Uma visita a Roma

Uma visita a Roma

Eis-me em Roma! Apesar-dos modernos meios de locomoção, é comprida a viagem desde Lisboa à Cidade Eterna; mas ainda as­sim pareceu-me mais curta do que as catorze léguas que separam Roma de Civita-Vecchia. O encanto do imprevisto só dá tempo de contar as horas que passam. Mas embarcar para chegar a Roma, saber-se que dentro em uma hora se há-de lá estar, é coisa que até parece impossível; e francamente, depois de se passar a porta Caválleggieri, só se tem certeza de ter chegado, por causa dos nume­rosos facchini [I]), que surgem de todos os lugares, de todos os can­tos, recomendando hotéis e oferecendo-se para levar as bagagens. Mas, depois de dar mais alguns passos, o viajante encontra-se na praça de São Pedro, vê a Basílica, a ponte de Sto. Ângelo, o Castelo, o Tibre, e, tomado de admiração e entusiasmo, exclama consigo mesmo: “Sim, é Roma; não há outra cidade no mundo que possa oferecer tão grandioso espetáculo.” De-feito, desde que entrei na cidade dos Césares e dos Papas, senti-me dominado por um quer que seja de elevado, de majestoso. Antes de empreender esta viagem, folhei o livro da minha memória; e a antigüidade clássica, os he­róis pagãos, o Cristianismo nascente, perseguido e triunfante, de­senharam-me no espírito uma Roma esplêndida, ideal. Pois esqueci tudo, e tudo pareceu pequeno diante da suntuosa praça que se os­tentava aos meu olhos. Se, depois disto o viajante, deixando à es­querda o Ospedale di S. Spirito, fôr contemplar sôbre a margem do , rio a ponte de Santo Ângelo com o forte do mesmo nome, e, se, co­mo eu vi, as águas plácidas do Tibre forem douradas nessa ocasião pelos últimos raios do sol poente, uma só coisa deve fazer: partir, para nunca mais pisar o solo da Cidade Eterna, e voltar à pátria, conservando no mais íntimo da alma uma lembrança que só mor­te apagará. Roma deputava antigamente os seus filhos mais ilus­tres para irem a Atenas estudar e aprender o código do saber hu­mano. Hoje, de todos os pontos do globo, a religião e as belas artes enviam deputações a Roma, para escutarem e trazerem de lá a palavra de S. Pedro e as leis do gênio, que os mestres da antigüidade e da renascença deixaram escritas em suas obras imortais.

Ao penetrar pela primeira vez no Forum 1), que era para Ro­ma o que Roma era para o Universo, que viajante conhecedor da história dêstes lugares não experimentará uma grande e profunda comoção? O pensamento está como que agrilhoado, prsêo ao pas­sado. O arado que traçou o círculo da cidade de Rômulo 2) só abrangeu dentVo do seu sulco o monte Paladino e o Forum. Por conseqüência êste lugar, berço de Roma, tem assistido a tôdas as transformações de aumento, de esplendor e de decadência.

capitólio roma - ilustração

Defronte do templo da Vitória erguia-se o de Vesta, que no tempo de Cômodo 3) foi prêso das chamas. Aqui, vêm-se os restos dos templos consagrados a Júpiter Stator, a César, a Rômulo. Mais perto do Capitólio 4) encontra-se o viajante ao pé do Arco de Septímio Severo 5), copiado em Paris no Caroussel. Acolá, depara-se-lhe a coluna de Focas 6) o tirano, e a Roma do Baixo Império. Além da vil e torpe adulação de um povo corrompido, esta coluna traz à memória as furiosas polêmicas da erudição. Quantas disserta­ções amontoaram os arqueólogos e antiquários para descobrir a origem dêste monumento? E bastou levantar a terra que lhe co­bria a. base, para encontrar uma inscrição, que reduziu a nada tô- das as especulações dos senhores sábios.

Em nenhuma outra parte se manifesta, como aqui, tão pro­funda oposição entre a Roma antiga e a moderna.

A Igreja cristã ergue-se sobre as ruínas do templo pagão: o Cristianismo triunfante sobrepõe-se ao paganismo, expressão elo­qüente da grande evolução das idéias.

S. Pedro é o monumento por excelência da Roma cristã. E’ de todo impossível dar uma descrição perfeita dos sucessivos es­plendores dêste incomparável edifício. Mas o homem do norte, educado e habituado a contemplar as catedrais góticas, tão admi­ràvelmente proporcionadas, diante desta arrojadíssima concepção vê cair por terra tôdas as suas teorias.

Na opinião dêle, os templos, em que as orações sobem ao céu como um incenso, não pediam ter senão a forma, ogival; e não era possível separar do culto as abóbadas tão engenhosamente dispos­tas, as agulhas esguias, elegantes e graciosas. Os sons do órgão pareciam-lhe não poder vibrar senão dentro dos edifícios góticos, que os países setentrionais mostram com orgulho ao mundo intei­ro. S. Pedro, pelo contrário, em muitos pontos é mais um monu­mento artístico do que religioso. Menos antigo que as catedrais góticas, sem oferecer à admiração dos visitantes a flecha de Anvers ou de Strassburgo, os nichos, os balaustres, as pilastras da fachada são maravilhas da ciência, de imaginação, de gôsto.

E’ a arte de uma época e de um povo inteligente e civilizado.

E’ baldado empenho querer definir a sensação que se experi­menta diante dêste incomparável monumento.

Afirmam alguns, e eu o acredito, que a grandeza de S. Pedro não pode ser devidamente avaliada, nem ainda depois de muitas visitas.

Provém esta dificuldade da proporção exata de tôdas as suas partes. E, em verdade, o edifício não só excede os limites de to­dos os objetos conhecidos por tal forma, que os testemunhos da experiência não bastam para apreciá-lo, mas a harmonia de todos os seus elementos é tão perfeita, que não há têrmo de comparação, segundo o qual se possa ajuizar de sua imensidade. Pombos colos­sais, que voam sôbre cornijas mais altas do que montanhas, santos gigantes, letras que se lêem, apesar-da elevação extraordinária em que estão colocadas, não podém fazer acreditar em tamanha gran­deza e vastidão…

1) S. Pedro é uma verdadeira maravilha, e podemos dizer, sem mêdo de errar, a obra mais grandiosa dos tempos modernos.

Forum — praça pública na antiga Roma, lugar das assembléiaspúblicas.

2) Rômulo —• fundador e primeiro rei de Roma, 763-714 antes de »Jesus Cristo.

3) Cômodo — imperador romano (161 -192 p. Cr.)

4) Capitólio — templo de Júpiter e cidadela no monte Capitolino em Roma.

5) Septímio Severo imperador romano

6) Focas — imperador do Oriente (602-610).


[I] Facchini — (pal. ital.) homens de ganhar, carregadores.

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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