeiro que é uma generalização
apressada e esse é um princípio básico muito útil a nós. Depois que partindo de
nossa definição de filosofia, a academia, assim como a educação – mesmo neste
sistema que está aí – são dois ótimos veículos para o “ensino” – ou prática –
da filosofia. No fim, concordamos que hoje, deve haver mais filósofos fora da
academia que nela. E pra não deixar esta brecha sem comentar: uma filosofia
brasileira pode sim, ser ensinada, sobretudo e principalmente com a atitude
filosófica dos filósofos que a ensinam.
[1]
Estudante de filosofia na UMESP, autor do blog
HTTP://reflexaoaltera.blogspot.com
[2]
Que tem como tema uma introdução à Filosofia da Libertação de Enrique Dussel
[3]
Esta é a definição que cheguei até hoje, com 27 anos, pode ser que não seja a
mesma pra sempre, pois acho que como todos os outros conceitos, não existe um
só que necessariamente permaneça o mesmo sempre.
[4]
Conhecimento prático pode ser o relato de um povo, modo de viver de alguém,
cultura, estética, etc.
[5]
Que traz implícita o filósofo que se doa por opção e/ou vocação a realizá-la.
[6]
Não só física, mas mental também
[7]
Reprodução enquanto melhorar e ampliar a vida, o que implica sinteticamente na
relação entre os sujeitos e deles com a natureza.
[8]
Indígena-agricultor, religioso, etc…
[9]
Mídia hegemônica que pertence à oligarquia brasileira
[10]
O Outro enquanto diferente do que os Europeus são. Ainda hoje é assim que o
eurocentro se mant6em enquanto “centro do mundo”, apesar de estar em crise e
decadência.
[11]
Neste sentido, uma filosofia brasileira deve ser áltera: não dogmática,
analética, que não emita verdades.
[12]
http://www.padrevaz.hpg.ig.com.br/artigo034.htm
[13]
Ao menos esta é a interpretação que faço do intelectual orgânico de Brecht
[14]
http://www.secrel.com.br/tributos/wmartins.html
[15]
http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm
[16]
Acho que nenhum dogma soa bem na filosofia
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