O reinado de Dom João III marcou nova era ao Brasil. Mais sagaz do que seu pai, compreendeu a importância da possessão americana: viu a cubiça das nações estrangeiras, tentando estabelecer-se nas suas férteis plagas, e tratou de assegurar o seu domínio à coroa portuguesa. Dividiu-a em capitanias hereditárias e, como recompensa de serviços feitos na índia, procurou cercá-las de um não sei que de prestígio.
Então foi*maram-se úteis estabelecimentos, a que correspondeu e animou a fertilidade da terra; fundaram-se aldeias, que passaram a ser cidades e depois capitais de ricas províncias, e chamaram-se as tribos bravias e errantes à civilização. A imprudência de alguns donatários despertou em muitas nações o amor da independência, e o grito da liberdade foi o brado da guerra; muitas dentre elas desapareceram à espada do europeu, trocando de bom grado a escravidão pela morte; outras, menos belicosas, submeteram-se, fundindo-se na raça dos conquistadores e perdendo, como o seu tipo fisionômico, a sua própria nacionalidade.
Inteirado o govêrno português da fertilidade da colônia e dos réditos *) que auferiram [1]) os seus donatários, procurou fazê-los reverter em benefício da coroa e restringir o poder discricionário [2]) que delegara aos seus capitães-mores; e uma brilhante expedição confiada a Tomé de Sousa, nomeado governador geral do Brasil, tocou as praias baianas, trazendo o germe de uma povoação, capital da colônia. A necessidade da conversão dos indígenas não ficou ainda adiada, e missionários jesuítas, cheios de zêlo e piedade, compenetrados de sua missão, ardentes de fé, vieram trazer às brenhas do Novo Mundo a luz do Evangelho.
A pompa, do desembarque chamou a atenção, despertou a curiosidade dos indianos, que viviam nas imediações, nas ruínas da cidade de Coutinho, fundada sôbre os crânios ensangüentados de seus irmãos. A expedição desembarcou com magnificência, precedida do glorioso símbolo da religião e do triunfante estandarte das quinas, saudada pelas salvas de artilharia; e os arcos e as setas dos indígenas cairam a seus pês, em sinal de paz e amizade. Ao som do órgão sagrado, que êles ouviam pela primeira vez, aos cantos místicos, cujas vozes subiam envoltas em nuvens de incenso, e que escutavam como que encantados, assistiram à missa do Espírito Santo na capela de sêcas palmas que ajudaram a levantar. Tomé de Sousa, aproveitando tão felizes manifestações, tentou abraçando o conselho do velho Caramuru, que ainda vivia entre êles ao lado da sua Paraguassu. abrir os alicerces da nova cidade de São Salvador; e, enquanto assim procedia, começaram também os jesuítas a edificação do seu colégio e magnífica igreja, e com ela a pregação evangélica. – ‘ J. Norberto de Sousa e Silva.
[1] Que diferença há entre auferir e aferir?
[2] Discricionário — sin. ilimitado.
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
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