BATALHA DE POLTAVA (Grande Guerra do Norte – 1700- 21) – Voltaire historiador

"HISTÓRIA DE CARLOS XII, Rei da Suécia"

 

Autor: VOLTAIRE

Veja também: História da Suécia no século XVI.

BATALHA DE POLTAVA

Foi a 8 de Julho do ano de 1709 que se travou essa batalha decisiva de Pultava, entre os dois mais singulares monarcas que o mundo já dera: Carlos XII, famoso por nove anos de vitórias consecutivas, e Pedro Alexiowitz, por nove anos de provações, sofridas no esforço de formar tropas iguais às suecas; um, glorioso por haver doado Estados; outro, por haver civilizado os seus; Carlos XII amando o perigo e não combatendo senão pela glória; Alexiowitz não Tugindo ao perigo, mas não fazendo a guerra senão por interesse; o monarca sueco, liberal pela grandeza de alma; 0 moscovita, não lutando senão com um objectivo em vista; aquele, de uma sobriedade e continência sem-par, magnânimo por natureza, tendo agido com crueldade em uma única ocasião 14; este, não se tendo despojado da rudeza de sua educação e da de seu país, tão terrível para os súbditos quanto admirável aos olhos dos estrangeiros, e muito inclinado aos excessos, que contribuíram para abreviar-lhe os dias. Carlos XII possuía o título de invencível, que um momento poderia arrebatar-lhe; as nações já haviam dado a Pedro Alexiowitz o cognome de grande, que uma derrota não poderia fazê-lo perder, pois que ele não o devia a vitórias.

Para ter-se uma ideia nítida dessa batalha e do lugar onde se travou, é preciso figurar Pultava ao norte, o acampamento do rei da Suécia ao sul, estendendo-se um pouco para oriente, com a retaguarda a cerca de uma milha, e o rio de Pultava ao norte da cidade, correndo do oriente para o ocidente.

14 Patkul, patriota livoniano, tinha procurado libertar seu país do jugo sueco. Servira sucessivamente na Polónia e na Rússia. Era embaixador da Rússia na Polónia, quando foi entregue por Augusto II a Carlos XII, que não quis ver nele senão um rebelde e traidor, mandando esquartejá-lo sem piedade. Esse facto se passou em 1707.

O czar havia atravessado o rio, a uma légua de Pultava, do lado do ocidente, e começava a assentar acampamento. Ao romper do dia, os suecos surgiram de suas trincheiras, com quatro canhões de ferro por toda sua artilharia — o resto fora deixado no acampamento, com cerca de três mil homens; quatro mil permaneceram na retaguarda. De sorte que o exército sueco marchou contra o inimigo com vinte e um mil homens, aproximadamente, dos quais cerca de dezesseis mil eram suecos.

Os generais Rehnskold, Roos, Levenhaupt, Slipenbach, Hoorn, Sparre, Hamilton, o príncipe de Wurtemberg, parente do rei, e alguns outros, que na sua maioria haviam assistido à batalha de Narva, recordavam todos aos oficiais subalternos essa jornada, em que oito mil suecos tinham destruído um exército de oitenta mil moscovitas num campo entrincheirado. Os oficiais, por sua vez, relembravam-na aos soldados; e todos se encorajavam, marchando. O rei dirigia a marcha, carregado numa padiola 15, à frente da infantaria. Parte da cavalaria avançou, a uma ordem sua, para atacar a dos inimigos, iniciando-se a batalha por essa manobra, às quatro e meia da manhã. A cavalaria inimiga encontrava-se a ocidente, à direita do acampamento moscovita; o príncipe Menzikoff e o conde Gollovim tinham-na disposto com intervalos, entre os redutos guarnecidos de canhões. O general Slipenbach, à frente dos suecos, arremessou-se contra a cavalaria. Todos os que serviram nas tropas suecas sabem que era quase impossível resistir-lhes o furor do primeiro choque. Os esquadrões moscovitas foram rompidos e desbaratados. O czar acorreu, em pessoa, para reconstituí-los; seu chapéu foi furado por uma bala de mosquete; Menzikoff teve três cavalos mortos debaixo dele; os suecos gritavam vitória.

Carlos XII não duvidou de que a batalha estivesse ganha. Enviara, no meio da noite, o general Creutz, com cinco mil cavaleiros ou dragões, para assaltar o inimigo de flanco, enquanto ele os atacaria de frente; mas quis a má sorte que Creutz se transviasse, não mais aparecendo. O czar, que já se julgava perdido, teve, assim, tempo de reorganizar sua cavalaria; e lançou-se, por seu turno, contra a do soberano sueco, que, não estando amparada pelo destacamento de Creutz, cedeu por sua vez. O próprio Slipenbach caiu prisioneiro nessa sortida. Ao mesmo tempo, setenta e dois canhões atiravam do acampamento sobre a cavalaria sueca, e a infantaria russa, destacando-se de sua linha, vinha atacar a de Carlos XII.

15 Havia sido ferido no calcanhar, no dia 27 de Junho, numa sortida dos sitiados.

 

O czar designou, então, o príncipe Menzikoff para ir postar-se entre Pultava e os suecos. Menzikoff executou com presteza e habilidade a ordem: não somente cortou a comunicação entre o exército sueco e as tropas que haviam permanecido no acampamento diante de Pultava, como, tendo encontrado um corpo de reserva de três mil homens, envolveu-o e destroçou-o. Se Menzikoff realizou essa manobra por iniciativa própria, a Rússia lhe deve a salvação; se o czar a ordenou, era ele um digno adversário de Carlos XII. Entretanto, a infantaria moscovita saía de suas linhas e avançava em ordem de batalha pela planície. Por seu lado, a cavalaria sueca concentrava-se a um quarto de légua do exército inimigo; e o rei, auxiliado pelo seu marechal de campo Rchnskold, dava todas as ordens para um combate geral. Dispôs em duas fileiras o que restava de suas tropas, a infantaria ocupando o centro e a cavalaria os dois flancos. O czar dispôs seu exército da mesma maneira; tinha vantagem numérica e a de possuir setenta e dois canhões, enquanto os suecos não lhe opunham senão quatro, para os quais já começava a faltar pólvora.

O imperador moscovita encontrava-se no centro do seu exército, no qual ocupava, então, o simples posto de ma-jor-general, e parecia obedecer ao general Sheremetoff. Mas, como imperador, ia de grupo em grupo, montado num cavalo turco, presente do Sultão, exortando os capitães e os soldados e prometendo recompensas a cada um.

Às nove horas da manhã recomeçou a batalha. Um dos primeiros disparos do canhão moscovita levou os dois cavalos da padiola de Carlos XII, logo substituídos por dois outros; um segundo disparo fez a padiola em pedaços, deitando o monarca por terra. Dos vinte e quatro dra bans que se revezavam para conduzi-lo, vinte e um foram mortos. Os suecos, consternados, desorientaram-se, enquanto o canhão inimigo continuava a castigá-los; a primeira linha se retraiu sobre a segunda e a segunda desertou. Foi nesta última manobra que uma linha de dez mil homens da infantaria russa desbaratou o exército sueco, tanto as coisas tinham mudado.

Todos os escritores suecos dizem que seus compatriotas teriam ganho a batalha se não houvessem cometido faltas; mas todos os oficiais pretendem que, se grande foi a falta de haver-se oferecido essa batalha, maior ainda foi a de se terem internado naquelas regiões desoladas, a despeito de conselhos mais prudentes, para combater contra um inimigo aguerrido, três vezes mais forte do que Carlos XII, pelo número de homens e pelos recursos de que careciam os suecos. A lembrança de Narva foi a principal causa da desgraça de Carlos XII em Pultava.

Já o príncipe de Wurtemberg, o general Rehnskold e vários oficiais principais estavam prisioneiros; o acampamento diante de Pultava forçado; e tudo numa confusão em que não havia mais recurso. O conde Piper 17 e alguns oficiais da chancelaria tinham abandonado o acampamento e não sabiam o que fazer, nem o que fora feito do monarca. Vagavam pela planície, quando um major de nome Bère ofereceu-se para conduzi-los para a retaguarda; mas as nuvens de pó e a fumaça que cobriam o campo, e a alucinação de espírito, natural em tais desolações, conduziram-nos directamente à contra-escarpa da cidade, onde foram todos capturados pela guarnição.

16 Espécie de guarda de corpo dos reis do norte da Europa.

17 Charles Piper era primeiro ministro de Carlos XII, a quem seguiu em todas as campanhas. Feito prisioneiro em Pultava, foi encerrado na fortaleza de Schlusselbourg, onde morreu no ano de 1716.

 

O soberano não queria fugir e não podia defender-se; linha no momento, junto de si, o general Poniatowski, coronel da guarda sueca do rei Estanislau, homem de raro mérito, que no seu apego a Carlos XII o seguira à Ucrânia, sem nenhum comando. Era um homem que, em todas as circunstâncias da vida e nos perigos, em que outros não dispõem senão do valor próprio, sempre soubera agir com rapidez, bem, e com rara felicidade. A um sinal seu, dois drabans seguraram o monarca por baixo dos braços e o colocaram a cavalo, a despeito das dores cruciantes causadas pelos ferimentos.

Poniatowski, embora não tivesse posto de comando no exército, tornou-se, na ocasião, general pela necessidade. Reuniu quinhentos cavalerianos junto à pessoa do rei; uns eram drabans; outros, oficiais; alguns, simples soldados. Essa tropa, reunida e reanimada pela desgraça do seu soberano, abriu uma brecha através de mais de dez regimentos moscovitas e conduziu Carlos XII por entre os inimigos, pelo espaço de uma légua, até a retaguarda do exército sueco.

O soberano, em fuga e perseguido, teve morto o cavalo que montava; o coronel Gierta, ferido e esvaindo-se em sangue, deu-lhe o seu próprio corcel. Assim, foi obrigado a trocar duas vezes de cavalo na sua fuga, esse conquistador que não pudera montar durante a batalha.

Tão assombrosa retirada era algo de excessivo neste grande desastre; mas tornava-se urgente fugir para mais longe. Encontraram na retaguarda a carruagem do conde Piper, de que o soberano não mais se servira desde que deixara Estocolmo. Colocaram-no no carro e tomaram precipitadamente a rota do Boristeno 18. O rei, que desde o momento em que o tinham posto a cavalo até a chegada à retaguarda não havia pronunciado uma só palavra, perguntou, então, o que era feito do conde Piper. "Foi capturado com toda a chancelaria" — responderam-lhe. "E o general Rehnskold, e o duque de Wurtemberg?" — tornou o soberano. "Foram também aprisionados" — disse-lhe Ponia-towski. "Prisioneiros dos Russos!" — exclamou Carlos XII, erguendo os ombros. "Vamos, pois; entreguemo-nos antes aos Turcos" 19. Sua fisionomia não denotava, contudo, abatimento, e quçm o visse então e ignorasse seu estado, não o imaginaria, absolutamente, vencido e ferido.

18 Antigo nome do Dnieper.

 

Enquanto o monarca se afastava, os russos capturaram sua artilharia no acampamento diante de Pultava, sua bagagem e seu cofre militar, onde encontraram seis milhões em moeda, despojos dos poloneses e dos saxões. Perto de nove mil homens, suecos e cossacos, foram mortos na batalha; cerca de seis mil caíram prisioneiros. Restavam, ainda, perto de dezesseis mil homens, tanto suecos e poloneses como cossacos, fugindo na direcção do Boristeno, sob o comando do general Levenhaupt, que marchava por um lado com as tropas fugitivas, enquanto o soberano seguia por outro caminho com alguns cavaleiros. A carruagem em que ele se encontrava desarranjou-se no caminho; tiveram de colocá-lo de novo a cavalo. Por cúmulo da infelicidade, perdeu-se, durante a noite, num bosque, e ali, sua coragem não podendo mais suprir-lhe as forças esgotadas, as dores do ferimento tornando-se mais insuportáveis pela fadiga, o cavalo caindo de exaustão, deitou-se o soberano, por algumas horas, ao pé de uma árvore, em risco de ser surpreendido a qualquer momento pelos vencedores, que o procuravam de todos os lados.

Finalmente, na noite de 9 para 10 de Julho, encontrou-se diante do Boristeno. Levenhaupt acabava de chegar com o que restava do exército. Os suecos puderam rever, com um misto de alegria e dor, seu soberano, que já julgavam morto. O inimigo aproximava-se; não se tinha nem ponte para atravessar o rio, nem tempo para construí-la, nem pólvora para a defesa, nem provisões para impedir de morrer de fome um exército que não se alimentava há dois dias. Entretanto, o restante desse exército era constituído de suecos, e o rei vencido era Carlos XII. Quase todos os oficiais acreditavam que esperariam ali, de pé firme, os russos, e que pereceriam ou venceriam às margens do Bo-risteno. Carlos XII teria tomado, sem dúvida, tal resolução, se não estivesse aniquilado pela fraqueza. Seu ferimento supurava; ele estava febril; e segundo já foi observado, a maioria dos homens mais intrépidos perdem com a febre consequente de supuração o instinto do valor pessoal, que, como as outras virtudes, requer um cérebro em bom funcionamento. Carlos XII não era o mesmo naquele momento; foi o que me asseguraram e é o que parece mais verossímil. Arrastaram-no como a um doente, sem dar acordo de si.

19 Carlos XII achava os Russos muito bárbaros para que pudesse entregar-se a eles.

Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.

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