Varka – CONTOS de Tchecov

VARKA

ANOITECE.
Varka balança com o pé um berço    onde chora uma criança, cantarolando
monotonamente:

—  Bain
bainscki bain.
..

Uma lâmpada verde brilha diante de uma imagem de santo. Um
par de grandes calças negras pende de uma corda. A lâmpada projecta uma mancha
verde sobre as coisas e as calças fazem dançar som­bras na parede e no berço. A
chama vacila como tocada pelo vento. O ar é sufocante, impregnado de um odor de
sapatos, de couro, de tinta.

O menino chora. Não cessa de chorar e de gemer;
está extenuado, sua vozinha tornou-se rouca; mas ele chora ainda, sem parar.

Varka tem sono. Seus olhos fecham-se, sua cabeça
inclina-se para o peito. Mal pode abrir os olhos, tanto lhe pesam as pálpebras.

—  Bain bainscki bain... murmura com voz
ex­ tinta, — bain bain...

Um grilo estridula numa frincha do chão. No apo­sento
vizinho, ouve-se a máquina do sapateiro.

O berço range lamentosamente. Varka cantarola, e
tudo se confunde num doce murmúrio que convida ao sono. Mas não se deve dormir!
Varka resiste ao torpor que a invade, porque, se por desgraça ador­mecesse, o
patrão bater-lhe-ia. A chama da lâmpada vacila.  A mancha verde e a sombra
negra dançam diante dos olhos fixos
que "Varka se esforça por con­servar abertos. Sonhos indistintos vagam no
seu cé­rebro amodorrado. Ela vê nuvens negras que se perseguem, gritando com
voz infantil. As nuvens se desfazem e Varka divisa uma estrada, longa, negra e
lamacenta. Filas de carros avançam lenta­mente; homens caminham vagarosamente,
sombras se agitam aqui e acolá! Através de uma névoa cin­zenta e fria ela
entrevê os albergues, dos dois lados da estrada. As sombras se alongam, os
viajantes perdem-se na estrada lamacenta.

—    Por quê? — pergunta
Varka.

—    Para dormir, para
dormir…

E dormem um sono de chumbo, profundamente, en­quanto sobre
os fios telegráficos corvos gritam, com voz infantil, para acordar aqueles
homens…

—   
Bain
bainscki hain. ..

canta Varka, e, sú­bito, acha-se numa mísera isba negra, acanhada e
sufocante. Não é aquele seu pai, Efim Stepanov, que ali jaz por terra e se
estorce em sofrimentos atrozes? Ela vê, mas não ouve os gemidos. É a sua hérnia
que o atormenta. A dor é tão forte que ele não pode falar; respira penosamente,
com um gargarejo con­tínuo :

—    Groo… groo… groo…

Eis a mulher, Pelágia, que se precipita para fora da isba,
para dizer ao patrão que Efim é moribundo. Quando voltará? Saiu já há muito
tempo e Varka espera-a. Varka está acordada perto do fogão, mas não dorme e
escuta o ofegar do moribundo:

—  Groo… 
groo… groo…

Finalmente,
um rumor de rodas que se dirige para a isba, Um médico que vem visitar o
doente. Entra no quarto. A escuridão é tanta que Varka não o vê, mas ouve a sua
voz.

—  Dê-me
uma luz! — exclama ela.

A mãe
acende uma vela. Efim sufoca.

—   
Que
tem? pergunta o médico curvando-se so­bre ele.

—    Que tenho? Morro.  Está
acabado.

—   
Ainda
não. Salvar-te-emos. Havemos de curar–te.

—   
Se
vossa senhoria acha, agradeço-lhe muito. Mas se a morte está aqui, paciência.

O médico examinava o doente. Os minutos cor­riam.

—   
Não
posso fazer nada, — disse, é preciso man­dá-lo para o hospital para ser
operado; mas isto de­pressa, sem perder um minuto. É tarde, e no hospital devem
todos estar recolhidos, mas eu darei um bi­lhete de recomendação para o
director. Compreen­deu?

—   
Mas
ele não pode andar, senhor! Nós não te­mos cavalo! gemeu a mãe.

—   
Mandarei
buscá-lo — disse o médico, e foi-se, e a vela apagou-se e Varka ouve novamente:

—    Groo… groo… groo…

Alguns instantes depois pára um carro à porta. Recebe Efim e
parte…

É dia. O tempo está alegre. A mãe vai ao hospi­tal
saber notícias. E volta. Entrando na isba, faz o sinal-da-cruz e chora.

—  Operaram-no, e a princípio estava melhor, mas
depois, pela madrugada, morreu. Que Deus o tenha em sua paz. Disseram que era muito tarde, que de­víamos
tê-lo mandado mais cedo para o hospital.

Eis Varka no meio do bosque. Caminha ao lado da
mãe, e chora, chora amargamente.

De repente ela recebe uma pancada na cabeça, tão violenta
que cai e bate com a cabeça numa árvore. Abre os olhos e vê o patrão, o
sapateiro:

—  Que fazes, preguiçosa ?! — grita ele. O
menino
chora e tu dormes!

E puxa-lhe as orelhas; ela recomeça a balançar o
berço, cantarolando:

—  Bain
bainscki ha/m.
..

A mancha verde e a grande sombra negra dançam na
parede, e o cérebro dela se entorpece. Ei-la nova­mente na grande estrada
lamacenta. Os viajantes dormem profundamente. Varka tem sono também, tem tanto
sono e seria tão feliz se pudesse dormir… Mas sua mãe caminha sempre e
arrasta-a pela mão. Dirigem-se à cidade em busca de trabalho.

—   
Uma
esmola, pelo amor de Deus! — mendiga a mãe durante todo o caminho. Tende
piedade…

—   
Depressa,
dá-me o menino! — responde uma voz tonitruante: — dá-me o menino! Tu dormes, ca­nalha!
— grita a voz irritada e rude.

Varka
levanta-se, estremunhada. Sim, compreen­de : não mais a longa estrada, os
viajantes, a imagem da mãe. É a patroa que aparece no meio do quarto, que vem
aleitar o menino. Aquele era o passado de Varka, visto em sonho; este é o
presente.

Enquanto a gorda patroa alerta o menino, pro­curando
adormecê-lo, Varka, de pé, lança os olhos pela janela. O céu empalidece, a
sombra e a mancha verde estão quase desvanecidas: dentro em pouco será dia.

—  Toma, segura o menino! ordena a patroa, abotoando
a camisa no peito. Ele chora sempre. Tu com certeza o maltrataste!

Varka torna a deitar o menino e recomeça a em­balá-lo.
Que sono terrível! Os olhos se lhe fecham, a cabeça pesa-lhe como chumbo.

—  Varka, é tempo de acender o fogão, — brada a voz
do patrão.

É preciso levantar-se e trabalhar. Varka larga o
berço e vai buscar a lenha. Está contente de poder mover-se, andar, espantar
aquele sono tremendo. Está pronto o fogo. Suas idéias aclaram-se, seu rosto
distende-se.

—    Varka! o samovar!
depressa! grita a patroa. Varka apronta o samovar e recebe nova ordem.

—    Varka, vai limpar as
botas do patrão!

E ela acocora-se para limpar as botas. Ah! como
seria bom meter a cabeça dentro de uma daquelas botas e dormir! Varka escancara
os olhos e sacode–se vigorosamente.

—  Varka, vá lavar a sala! Está que é uma vergo­
nha ! E os fregueses não tardam!

Varka lava rapidamente o chão, varre tudo, limpa
tudo, acende o outro fogão! O tempo urge: não há um momento a perder.

O dia passa. Varka vê com alegria a noite que
chega. O ar fresco da noite promete-lhe um longo e profundo sono. Mas, quando a
noite chega, chegam visitas.

—  Varka! —
grita a patroa, depressa, o samovar!

O samovar é pouco, e Varka deve ferver mais
água, enquanto os patrões e os visitantes abancam-se em torno da mesa.

—  Varka corre a buscar três garrafas de
cerveja!
Varka, os copos! Varka!

Vão-se finalmente os visitantes. Apaga-se a luz; os patrões
vão deitar-se.

—  Varka!
vai embalar o menino! dizem eles.

O grilo canta, a mancha verde e a sombra negra
agitam-se novamente ante os olhos sonolentos e entorpecem-lhe o cérebro.

—  Bain
bainscki bain…

O menino grita… Varka revê a estrada lama­centa, os
viajantes, a sua mãe Pelágia, seu pai Efim… Reconhece-os perfeitamente, mas
não pode ver o monstro que a tortura, que a tem amarrada de pés e mãos, que a
sufoca, que a impede de viver.

Volve a cabeça de todos os lados e procura aquele inimigo
infernal, para libertar-se. Em um esforço supremo, abre os olhos, vê a mancha
verde, a sombra negra que se agita, quando, de súbito, um grito do menino
fere-lhe os ouvidos.

Finalmente! Varka encontrou o inimigo que a im­pede
de viver. É aquele menino o seu inimigo impie­doso ! E ela ri, espantada de o
não haver descoberto antes. Que estúpida! A mancha, a sombra, o grilo, tudo ri
com ela, tão estúpidos como ela. Uma idéia luminosa passa-lhe no cérebro
pesado. Levanta-se va­garosamente do escabelo em que está sentada, com um claro
sorriso no rosto embrutecido, e dá alguns passos. A idéia de libertar-se do
menino aparece-lhe mais viva. Libertar-se daquele que a impede de viver!
Precisa matá-lo, e depois dormir, dormir, dor­mir …

Sorrindo, rindo, e piscando os olhos para a
mancha verde, Varka avizinha-se do berço, curva-se sobre o menino: e sufoca-o.
Depois estende-se rapidamente no chão, sorrindo de alegria ao pensamento de que
finalmente poderá dormir. E adormece logo.

Varka dorme um sono profundo e pesado como a morte.

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