A entrevista de Fellini foi feita no ano de sua morte, em 1993,
logo depois dele ter sido homenageado pela indústria de cinema americana
através do Oscar em homenagem ao conjunto da obra. Era um momento de
transição, em que a Itália se modernizava, mas ao mesmo tempo grandes
nomes que influenciaram a cultura e a imaginação de outras gerações
ainda estavam vivos. Fellini, portanto, era como um patrimônio cultural,
porém pretensamente assimilado: tinha dificuldades de encontrar financiamento
para seus filmes, que eram custosos e rendiam pouco, enquanto a publicidade
queria mais se aproveitar do prestígio do seu nome do que incentivam
novas produções. O grande diretor, normalmente inacessível, ao conceder
a entrevista, representava a história viva onde foi um dos protagonistas,
com o olhar pessoal sobre o conjunto de uma era e suas problemáticas
em paralelo com o conjunto da sua obra.
Alguns binômios aparecem nas temáticas abordadas nas conversas. Por
exemplo, a relação entre o popular e o "erudito", no cinema
o problema de tornar palatável e consumível para as massas ("for
the millions") filmes significativos, que sempre dizem mais do
que apenas o que está expresso em primeira instância. Sendo parte
da pleíade clássicos, ao mesmo tempo critica a indústria cultural
e a sociedade do espetáculo. Ao lembrar ao entrevistador que sua carreira
começou como roteirista, Fellini menciona que recheou um roteiro de
"gags" divertidas e isso funcionou, no sentido que caiu no
gosto do público e o filme "fez dinheiro".
Gofredo Voppi repara que Fellini trafegava com "soberana indiferença"
por autores distintos durante sua fala. Isso fica particularmente claro
quando ele fala de Jung e Kafka. Desconsiderando as ressalvas da abordagem
acadêmica, que de certa forma é submissa aos autores em que se especializa,
Fellini fala de suas influências literárias como também um autor
– daí o "soberano". Tira a significação para sua própria
época e para os problemas que identificava no presente a partir dos
estudos da psicanálise junguiana, em que admite que alguns trechos
eram mais para os estudiosos mesmo, e da literatura de Kafka.
Essas duas infuências são emblemáticas para entender a dimensão
do cinema de Fellini, em que a memória é expressa dentro de um mundo
reconstruído que procura pensar a realidade em suas contradições,
e onde há espaço para o exagero, o burlesco, e o insano, num conjunto
de dimensões que, admitidas e trazidas a tona para dentro do tecido
social, permitem não apenas retratar como resignificar uma realidade
sem pretender sublevar o estranho ao plano da insignificância. O diretor
comenta de sua experiência dentro de um manicômio feminino, com sua
admiração pelas potencialidades contagiosas da loucura controlada
e oficializada de forma institucional, a mais bela acabada expressão
da liberdade. Um certo grau de loucura, no final, é não somente
admissível, como necessário.
O método de Fellini para atingir seu objetivo pretende ser ao mesmo
tempo "artesanal" e científico, como ele faz questão de
frisar. Há um conjunto de técnicas e saberes científicos propositadamente
escolhidos e desenvolvidos para atingir o efeito desejado. Com isso,
o diretor pretende atingir uma concepção de história que envolve
camadas normalmente inalcançáveis pela rigidez dos métodos, dentro
das potenciaidades do plano da ficção e da memória psicológica,
que trazem uma visão de mundo que nunca perdeu a candura da infância,
ou da "eterna adolescência" e dentro, talvez, de intuições
reais mas incertas que pretender ser reveladas, também, a partir
do inconscienciente coletivo junguiano. Nela, há espaço para o trabalho
que chama de "mediúnico" – aqui é possível uma relação
com a trama que sua esposa, Massimo, vive em Giulietta dos Espíritos.
A vida de Fellini está em seus filmes de forma tão contundente quanto
o contexto cultural que o formou e ajudou a formar.
O mundo recriado do diretor com todos esses elementos precisou ser trabalhado
dentro de estúdio. Sua liderança nesse ambiente era diferente, porém,
do que observou na sua origem: averso a demonstrações de autoridades,
especialmente com as mulheres, que sua obra sempre tratou de maneira
principal e original, com profunda reverência. Uma interessante alusão
às críticas que recebeu de feministas e sua "mortificação"
com tal fato aparece: as conquistas de direitos das mulhers, para ele,
seriam apenas "indulgências de má fé" concedidas pelos
homens. Mas ao falar das mulheres, fala do uso que ele e os ohmens
fazem dela, delegando-as um papel apropriado para a expressão dos conflitos
do mundo imaturo dos homens, por conta da sua maleabilidade e versatilidade.
Fellini fala, todavia, da influência de seu mestre, Rosselini, do neorealismo,
que ao contrário de seus filmes com enigmática surreal criada em estúdio,
conseguia encontrar no retrato da simples realidades a força de símbolos
necessária para atingir a dimensão da arte. Do mestre, Fellini aprendeu
como se mover dentro daqueles ambientes de estúdio, ao mesmo tempo
que saía para as ruas como um "saltimbanco", de forma malandra,
aceitando a época e ambiente devastado, sem contudo deixar-se abater,
passando pelos escombros da guerra e dos seus horrores de vítimas e
necessitados.
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