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XL. No
entretanto, os cônsules, vendo que Aníbal havia partido, vieram com seus
exércitos a Cápua e a sitiaram de todos os lados. Aníbal, vindo a saber disso,
veio com seu exército bem equipado e em boa ordem à Campânia e foi logo atacar
o acampamento dos romanos, tendo antes advertido os campanianos de fazer também
ao mesmo tempo uma incursão contra eles. Os generais romanos, ao primeiro
movimento dos inimigos, repartiram entre si o exército e marcharam. Os
campanianos foram facilmente repelidos para a cidade; contra Aníbal travou-se
um duro combate. Se ele em outras vezes se havia mostrado valente e corajoso
comandante, mais teve de o fazer nessa contingência. Procurou surpreender os romanos
com algum ardil. Quando seus homens estavam já bem perto, para forçar o campo
inimigo, ele mandou alguns, que falavam bem a língua latina, que gritassem em
altas vozes, que, por ordem dos cônsules, os romanos se salvassem nas montanhas
vizinhas, porque eles tinham perdido quase todo o acampamento e as
fortificações. Esses gritos, dados de improviso, teriam impressionado
facilmente os que os haviam escutado, se os romanos, habituados aos expedientes
e ardis próprios de Aníbal, não tivessem descoberto a fraude e a esperteza
dele, em querer enganá-los ainda uma vez. Pelo que, reanimando-se, uns aos
outros, fizeram o inimigo recuar e o obrigaram a se recolher ao seu
acampamento, contra sua vontade.

XLI. Aníbal, depois de ter tentado todos os
meios de que se podia servir, para fazer levantar o cerco de diante de Cápua,
vendo que nada conseguia, estava em grande inquietação pelo perigo da cidade e
dos seus aliados: por isso determinou recorrer à deliberação que ele tinha há
muito tempo tomado e reservado quase como o recurso extremo. Mandou preparar a
bagagem e fez o exército marchar com grande cuidado e menor rumor possível; passando o rio Vulturno, atravessando o
país dos sidicimanos, alifanianos e cassinianos, partiu para Roma de bandeiras
desfraldadas, julgando que assim, ou de nenhum outro, ele faria levantar o
cerco que, com tanta pertinácia, estava plantado diante de Cápua. Isto foi
relatado em Roma, por alguns enviados; eles ficaram tão atemorizados, que
jamais parece ter havido tanto medo na cidade como então. Viam marchar contra
eles o seu maior inimigo, de bandeiras ao vento; tantas vezes tinham
experimentado seu poder com grande detrimento para os negócios do estado e
aquele que eles não tinham podido conter, ausente, viam agora, presente,
ameaçando reduzir à escravidão o senado e o povo romano. Estava, pois, toda a
cidade em tal temor; mandaram por isso que Fúlvio Graco, um dos generais
romanos, regressasse de Cápua, e que os novos cônsules, Sulpício Galba (49) e
Cornélio Centimalo, acampassem fora da cidade, que o pretor C. Calpúrnio
colocasse uma guarnição grande e poderosa no Capitólio e que os cidadãos que
tinham tido algum cargo supremo fossem comissionados para exercer a sua
autoridade e poder em determinados movimentos que se poderiam realizar fora da
cidade. Aníbal marchava sempre sem parar; chegou até ao rio Aniano, onde
acampou, a légua e meia da cidade, e logo depois chegou com dois mil cavaleiros
tão perto dela, que, cavalgando diante da porta Colina até o templo de
Hércules, ele teve oportunidade de contemplar, comodamente, o prado e as
muralhas da grande cidade. Vendo isso, Fúlvio Flaco não o pôde tolerar: mandou
imediatamente contra ele alguns soldados romanos, que atacando Aníbal com
grande rapidez, como lhes havia sido ordenado, fizeram-no recuar, sem
dificuldade. XLII. No dia seguinte, Aníbal levou seu exército para fora
do campo, ordenou seus homens para a luta, determinando combater quanto antes,
se pudesse atrair o inimigo à luta. Os romanos, por sua vez, fizeram o mesmo.
Pelo que, os dois exércitos marcharam um contra o outro, com tal celeridade e
animação, que parecia que eles não temiam perigo algum, contanto que pudessem
conquistar a vitória, naquele dia. De um lado, os cartagineses deviam pouco
depois combater pela monarquia .de todo o mundo, a qual eles julgavam depender
dessa batalha, como sendo a última. De outro lado, os romanos deviam combater
pelo seu país, pela sua liberdade, pelos seus bens, isto é, se eles os
conservariam ou se cairiam sob o poder do inimigo. Aconteceu, porém, uma coisa
digna de memória. Pois quando estavam aguardando a luta, esperando o sinal de
atacar, caiu uma chuva tão forte, um temporal tão violento, que todos foram
obrigados a levar seus exércitos ao campo, para resguardá-lo da chuva. Assim,
do mesmo modo, no dia seguinte, até o qual parecia que a batalha tinha sido
adiada e retardada, quando eles dispunham seus homens para a luta, caiu outra
vez outra chuva, tão forte e tão violenta, que causou não menor dano aos
romanos e aos cartagineses, como já o havia feito a primeira, de sorte que os
obrigou a pensar somente em se salvar o mais depressa possível, deixando de
lado todo pensamento de luta. Percebendo isso.. Aníbal voltou-se aos seus
familiares e lhes disse que uma vez não havia tido intenção de se apoderai de
Roma e que da outra vez o meio de o fazer lhe havia sido tirado. Uma coisa
ainda perturbou muito a Aníbal e foi que, embora ele sitiasse Roma e a
apertasse com um tão grande exército de infantaria e cavalaria, no entretanto,
sabia que os romanos tinham enviado reforços para a Espanha e reconquistado o
lugar onde ele havia estado (50), por um preço muito maior do que aquele que a
razão o exigia. Por isso, cheio de raiva, mandou vender em leilão todos os
objetos de valor em prata dos cidadãos romanos. Mas, depois reconsiderando e
refletindo, que seria coisa muito difícil apoderar-se da cidade de Roma, ou
ainda, temendo a falta de víveres (pois ele havia trazido o suficiente apenas
para dez dias), levantou seu acampamento e partiu, dirigindo-se para o bosque
sagrado da deusa Ferônia; saqueou o rico templo, que ah havia, e depois
retirou-se para o país dos brúcios e dos lucânios.

(49) No ano 543 de Roma.
(50) O terreno onde seu acampamento estava, perto de Roma, durante o tempo
em que ele ali estava.

 

XLIII. Os habitantes
de Cápua, vindo a saber disso, frustradas todas as esperanças, entregaram a
cidade aos romanos (51) . A cidade de Cápua, assim entregue ao poder dos
romanos, foi de grande consequência para todos os povos da Itália e trouxe
consigo um grande desejo de modificações e de mudanças. Aníbal mesmo, que,
seguindo um mau conselho, saqueava as cidades que não podia submeter, abalava
muito a coragem das nações vizinhas. Pois, como antes, quando vitorioso, ele
libertava os prisioneiros sem exigir resgate e por esta liberalidade havia
conquistado o coração de muitos, assim, do mesmo modo, agora, sua crueldade
desumana foi causa de que muitas cidades, aborrecendo-se por estar submetidas
aos cartagineses, revoltaram-se contra ele e passaram de novo para o lado dos
romanos. No número dessas, está Salápia (52), que se entregou ao cônsul
Marcelo, por meio de Blácio, chefe do partido romano, e um grupo de homens,
cavalarianos de elite, que tinha sido deixado como guarnição, foi quase todo
picado em pedaços. Foi nessa cidade que Aníbal ficou preso pelo amor de uma
mulher, como alguns escrevem e censuram muito a sua lubricidade
imoderada. Outros, porém, louvando a modéstia desse general, dizem que ele
jamais comeu deitado e não bebeu mais de três meias medidas de vinho, nem a
princípio, quando ele veio fazer a guerra na Itália, nem depois, quando voltou
à África. Outros ainda atribuem a Aníbal crueldade, deslealdade e outros vícios
semelhantes; todavia, não fazem menção de sua castidade ou de sua luxúria.
Dizem somente que teve uma mulher espanhola, que era natural de Castulo
(53), muito boa cidade, à qual os cartagineses favoreciam muito e nela
confiavam pela sua soberana constância é lealdade.

(51)      No ano 543 de
Roma.
(52)      Na Apúlia.

 

XLIV. Mas Aníbal,
depois de ter perdido, como dissemos, a cidade de Salápia, achou logo o meio de
tirar uma desforra e de causar uma grande perda aos romanos, maior do que a que
ele mesmo havia recebido. Pois nesse mesmo tempo o vice-cônsul Fúlvio estava
diante de Herdonéia, esperando apoderar-se da cidade sem usar de violência, E,
não havendo em redor nenhum temor do inimigo (Aníbal se havia retirado para o
país dos brúcios), não conservava sentinelas, e estava de todo descuidado da
direção dos negócios da guerra, contra o costume dos generais romanos. Aníbal,
avisado disso pelos seus espiões, não quis deixar passar tão bela ocasião.
Pelo que, vindo à Apúlia com seu exército bem preparado, chegou tão
inesperadamente a Herdonéia, que pouco faltou que ele não surpreendesse Fúlvio
desprevenido em seu próprio acampamento. Todavia, os romanos resistiram ao
primeiro choque com tal firmeza, que fizeram a luta prolongar-se por um espaço
de tempo maior do que a razão o teria imaginado. Afinal, como dois anos antes
eles tinham sido vencidos ali perto, com seu chefe Fúlvio, assim, sob o comando
deste, Fúlvio, vice-cônsul, as legiões romanas foram rompidas e derrotadas e o
mesmo comandante foi morto, com uma grande parte do seu exército.

(53) Sobre o Guadalquivir.

 

XLV. O cônsul Marcelo estava então em Sâmnio (54)
; avisado da derrota sofrida pela negligência do comandante, desejou reparar a
perda e, embora parecesse que ele vinha demasiado tarde para uma desforra, a
fim de remediar as coisas perdidas, levou seu exército ao país dos lucânios,
para onde soubera que Aníbal se havia retirado, depois da vitória, e foi
acampar bem defronte do inimigo; logo em seguida empreendeu a luta, que os
cartagineses não recusaram, mas enfrentaram-nos com grande ardor, tanto que a
batalha durou até o pôr do sol, sem que se pudesse saber qual dos dois levaria
vantagem; a noite que sobreveio separou-os. No dia seguinte, os romanos, saindo novamente a campo, deram a entender
que os inimigos tinham medo, pois Aníbal conservou seus homens dentro do
acampamento e, na noite seguinte, saindo sem fazer barulho, foi para a Apúlia.
Marcelo seguiu-lhe as pegadas; procurava todas as ocasiões de obter a vitória
com alguma batalha memorável. Pois ele tinha essa persuasão, de que dentre
todos os generais romanos não havia um que pudesse competir com Aníbal, senão
ele, quer em conselho, quer em sutileza e astúcia, quer em disciplina e nas
demais virtudes militares. Mas o inverno, que se aproximava, não o deixou
combater, contra o inimigo, numa batalha bem organizada. Porque, depois de ter feito
algumas escaramuças, não querendo fatigar inutilmente seus soldados, retirou-se
para os quartéis de inverno.

(54) No ano 544 de Roma.

 

XLVI. . No começo da
primavera, excitado em parte pelas cartas de Fábio (55), que era um dos novos
cônsules daquele ano, e em parte por seu próprio natural, saiu de seus
acampamentos, antes do tempo marcado, e levou seu exército contra Aníbal, que
então estava em Canúsio. Aconteceu que, pela proximidade dos dois acampamentos
e pelo grande desejo que ambos tinham de combater, em poucos dias travaram
três batalhas. No primeiro dia, depois de ter combatido até à noite, com
quase a mesma vantagem, sem que se pudesse julgar quem venceria, cada qual se
retirou para o próprio acampamento, como já tinham determinado. No segundo dia,
Aníbal foi vencedor, aniquilando perto de dois mil e setecentos inimigos e
pondo o resto em fuga. No terceiro dia, os romanos, querendo apagar a mancha da
vergonha, que haviam sofrido no dia anterior, vieram à batalha, à qual foram
levados por Marcelo, de cuja coragem e ousadia o mesmo Aníbal, maravilhado,
disse aos seus homens que tinha que enfrentar um inimigo, o qual não sabia ter
descanso, nem quando vitorioso, nem quando vencido. A batalha foi mais árdua
ainda do que as precedentes, porque os romanos se esforçavam, de um lado, por
vingar a perda anterior e, de outro, os cartagineses estavam irritados, porque
os vencidos ousavam provocar, para uma batalha, aos mesmos vencedores. Por fim,
os romanos, advertidos e encorajados pelo mesmo Marcelo a se portarem
valentemente, como homens de bem, para que se recebesse em Roma a notícia da
vitória e não a da derrota, avançaram, e romperam as defesas, e combatendo sem
cessar, até que por três vezes desorganizaram os inimigos e os puseram em fuga. Nesse mesmo tempo, Fábio Máximo retomou a cidade de Tarento, quase do mesmo modo como
tinha ela sido perdida. Aníbal, sabendo disso, exclamou: "Os romanos
também têm o seu Aníbal".

(55) No ano 545 de Roma.

 

XLVII. No ano
seguinte (56), Marcelo e Crispino foram criados cônsules e, mandando preparar
todo o necessário para a guerra, levaram seus dois exércitos consulares contra
o inimigo. Aníbal, não tendo esperança de poder resistir a eles, em pleno
campo, empregou todas as forças do seu espírito, para encontrar algum meio de
surpreendê-los pela astúcia, visto que não os podia vencer num combate
organizado. Estando assim preocupado com estes pensamentos, apresentou-se-lhe a
melhor ocasião para realizar o seu intento, a qual jamais teria esperado: havia
entre os dois campos um outeiro coberto de arbustos, no meio dos quais ele
colocou de emboscada alguns grupos de númidas, para surpreender os inimigos que
passassem por ali. Por outro lado, os cônsules, de comum acordo, eram de
opinião que se inspecionassem os mesmos arbustos e que deles se apoderassem, se
fosse o caso, a fim de, se os deixassem para trás, os inimigos não os viessem a
ocupar e não se lhes apresentassem, ao depois, pela frente. Mas, antes de mover
o exército, saíram ambos do acampamento com um pequeno grupo de homens a
cavalo, para fazer o reconhecimento do lugar; pondo-se a caminho
despreocupadamente e com pouca defesa, como convinha a pessoas de tal classe,
caíram na emboscada. Acharam-se num momento rodeados de todos os lados e,
não podendo escapar pela frente, foram batidos e atacados, por trás, puseram-se
então na defensiva, mais por necessidade do que por plano de ação. Marcelo
morreu nessa refrega, combatendo valentemente e Crispmo, profundamente magoado,
conseguiu com muita dificuldade escapar das mãos dos inimigos. Aníbal, então,
sabendo que M. Marcelo, o qual havia sido o principal, dentre todos os generais
romanos, que havia interrompido o curso das suas vitórias, e que lhe havia dado
mais trabalho do que qualquer outro, havia sido morto, foi imediatamente ao
campo, onde a batalha se havia realizado, e encontrou o corpo de Marcelo; fê-lo
sepultar com grande magnificência. Por esse ato, pôde-se constatar como a excelência
da virtude e a magnanimidade são estimadas por toda a espécie de pessoas, pois
o inimigo, muito cruel e morto, quis dar honrosa sepultura ao corpo de um
valente e ilustre general. No entretanto, os romanos, vendo um de seus cônsules
morto e o outro muito magoado, haviam-se retirado incontinenti para as
montanhas vizinhas, estabelecendo-se num lugar mais seguro.

(56) No ano
546 de Roma.

XLVIII. Crispino
havia mandado avisar às cidades vizinhas das montanhas que seu companheiro
cônsul tinha morrido e que Aníbal estava de posse do seu anel, com o qual
poderia timbrar as cartas e, por isso, tivessem muito cuidado com as cartas que
fossem escritas em nome de Marcelo. O correio de Crispino acabava de chegar a
Salápia, quando
lhe trouxeram cartas de Aníbal, as quais diziam da parte de Marcelo que ele lá
estaria na noite seguinte. Os salapitanos, conhecendo o embuste, despediram o
mensageiro e esperaram com grande ânsia a Aníbal. Perto da quarta sentinela,
Aníbal apareceu diante da cidade. Ele havia posto na vanguarda alguns fugitivos
romanos que falavam latim para que fizessem crer que Marcelo lá estava em pessoa. Os da cidade deixaram entrar uns seiscentos deles e depois fecharam a porta;
repeliram então, à força de dardos, o resto do exército, depois picaram em
pedaços os que haviam entrado. Desse modo, Aníbal, envergonhado por ter
fracassado nessa tentativa, afastou-se dali e foi ao país dos brúcios, para
socorrer os locrenses, que estavam sitiados pelos romanos por mar e por terra.

XLIX. Depois de tudo
isso, por reiterados pedidos do senado e do povo, foram criados outros dois
cônsules, que eram dois generais muito experimentados (57), Marco Lívio e
Cláudio Nero, os quais, depois de terem dividido entre si o exército, partiram
para o governo de suas províncias. Cláudio foi para o país dos salentinianos
(58) e Lívio, para a Gália, contra Asdrúbal Barcimano, o qual tinha passado os
Alpes e se apressava por se reunir a seu irmão com um poderoso exército de
infantaria e cavalaria. Mas aconteceu, nesse mesmo tempo, que Aníbal recebeu
grandes perdas, da parte do cônsul Flávio; pois, primeiro, o venceu na região
dos lucânios, servindo-se das mesmas espertezas e artifícios de que Aníbal se
servia. Depois, vindo a encontrar-se com Aníbal na Apúlia, perto de Venuse,
lutou com tanto ardor que vários dos inimigos ficaram mortos no campo. Por
essas perdas, Aníbal retirou-se de repente a Metapont (59) a fim de descansar e
reequipar o exército; tendo ali passado alguns dias, ele recebeu o exército de
Hanno, o qual juntou ao seu e voltou de novo a Venuse. Cláudio tinha seu
acampamento não muito longe de Venuse; tendo surpreendido as cartas do inimigo,
soube por meio delas que Asdrúbal se aproximava. Por isso pensava, dia e noite,
como haveria de apanhá-lo e de impedir que dois exércitos tão poderosos se
unissem.

(57)             
No ano 547 de Roma.
(58)     Antigamente chamava-se Calábria, perto
do promontório Iapix.

 

L. Depois de ter refletido bastante, determinou tomar uma deliberação,
que aparentemente parecia perigosa, mas talvez, necessária, para aquela
circunstância: deixando o acampamento sob o comando do seu lugar-tenente, tomou
consigo uma parte do exército e partiu a marchas forçadas para a Marca de
Ancona, de modo que no sexto dia ele chegou a Senes (60). Lá, os dois cônsules
juntaram seus exércitos e atacaram Asdrúbal perto do rio
Metauro; tiveram um feliz êxito na batalha, pois, como se diz, naquele dia,
ficaram mortos cinquenta e seis mil inimigos, de modo que eles tiveram uma
perda quase também igual à que os romanos haviam tido antes em Cannes. Mas Cláudio Nero, depois desta vitória memorável, voltando rapidamente a Venuse, como
quando partira, mandou fixar a cabeça de Asdrúbal perto do lugar onde se
postava a sentinela dos inimigos e soltou alguns prisioneiros, para irem levar
a notícia a Aníbal, dessa grande derrota. Soube-se pouco depois, que até então ele
não havia tido conhecimento da façanha secreta de Cláudio, nem da execução que
havia sido feita dias antes. E nisso eu não posso assaz deixar de me admirar,
de que um general, tão astuto e tão sagaz, tenha sido sobrepujado por Cláudio,
visto que havia muito pouca distância entre os dois acampamentos, e ele soube
da derrota de seu irmão com todo o seu exército, antes de saber da partida e do
regresso do cônsul romano ao seu acampamento.

(59)      No cantão dos brúcios.
(60)     
Sena ou Senogália. perto
do rio Metauro e de Esis, que limita a úmbria do lado do norte.

 

LI.
Aníbal, tendo recebido tão
profunda ferida, não somente pública, mas também particular, pela morte de seu
irmão, disse que ele via claramente a mudança da sorte dos cartagineses; bem
depressa partiu dali e retirou-se para a região dos brúcios. Não ignorava que
aquela derrota, recebida perto do Metauro, trazia grande animação e vantagem
aos romanos é seria de grande consequência para o final de toda a guerra. Não
deixava, porém, de reunir todas as forças que ainda lhe restavam na
Itália, depois de tantas batalhas e escaramuças, de tantas cidades
tomadas, sustentando a guerra cem invencível coragem. E nos devemos admirar
ainda mais por ter ele conservado, pela sua autoridade ou pela sua prudência,
tal concórdia e união em todo seu exército, que era composto de espanhóis,
africanos, gauleses e de várias outras nações, que nunca se ouviu dizer
que teve no seu exército a menor rebelião, sedição ou tumulto. Mas os mesmos
romanos, depois de ter reconquistado a Sicília, a Sardenha e a Espanha, não o
puderam vencer e expulsar da Itália, até que mandaram à África P. Cornélio (61)
Cipião, o qual, fazendo a guerra de perto aos cartagineses, os reduziu a tal
extremo, que eles foram obrigados a chamar imediatamente a Aníbal para fora da
Itália (62) . Ele estava, naquele tempo, como já dissemos, no país dos brúcios
e fazia a guerra, mais à maneira de corridas e saques, do que em batalha
organizada, até que, certa vez, travou um combate quase improvisamente centra o
cônsul Semprônio (63) ; pois ele veio chocar-se com todo o seu exército contra
o mencionado Semprônio. No primeiro combate Aníbal venceu, mas foi vencido na
segunda batalha.

(61) Nomeado cônsul
110 ano 549 de Roma. (62)
No ano 551 de Roma. (63) No ano 550 de Roma.

 

LII. Desde
então, não encontro em nenhum autor, grego ou latino, que Aníbal tenha
realizado na Itália algum outro feito memorável. Pois, tendo sido chamado à
África pelos cartagineses, deixou a Itália, dezesseis anos depois de ter
começado esta guerra Púnica, lastimando-se muito do senado de Cartago e de si
mesmo, também. Do senado, porque, durante todo o tempo em que ele esteve em
país inimigo, lhe havia dado tão pouca assistência, quanto reforços e
reabastecimento e também dinheiro, bem como em muitas outras coisas necessárias
à guerra; de si mesmo, porque depois de ter vencido tantas vezes os romanos
sempre esperara, depois da vitória, e lhes havia dado descanso. Diz-se também,
que antes de embarcar, ele mandou construir um arco de triunfo perto do templo
de Juno Lacínia, no qual estavam sumariamente gravados os seus feitos militares
em língua púnica e grega. Partindo da Itália, teve vento favorável; em poucos
dias chegou a Leptis; aí fez desembarcar todo seu exército e se dirigiu logo a
Asdrumente (64) e logo depois a Zama (65) : sendo aí avisado da situação dos
negócios dos cartagineses, julgou que era melhor dar um fim à guerra.

(64)     Adrumeto — na costa, ao oriente de Cartago.
(65)     Sua posição é incerta: uns a colocam
a 300 milhas de Adrumeto. Tito Lívio a 5 dias de Cartago.

 

LIII.
Por esse motivo, mandou dizer
a Cipião que desejava encontrar-se com ele em algum lugar, onde pudessem tratar
de um assunto de grande importância. Não se sabe, porém, se isso se fez por
ordem do senado, ou por sua própria autoridade. Cipião não quis recusar-se a
parlamentar. E assim, num dia aprazado, reuniram-se em uma grande planície dois
grandes generais e chefes de poderosas nações, cada qual com um intérprete,
para tratarem de assuntos que se referiam à paz e à guerra. Aníbal era de todo
inclinado à paz, pois via que os negócios dos cartagineses pioravam dia a dia,
porque eles tinham perdido a Sicília, a Sardenha e a Espanha; a guerra se tinha
mudado da Itália para a África; o rei Sífax, muito poderoso, estava prisioneiro
dos romanos, toda sua esperança cifrava-se no exército que ele tinha levado à
África, que era como o resto e as sobras da imensa guerra que ele tinha levado
a efeito na Itália e restava ainda aos cartagineses tão pouca força, tanto no
estrangeiro como na própria nação que com dificuldade eles podiam defender a
mesma cidade de Cartago. Envidou, pois, todos os seus esforços para persuadir a
Cipião, com um longo discurso que ele estava mais inclinado à paz do que à
guerra. Mas Cipião, que tinha grande esperança de levar a bom termo esse
empreendimento, parecia não querer nem ouvir falar de paz. Depois de terem
discutido longamente, separaram-se sem nada ter concluído.

 

LIV. Pouco tempo depois,
travou-se a célebre batalha de Zama, na qual os romanos obtiveram a vitória;
logo no primeiro embate, os elefantes dos cartagineses foram voltados contra
seu próprio exército, de modo que desorganizaram a cavalaria de Aníbal; Lélio e
Massmissa, que comandavam as alas, aumentaram-lhe ainda mais o medo, não dando
espaço algum aos cavaleiros para se reunirem novamente. Mas a infantaria
combateu por muito tempo e com grande coragem, tanto que os cartagineses,
confiando em suas vitórias passadas, pensavam que a salvação de toda a África
repousava em suas forças e delas dependia inteiramente: e es romanos também
estavam muito animados e tinham ainda maior esperança. Mas uma coisa fez com
que os romanos obtivessem a vitória: Lélio e Massmissa, voltando da perseguição
dos cavaleiros, precipitaram-se com grande força na batalha e aterrorizaram os
inimigos. Com sua chegada, os cartagineses perderam logo a coragem e, como
único expediente, procuraram a salvação na fuga. Diz-se que, naquele dia,
ficaram mortos no campo mais de vinte mil cartagineses, e outros tantos
prisioneiros. Seu chefe, Aníbal, depois de ter esperado até o fim para ver o
resultado da batalha, fugiu também com alguns, daquela imensa carnificina.

LV.
Depois, chamado a Cartago
para evitar a ruína dos negócios públicos, ele declarou ao senado, que não
podiam mais ter esperança alguma nas armas, aconselhando-o, deixando de parte
todas as outras coisas, a mandar embaixadores aos romanos, para tratar da paz,
a qualquer preço, quando os dez embaixadores trouxeram a Cartago a enumeração
dos artigos da paz, conta-se que um certo Gisgo, o qual, não querendo ouvir
falar de paz, fez um discurso, pelo qual tentava persuadir a se reiniciar a
guerra contra os romanos: e como vários parecessem apoiar a sua opinião,
Aníbal, indignado porque indivíduos completamente nulos, sem experiência, se
atrevessem a falar de tais coisas, em tempos tão difíceis e adversos,
derrubou-o da tribuna ainda quando ele falava. Mas, vendo que esse ato tinha
parecido, a toda a assembleia, muito ousado, indigno de uma cidade livre, subiu
ele mesmo à tribuna e disse: "Ninguém se deve aborrecer se aquele que
desde sua primeira infância esteve fora de Cartago, passando toda sua vida na
guerra, no meio das armas, ignore as leis e as determinações da cidade".
Depois, falou com tanta prudência dos artigos da paz, que os cartagineses,
convencidos pela autoridade de tao grande personagem, foram de opinião que se
aceitassem as condições que o vencedor e a necessidade lhes propunham. Alguns
dos artigos eram demasiado duros, como os que os vencidos costumam sempre
receber dos vencedores. Mas, além de todas as outras coisas, os cartagineses
eram obrigados a pagar aos romanos, todos os anos, um certo tributo, até um
tempo determinado. Quando chegou o dia em que se devia pagar a primeira quota e
todos se lamentavam por causa do tributo, diz-se que Aníbal irritado pelas lágrimas inúteis dos cartagineses, começou a
rir: e como Asdrúbal Hedo o repreendesse, por estar ele rindo-se tanto, num
momento de tristeza comum, de toda a cidade, ele respondeu que aquele riso não
era o de um homem alegre, mas o de quem zombava das lágrimas inúteis, daqueles
que então choravam, quando havia menos motivo para isso, somente porque se
tratava do dinheiro particular de cada um, do que, quando antes, os romanos
tiravam aos cartagineses seus navios, suas armas e os despojos das grandes
vitórias, conquistadas em outros tempos e davam leis e determinações aos
vencidos. Eu bem sei que há autores que dizem que Aníbal partiu imediatamente
para a Ásia, depois de ter perdido a batalha, temendo ser entregue nas mãos de
Cipião, que o poderia exigir.

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