HISTÓRIA, BIOGRAFIA, RETRATOS E CARACTERES
No ano seguinte ao da volta de Vasco da Gama [1]), encarregou Dom Manuel a Pedro Álvares Cabral, senhor de Belmonte e alcaide- nor de Azurara, o mando duma armada de treze velas [2]), que devia na sua derrota, correr a costa de Sofala, visitar o rei de Melinde, 3hegar a Calecut, e prosseguir na emprêsa, a um tempo mercantil e guerreira, iniciada com tanta fortuna pelo primeiro descobridor. Era a frota magnífica e poderosa, e tinha como capitães, entre Dutros, além de Pedro Álvares Cabral, Nicolau Coelho, qué fôra [3]) na anterior expedição, e Bartolomeu Dias, o primeiro que ousara iobrar o cabo da Boa Esperança, e que no seio das suas tormentas ia encontrar desta vez o perpétuo sono da morte. (
Preparado tudo para a partida, levantaram-se âncoras, desfraldaram-se velas, e, cortando as águas, saiu a armada de mar em fora no dia 9 de março, e seguiu viagem próspera até as alturas do Cabo Verde, onde um temporal desfeito de tal modo agitou os ma-, res, que os navios, envolvidos entre serras de ondas, ora eram alça- ios no cume das vagas, como se elas quisessem expelir de si, ora quase se submergiram na concavidade do abismo. Acalmada a protela, juntou-se tôda a frota à exceção dum navio, que depois arribou a Lisboa e continuaram os doze restantes pelo oceano, afastando-se das costas de África, ou para evitarem as calmarias de Guiné, como já o praticara Vasco da Gama, ou porque, para o
prosseguimento de tal rumo, influísse de algum modo o espírito
aventuroso e obstinado dêsses homens enérgicos, que tudo arrostavam e a tudo se atreviam com o ardor que só deriva [4]) do verdadeiro entusiasmo.
As plantas marítimas encontradas no dia 21 de abril, as aves redemoinhando nos ares ou pousando sôbre as águas, um hálito perfumado que impregnava a atmosfera, anunciaram aos navegantes a proximidade de regiões desconhecidas; e porisso, na manhã seguinte, apinhavam-se todos nos chapitéus [5]) da proa, fixa
a vista no extremo aos mares, onde já. se divisava como que um ponto escuro que gradualmente ia crescendo. Afinal a voz do gageiro 1) da nau capitânea bradou no cesto da gávea — Terra! — e durante minuto só êsse grito de contentamento indizível ressoou em todos os navios. . . ! A ligeira névoa avultara no horizonte, a frota surdia sempre avante, e por fim já distintamente se observa um monte de forma arredondada, largas serranias para o sul, e ao longe uma extensa planície, vestida de sombrios arvoredos. Aproaram então as naus à terra, que, pela ignorância daquelas eras julgaram os pilotos que só podia ser uma grande ilha, como alguma dos Açores ou das Antilhas; ancoraram perto da costa, e na manhã seguinte sulcavam as águas em direção à praia.
Grupos de homens, de mulheres e de crianças apareciam por entre as árvores, e ora se adiantavam a medo, ora se retraiam, testemunhando nos gestos o espanto que lhes causavam as embarcações, as velas, os mastros, coisas como que animadas e sobrenaturais, que pareciam obedecer ao impulso duma vontade única. Não tinha essa gente os caracteres físicos das raças africanas ou européias, e apenas se semelhavam com as da índia na côr baça e no cabelo comprido e corredio. Os corpos eram altos e robustos, as feições regulares, a fisionomia franca e benévola; e, a-pesar- das armas que traziam, mostravam-se de índole pacífica, ditosos com seus costumes singelos, e satisfeitos com o que o solo espontaneamente lhes oferecia.
Não podendo desembarcar ali, porque o mar quebrava então muito na costa, seguiram os portuguêses na volta do norte, buscando à feição do vento algum pôrto seguro, onde surgissem [6]); de-feito, tendo navegado cerca de 10 léguas, encontraram no dià 24 de abril uma enseada, onde entraram os navios menores, ficando ao princípio as naus fora dos recifes, por não se conhecer se havia dentro suficiente fundo. Entretanto alguns marinheiros aproximaram-se em batéis à praia; conseguiram tomar de sobressalto dois indígenas, que andavam numa jangada ou almadia, formada a seu modo de três traves unidas, e que nem tentaram resistir, não obstsnte trazer um dêles arco e frechas, e poderem ser, facilmente socorridos. Levados à presença de Pedro Álvares Cabral, procurou êste de alguma forma interrogá-los, deu-lhes o que indicaram desejar, enviou-os no dia seguinte para terra [7]) a-fim-de evitar suspeitas ou receios, e estabeleceu assim as primeiras relações com os habitantes dessa parte do Novo Mundo, que o acaso nos sujeitava, como o acaso .entregara a Colombo as costas ocidentais da América.
Não tentaremos descrever as várias cenas-de curiosidade e de inocência por parte dos indígenas, de contentamento, de entusiasmo e de nobreza por parte dos descobridores que tiveram como
teatro essas praias, enquanto aí se demorou a armada. O quadro que apresentássemos, seria apenas um esbôço, desenhado a largos traços que mal conseguiria trasladar a narração síncrona[8]) de Pedro Vaz de Caminha, onde miüdamente se apresentam os fatos e circunstâncias, e como que ressurgem os próprios protagonistas. Cingir-nos-emos, pois, a dizer que, tendo o capitão mandado reconhecer o país, e sabendo que era fértil, retalhado de rios caudais, coberto de árvores frutíferas, e povoado por gentio dócil, com o qual se mostrava fácil a entrada, resolveu tomar solenemente posse da região, oceano de soberbas e virginais florestas, em que parecia reproduzir-se o Eden dos livros santos.
Designado para aquêle ato o primeiro dia de maio, assistiram à missa em terra os navegantes, ataviados das melhores telas e de luzidas armas; e debaixo daquele céu puro, naquela atmosfera balsâmica, perante aqueles horizontes esplêndidos, um profundo sentimento de confiança em Deus devia animar êsses homens ajoelhados em frente do mesmo altar, esquecidos dos perigos e fadigas, e enlaçados pelas recordações, pelas crenças, pelos trabalhos e pelo pensamento de glória, que mais ou menos se erguia em tôdas aquelas almas de bronze. Em seguida, no meio do ressoar (ias charamelas e tambores, das aclamações da marinhagem e dos gritos festivos dos indígenas, levantou-se perto da praia uma grande cruz, feita com madeira daquelas selvas, psdrão glorioso da. nobre em- prêsa, que nenhum ato de crueldade desonrava.
Não quis Pedro Álvares Cabral demorar notícia tão extraordinária e expediu Gaspar de Lemos para a transmitir a>el-rèi, partindo êle próprio daquelas praias no dia 3 de maio, e deixando em terra dois degredados, vivo testemunho de posse incontestada. A fortuna, porém, que até então lhe fôra propícia, de-pressa o desamparou. Assaltada a frota por uma tempestade horrorosa próximo ao cabo da Boa Esperança, abismaram-se no oceano, com a gente que levavam, quatro dos onze navios que se dirigiam à índia.
Passados meses, Gaspar de Lemos transpõe de novo a foz do Tejo, e vem anunciar a Lisboa, ao reino, ao mundo, o novo descobrimento. A febre do entusiasmo exaltou então todos os ânimos, dando-lhes a energia e confiança que até essa conjuntura faltara a muitos. O pendão das quinas que tremulava na Europa e na África, nas ilhas do Atlântico e mares da índia, ia prolongar-se pelo Ocidente, e Portugal podia dizer, com legítimo orgulho, que tomara o primeiro lugar entre as nações.
Hoje o Brasil é vastíssima república, vívida, esperançosa e livre. Emancipado da metrópole, não só pelos sucessos políticos que se realizaram no primeiro quartel do século passado, mais ainda pela lógica natural do progresso das sociedades, está destinado, pela sus. posição geográfica, pela excelência do clima, pelas rique- zus que possue, e peio patriotismo dos seus habitantes a desempenhar um grande papel na história do Novo Mundo. Possa o povo infante, filho e em tudo descendente duma nação pequena, mas nobilíssima, viver e prosperar por muitos séculos, dando exemplo de sabedoria e de humanidade às velhas monarquias da Europa, que se julgam mais civilizadas, e que só têm mais poder ou fortuna.
I. F. Silveira da Mota.
1) Descobrimento — Vide a nota 1) à pág. 7.
1) ‘ Gageiro—marinheiro, que na gávea, vigia as embarcações e a terra.
1) Síncrona — íeita durante a viagem, acompanhando os acontecimentos
[1] Vasco da Gama — O descobridor do caminho marrimo para as
índias no ano de 1498.
[2] Velas=por naus; toma-se aqui a parte pelo todo (figura metonímia).
[3] Fôra — estivera, tomara parte:
[4] Deriva — nasce, provém.
[5] Chapitéu — a parte mais alta da proa e da pôpa do navio.
[6] surgissem,— ancorassem.
3′ para terra. Vide a nota 2) à pág. 42.
[8] Réditos — sin. lucros. )
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