DEMÉTRIO da Macedônia – Plutarco – Vida Paralelas

SUMÁRIO DA VIDA DE DEMÉTRIO

Relações
e diferenças entre as operações dos sentidos e as da inteligência. II. Porque
Plutarco escreveu a história de homens viciosos. III. Perfil de
Demétrio. IV. Sua ternura para com seu pai. V. Sua dedicação
para com os amigos. VI. Perde uma batalha contra Ptolomeu. VII. Desforra-se.
VIII. Outros êxitos de Demétrio em diversas guerras. IX. Seu
pai e êle determinam dar liberdade à Grécia. X. Vai a Atenas
para daí expulsar as tropas de Ptolomeu. XI. Sai-lhe mal o
empreendimento. XII. Restabelece a democracia em Atenas. XIII. Bajulação exagerada dos atenienses para com Demétrio. XIV. Caráter
de Estratocles. XV. Sinais da cólera divina contra as honras extravagantes
decretadas a Demétrio. XVI. Versos de Felipides contra Estratocles. XVII. A
loucura dos atenienses levada ao auge, em um decreto que Democlides os faz
aceitar. XVIII. Mulheres de Demétrio. XIX. Vai a Chipre
fazer guerra a Ptolomeu. XX. Obtém contra êle uma grande vitória. XXI. Como
Aristodemo comunica a notícia a Antígono. XXII. O nome de
rei dado pela primeira vez a Antígono e a Demétrio. XXIII. Nova
expedição de Antígono e de seu filho Demétrio. contra Ptolomeu; sem resultado,
porém. XXIV. Libertinagem de Demétrio. XXV. Descrição da
sua grande máquina de guerra, denominada Elépolis. XXVI. Porque se
obstinou êle no cerco de Rodes. XXVII.
Paz a paz com os rodianos. XXVIII. Põe
em liberdade todos os gregos que habitam aquém das termópilas. XXIX. Infame
libertinagem cie Demétrio. XXX.
Democles lança-se numa caldeira fer-vente
para fugir à sua brutalidade. XXXI.
Demétrio eleito comandante geral de toda
a Grécia. XXXII. Inicia-se nos mistérios de Céres. XXXIII. Enorme
contribuição que êle exige dos atenienses. XXXIV.   Digressão  
sobre   uma   concubma   de   Demétrio,   chamada Lâmia. XXXV.
O mesmo sobre uma cortesã egípcia chamada
Tonís. XXXVI. Liga de vários sucessores de Alexandre contra Antígono
e Demétrio. XXXVII. Presságios desagradáveis para ambos. XXXVIII. São
vencidos; Antígono é morto. XXXIX.
Os atenienses negam a Demétrio a entrada
em sua cidade. XL. Como se deve desconfiar da adulação do povo. XLI. Saqueia as
terras de Lisímaco. XLII. Casa süa filha Estratonice com Selêuco. XLIII.
Separação entre Selêuco e Demétrio. XLIV. Demétrio cerca Atenas. XLV.
Apodera-se da cidade. XLVI. Vence os lacedemònios. XLVII. Funesta
revolução na sorte de Demétrio. XLVIII. Alexandre chama-o cm seu auxílio.
XLIX. Conjuração de Alexandre para assassinar a Demétrio. L. Demétrio fá-lo
matar. LI. É nomeado rei da Macedônia. LII. Como o médico Erasístrato descobre
a paixão de Antíoco por Estratonice. LIII. Como êle induz a Selêuco a dá-la por
esposa. LIV. Demétrio apodera-se da cidade de Tebas. LV. Revolta de Tebas.
Demétrio cerca-a e a toma novamente. LVI. Guerra entre Demétrio e Pirro. LVII.
Luxo de Demétrio. LVIII. Orgulhosa dureza de Demétrio. LIX. A justiça é a
virtude própria dos reis. LX. Grandes preparativos de guerra e vastos projetos
de Demétrio. LXI. Ptolomeu, Selêuco e Lisímaco unem-se contra êle. T.XII. O
exército de Demétrio; se amotina contra êle. LXIII. Êle foge. LXIV. Reflexões
sobre as vicissitudes da fortuna de Demétrio. IiXV. Dispõe o cerco diante da
cidade de Atenas e o levanta. TiXVI. Extremos a que o reduz Agátocles. LXVII.
Tentativas inúteis de Demétrio para conseguir o auxílio de Selêuco. LXVIII.
Selêuco marcha contra êle. LXIX. Doença de Demétrio. LXX. O exército de
Demétrio passa para o lado de Selêuco. LXXI. Demétrio entrega-se a Selêuco.
LXXII. Selêuco o desterra para Quersoneso da Síria. LXXIII. Como Antígono
recebe a notícia do cativeiro de seu pai. LXXIV. Morte de Demétrio. LXXV.
Exéquias fúnebres que lhe presta seu filho Antígono.

Desde o primeiro  ano da 110.ª olimpíada
aproximadamente, até O segundo  ano da 123»,  antes   de  Cristo,  ano 287.

 

 

Vida de DEMÉTRIO

Plutarco – Vida Paralelas (Bioi Paralleloi)

Tradução de Padre Vicente Pedroso a partir da versão em francês de Amyot

Os
primeiros autores desta opinião, que as ciências e as artes se assemelham aos
sentidos da natureza, segundo a minha opinião, entendiam muito bem aquela
força de julgar, pela qual tanto as ciências como os sentidos nos dão
discernimento e conhecimento das coisas contrárias; pois ela é comum a ambos.
Há, porém, esta diferença, que os sentidos naturais não atribuem as coisas, das
quais nos dão conhecimento e discernimento, ao mesmo fim, que as ciências; pois
o sentido é uma potência natural de discernir e conhecer tanto o branco como o
preto, o doce como o amargo, o mole e o líquido como o duro e o sólido: mas é
somente seu próprio, quando as coisas que são seus objetos naturais lhe são apresentadas, ser por elas movido e
mover também o discernimento, referindo-o ao entendimento, quando ele se
encontra preparado.  Mas as artes e ciências, que estão constituídas com a razão,
para escolher e optar pelo que é bom, e para recusar e evitar o que é mau,
consideram principalmente um dos contrários e por amor de si mesmo, e o outro,
acidentalmente, e para precaver-se dele. Pois a medicina trata casual e acidentalmente
da doença e assim a música, dos falsos acordes, a fim de melhor poder fazer o
contrário, isto é, cuidar da saúde e produzir bons acordes. E assim a temperança,
a justiça, a prudência, as ciências mais perfeitas de todas, não nos dão
somente conhecimento do que é honesto, justo e proveitoso, mas também do que é
desonesto, injusto e prejudicial: e mm longe está que elas louvem aquela tola e
singela simplicidade, que se glorifica como de uma coisa importante, de não
saber o que é mal, que elas julgam uma estupidez, e ignorância das coisas que
devem principalmente saber os que querem viver retamente e como pessoas de bem;
assim é que os antigos espartanos, nos dias de festas solenes, obrigavam os
escravos, a que chamavam de Ilotas, a beber vinho puro em grande quantidade, e
depois os levavam, embriagados, aos lugares onde se davam banquetes públicos,
para que seus filhos vissem, com exemplos, que grande vileza é a embriaguez .

II.
Eu, porém, acho que essa maneira de querer corrigir e orientar, deprimindo e desencaminhando
a outrem, é incivil e desumana; talvez, porém, não seja mal inserirmos entre os
exemplos destes grandes personagens, dos quais estamos escrevendo a vida,
alguns que, embora altilocados e em postos de autoridade soberana, abusaram um tanto
inconsideradamente de sua licença, a ponto de seus vícios serem conhecidos de
todos: não certamente para causarmos deleite e mais interesse aos leitores,
apresentando-lhes como um quadro onde se vê toda sorte de pintura, mas, ao
contrário, para imitar a Ismenias, o Tebano, que, mostrando aos seus discípulos,
os que tocavam bem flauta, lhes dizia: assim é que se deve tocar e em seguida,
apresentando-lhes os que tocavam mal, repetia: assim não se deve tocar: dizia
ainda Antigenidas que os moços sentem mais prazer em ouvir um exímio musicista,
depois de terem ouvido um mau: e assim, também me pareceu a mim, que nós nos
animaríamos mais à leitura da vida dos homens virtuosos e a sua
imitação, depois de termos conhecido também a vida daqueles que por suas
faltas e vícios com muita razão são censurados: neste tratado teremos as vidas
de Demétrio, apelidado Poliorcetes, isto é, tomador de cidades, e de Antônio,
imperador (1), pois ambos deram bom testemunho daquilo que Platão deixou
escrito — isto é, as grandes naturezas, assim como produzem grandes virtudes
assim também produzem grandes vícios; ambos, na verdade, deram-se ao amor, ao
vinho, foram valentes na guerra, munifi centes, supérfluos, insolentes, e
tiveram as mesmas vicissitudes na fortuna; ambos tiveram em toda sua vida
gloriosas vitórias como vergonhosas derrotas, levaram a cabo os maiores
empreendimentos, e em outros, igualmente, fracassaram; e tendo sido arruinados
contra a opinião e a expectativa de todos, foram igualmente contra toda a
esperança restaurados em suas primitivas posições; mas terminaram o curso de
suas vidas quase da mesma maneira, um caindo prisioneiro nas mãos dos seus
inimigos, o outro quase vindo a sofrer idêntica desgraça.

(1)   Marco  Antônio  
jamais   foi   imperador,   mas  sim   triunviro com Otávio e Lépido, no ano
711 de Roma.

 

III.
Vamos, porém, à história. Antígono teve dois filhos de sua esposa Estratonice,
filha de Correus; a um deles deu o nome de seu irmão Demétrio, e ao outro o de
seu pai, Felipe: nisto está de acordo a maior parte dos escritores: no
entretanto, alguns ainda afirmam que Demétrio não era filho de Antígono, mas
seu sobrinho; pelo seguinte, porque quando seu pai faleceu ele ainda
era muito pequenino e sua mãe casou-se imediatamente com Antígono, e daí se
julgou que ele era filho do mencionado Antígono: como quer que seja Felipe que
era pouco mais moço do que Demétrio, morreu; quanto a Demétrio, porém, embora
fosse de bela e grande estatura, não era tão alto como seu pai: tinha também um
ar e uma beleza de rosto tão acentuadas e tao atraentes que nenhum pintor nem
escultor jamais pôde reproduzi-lo, ao vivo, com perfeição: via-se em seu
semblante unidas, a dor e a gravidade, a reverência e a graça; brilhava em todo o exterior a heróica aparência da majestade
real, dificílima de se representar, acompanhada de vivacidade e alacridade
próprias da juventude: seu natural e seus modos eram tais que causavam admiração
e prazer aos que dele se aproximavam e privavam com ele; embora ele fosse
alegre e comunicativo em suas relações, e nos seus passatempos, embora fosse o
mais supérfluo nas reuniões, fosse delicado em seu modo de viver, dissoluto em
todas as espécies de voluptuosidade e de prazeres, como jamais rei algum, não
obstante, tinha uma atividade assaz grande, um cuidado atento e uma contínua
solicitude em seus deveres. Por isso ele louvava muito a Dionísio e
esforçava-se por imitá-lo, isto é, Baco, entre todos os outros deuses, por ter
sido o mais astuto e valente comandante na guerra e que bem havia sabido mudar
a guerra em paz e naquela, ainda passar alegremente o tempo e ter sempre boas
disposições.

IV. Ele
amava singularmente seu pai, e parece que a grande reverência e obediência que
ele prestava à sua mãe, era devida a ele, por sua honra, mais por causa do
verdadeiro amor filial que lhe consagrava, do que para conquistá-lo por causa
do seu poder,
nem pela esperança de sucessão. A este propósito narra-se que um dia, voltando
da caça, ele foi ter com seu pai Antígono, quando dava ele audiência a alguns
embaixadores, e depois de lhe ter feito a saudação de costume e tê-lo beijado, sentou-se
perto dele, vestido como estava, durante a caçada, tendo ainda na mão alguns
dardos, que havia levado consigo; Antígono então, disse ainda em voz alta, aos
embaixadores que se retiravam, depois de terem sido atendidos: "Senhores!
Podeis ainda formar mais este juízo de mim e de meu filho, de como vivemos um
com o outro". Como se lhes quisesse fazer ver que serviam de segurança
para os deveres de um rei e eram testemunho de grande poder, as boas relações
de concórdia e confiança entre pai e filho: porquanto um império e toda
autoridade são sempre seguidos de toda sorte de desconfianças, de suspeitas e
de malquerenças: e assim o maior e o mais antigo de todos os sucessores de
Alexandre se vangloriava de não temer seu próprio filho, mas permitia que se
aproximasse da sua pessoa, mesmo tendo um dardo na mão. No entretanto somente
esta família, por assim dizer, dentre todas as outras da Macedônia,
conservou-se isenta de baixezas até vários degraus de sucessão: e para dizer-se
a verdade, jamais houve na descendência de Antígono, senão um Felipe que matou
seu próprio filho   (2) :  porquanto quase  todas  as outras famílias e descendências reais têm mais de um
exemplo de alguém que fêz morrer seu próprio filho, esposa e mãe: matar o irmão
era coisa comum e para isso não se fazia muita dificuldade. Os geô-metras às
vezes querem que se admitam certas proposições que eles supõem, sem provar,
assim era também isto quase como um princípio, que esses reis a si mesmos
permitiam, para a segurança e conservação do seu estado.

(2) Foi este
Felipe quem fâz guerra aos romanos e foi vendido por Tito Quinto Flamínio,
como vimos na Vida desse romano. E fèz envenenar e estrangular, no ano 574 de
Roma. um de seus filhos chamado Demétrio. por causa das calúnias de um outro
seu filho, Perseu, que o sucedeu, fêz também a guerra aos romano, e foi vencido
e levado em triunfo por Paulo Emílio, no ane 587 de Roma.

 

V.
Para mostrarmos ainda que o natural
de Demétrio era benigno e bondoso, e que ele tinha um grande afeto por seus
amigos, podemos ainda citar este exemplo: Mitrídates, filho de Ariobarzanes,
era seu amigo íntimo, pois eram ambos quase da mesma idade e freqüentava êle
ordinariamente a corte de Antígono, sem maquinar contra êle traição alguma, nem
imaginar algo de mal, nem ser tido como um tal indivíduo. No entretanto,
Antígono começou a suspeitar dele, por causa de um sonho, assim: parecia-lhe
passar por um campo, grande, belo, onde êle semeava grãos de ouro; dessa
semente surgiu depois o trigo, em lindas espigas douradas; voltando, porém, ao
campo, pouco depois, nada mais encontrou, senão as hastes vazias, despojadas
das espigas; muito admirado ficara e raivoso, ao ouvir alguns dizerem que o
autor daquele ato tinha sido Mitrídates, que cortara as espigas de ouro e aa
havia levado aos países do Ponto. Muito perturbado com este sonho, Antígono,
depois de ter feito seu filho jurar que nada diria, a ninguém, contou-lho
todo o sonho, e de como tinha determinado matar esse moço. Demétrio ficou
grandemente aflito e quando no dia seguinte o amigo chegou para, como sempre,
passar com ele algumas horas, por causa do juramento, nada lhe disse, mas
levando-o à parte, longe dos demais, ele escreveu na terra com a ponta de um
dardo: Fuja, Mitrídates! O moço compreendeu o que ele queria dizer e naquela
noite mesma dirigiu-se à Capadócia; e, na realidade, pouco tempo depois
realizou-se a visão que Antígono havia tido no sonho, pois o rapaz conquistou
muitas terras e por primeiro instalou a descendência e a família dos reis do
Ponto, que os romanos, porém, destruíram ao depois, perto da oitava sucessão.
Com este exemplo pode-se claramente fazer uma idéia da doçura e da bondade
natural de Demétrio.

VI. Segundo
a opinião de Empedocles, há sempre, entre os elementos, disputa e altercação
(3) mas principalmente entre os que vivem juntos e têm entre si diversas
relações. Assim, embora entre os sucessores de Alexandre, universalmente, houve
guerra e malevolência contínuas, todavia foram ela:, mais  claras  e  mais 
ardentes,  entre  aqueles  cuja: terras e propriedades eram limítrofes, e que por
causa dessa proximidade, sempre tinham questões a resolver, como entre Antígono
e Ptolomeu (4) . Antígono residia ordinariamente na Frígia: tendo sabido que
Ptolomeu passava por Chipre, assaltando e depredando toda a Síria, reduzindo
por bem ou à força, todas as cidades e aldeias ao seu domínio, para lá enviou
seu filho, Demétrio, que então tinha somente vinte e dois anos, e pela primeira
vez ocupava o cargo de chefe e comandante, numa empresa de tanta importância.
Sendo, porém, muito jovem e assaz inexperiente na arte da guerra, tendo pela
frente um velho comandante, mui experimentado e valoroso, feito à escola e sob
a disciplina de Alexandre, o Grande, e por si mesmo e em seu nome tinha já
dirigido outras e grandes batalhas, foi o rapaz vencido e seu exército
desbaratado perto da cidade de Gaza:, nessa derrota morreram cinco mil homens,
oito mil foram feitos prisioneiros perdendo ainda Demétrio suas tendas e
pavilhões, seu ouro e prata, afinal, toda a sua bagagem e tudo o que lhe.
pertencia: Ptolomeu, porém, devolveu-lhe tudo isto, bem como os amigos que
tinham sido aprisionados durante a batalha, com uma palavra graciosa e cortês,
isto é, que não era de mister combater outra ele, por muitas coisas juntamente,
mas apenas pela honra e pelo império.

(3)   Pois que êle
dizia, que acordo e devsacôrdo eram as causas eficientes da geração e da
corrupção de todas’ as coisas. — Amyot.

(4)   Filho de Lago, fundador do reino do Egito.

 

VII.
Demétrio então, ante este fato, rogou incontinenti aos deuses que não o
fizessem ficar por muito tempo devedor destes favores a Ptolomeu, mas que lhe
fosse possível, quanto antes, retribuí-los. Êle não se admirou, como qualquer
outro jovem não se admiraria, de ter no princípio de sua carreira sofrido uma
tal derrota, mas como um antigo e valente general, que já havia experimentado
as vicissitudes da sorte, se pôs logo a reunir homens, forjar armas, e submeter
ao seu domínio cidades e aldeias, treinando no manejo das armas os soldados que
podia recrutar. Antígono, tendo sabido deste fracasso, nada mais disse senão,
que por ora, Ptolomeu tinha apenas vencido os que não tinham barba, mas que
de ora em diante êle haveria de combater com homens feitos e barbados. Não querendo,
porém, abater nem menosprezar a coragem de seu filho, que lhe rogava a
permissão para tentar uma segunda vez a guerra contra Ptolomeu não lha recusou,
mas mui prontamente lhe fez a vontade. Pouco tempo depois, Cilas, general de
Ptolomeu, veio com um poderoso exército para expulsá-lo e afastá-lo de toda a
Síria: pois não se fazia mais muito caso dele, por ter sido já derrotado, uma
vez; Demétrio, ao invés, surpreendeu-o, improvisamente, enchendo-o e aos seus
homens de tal espanto, que conseguiu apoderar-se de todo o acampamento e dos
oficiais, bem como de sete mil soldados, obtendo ainda uma enorme soma de
dinheiro; com isto muito se alegrou, não tanto pelas
riquezas que podia assim levar consigo, como por ter então a oportunidade e os
meios de pagar a sua dívida, nem tanto lhe causaram satisfação o pensamento
das riquezas e da glória conquistadas com tal vitória, como por ter os meios de
retribuir a gentileza e a honestidade de que Ptolomeu havia usado para com
ele: no entretanto, não o quis fazer por própria autoridade, mas escreveu ao
pai sobre o seu intento; quando então recebeu dele inteira permissão e seu
consentimento, ele enviou Cilas a Ptolomeu bem como todos os seus grandes
amigos, com muitos e generosos presentes que largamente lhes fez.

VIII. Este
insucesso fez Ptolomeu desistir totalmente da Síria e tirou Antígono da cidade
de Celene, pela grande alegria que ele experimentou com tal vitória, e pelo
grande desejo de ver seu filho, que logo depois mandou contra os povos da
Arábia, chamados nabatianos, para subjugá-los e reduzi-los à obediência, onde
ele correu grandíssimo perigo, encontrando-se certa vez em um lugar deserto,
onde não havia água: não deu ele, porém, sinal algum de medo nem de temor; e
conseguiu deste modo, causar tal admiração aos bárbaros, que teve a facilidade
de se retirar para um lugar seguro, levando ainda grandes despojos e sete mil camelos. Mais ou menos nesse tempo, Selêuco (5), que
tinha sido expulso da Babilônia por Antígono, e depois para lá voltara,
reconquistando-a, apenas com os próprios recursos, partiu com grandes reforços
contra os povos e nações que estão nos limites da Índia e províncias,
que se localizam em redor do Cáucaso, a fim de conquistá-las. Demé trio,
esperando encontrar a Mesopotâmia sem defesa alguma, passou logo o rio
Eufrates, penetrando em Babilônia, antes que alguém o tivesse percebido; aí
afastou a guarnição de Selêuco que defendia uma das fortalezas da cidade, pois
havia duas, e deixou sete mil soldados para guardá-la: depois ordenou aos demais
homens que agarrassem o que pudessem e levassem o mais possível do país; feito
isto, encaminhou-se para o mar deixando o estado e o reino de Selêuco mais
forte e mais bem firmado do que quando ali êle entrara. Parecia, pois, que êle
deixara o país a Selêuco, como quem nada tinha, saqueando-o e assaltando-o
também. À sua volta soube que Ptolomeu tinha cercado a cidade de Helicarnasso;
para lá dirigiu-se bem depressa, a fim de obrigá-lo a levantar o cerco, e assim
conseguiu tirar-lhe a cidade das mãos.

IX. Com esta
empresa bem sucedida, granjearam ambos, Antígono e Demétrio, uma fama assaz
gloriosa, e sentiram então vivíssimo o desejo de libertar toda a Grécia, que
Ptolomeu e Cassandro ainda conservavam sob seu domínio e sujeição. Jamais
príncipe ou rei empreendeu guerra mais gloriosa, mais honrosa e mais justa do
que essa; pois todo o poder e toda a riqueza que ele conseguia armazenar,
oprimindo e vencendo os bárbaros, delas usava unicamente para dar a liberdade
aos gregos e com isso granjear mais glória ainda. Assim estavam eles em
conversações de como continuar e prosseguir na empresa encetada e imaginavam
em seus planos que deviam começar por Atenas; um dos principais amigos de
Antígono lhe dissera, mesmo, que era necessário, apoderar-se antes daquela cidade,
colocando lá um bom número de soldados, pois, dizia ele, se conseguissem
apoderar-se dela, teriam um ótimo trampolim para daí saltarem sobre toda a
Grécia. Antígono não o quis escutar, e ainda disse que a amizade e a
benevolência dos homens era um trampolim bem mais fácil e melhor, e que a
cidade de Atenas era como uma sentinela de toda a terra, a qual imediatamente
faria brilhar por todo o orbe a glória dos seus feitos, como um archote que
arde do alto de uma torre.

(5)   Selêuco Nicanor,  fundador  do reino  da Síria.

 

X.    Pôs-se então Demétrio ao mar, com cinco mil talentos
em dinheiro (6) e uma frota de duzentos e cinqüenta navios, navegando para
Atenas, na qual ainda se encontrava Demétrio, o Falério, que a dominava e governava em nome de Cassandro, de
fendendo-a, com uma guarnição numerosa, tanto no porto como na fortaleza de
Muníquia. Tendo bom tempo e vento favorável, conforme sua previsão, e belo
empenho que empregou em realizar a viagem, pôde chegar ao porto do Pireu no dia
vinte e cinco de maio (7), antes que alguém o tivesse podido imaginar. Quando
da cidade se avistou a frota que vinha em sua direção, pensando que eram navios
de Ptolomeu, todos se dispuseram a recebê-los. Muito tarde porém, os
comandantes perceberam o engano e cuidaram em reparar o erro, avançando, para impedir-lhe
o desembarque. Houve então grande tumulto e confusão, como bem se pode
imaginar, pois eram obrigados a combater em desordem, para impedir que eles
desembarcassem, e afastá-los, uma vez que tinham sido apanhados de improviso.
Demétrio, tendo encontrado abertas as entradas do porto, imediatamente
precipitou-se para elas, e assim ficou logo bem à vista de todos; de sua
galera, fêz sinal com a mão, pedindo silêncio, pois queria dirigir-lhes a
palavra. A multidão acalmou-se e ele então por meio de um de seus homens,
comunicou-lhes que seu pai o havia mandado, para, ainda em tempo, afastar de
Atenas toda ocupação militar e restituir aos seus habitantes a liberdade e as
antigas regalias, dando-lhes suas leis, seu governo e sua polícia, como no tempo dos seus antepassados. Ouvindo
isto, todo o povo depôs as armas; colocaram em terra escudos e paveses para
poder bater palmas em aclamações de alegria rogando-lhe que viesse a terra, e
chamando-o de benfeitor e salvador . Os que ainda estavam com Demétrio, o
Falério, julgaram mais conveniente recebê-lo, deixá-lo entrar na cidade, pois
se mostrava o mais forte, embora nada fizesse do que havia prometido e no entretanto
enviaram embaixadores a ele. Demétrio os ouviu atenciosamente e para
tranqüilizá-los enviou-lhes um dos melhores amigos de seu pai, Aristodemo
Milesiano; não se preocupou com a salvação e a segurança de Demétrio, o Falério,
o qual, por causa da reviravolta, no governo e na polícia, tinha mais receio do
próprio povo de Atenas do que dos seus inimigos. Considerando, porém, a fama e
a virtude de tal personagem, respeitando-a e reverenciando-a, Demétrio mandou
levá-lo a Te bas, como êle queria, com numerosa guarda. Êle porém, embora
tivesse grande desejo de ver a cidade, disse, que nela não entraria, sem
previamente lhe haver dado e concedido plena e inteira imunidade, e retirado a
guarnição que lá se encontrava: por isso mandou cavar fossos em redor da
fortaleza de Muníquia bem como rodeá-la de paliçadas: no entretanto, para não
perder tempo, partiu para a cidade de Megara, onde Cassandro tinha ainda
soldados.

(6)   Três milhões em ouro. — Amyot. 23.343.750 libras em
nossa moeda.

(7)   Em   grego,  26   do   mês 
targelion,   que   corresponde   a   esse ano, o 2.º da 118.ª olimpíada, ano
447 de Roma, a 11 de maio.

 

XI. Nesse
meio tempo, porém, disseram-lhe que Cratesipolis, que fora mulher de Alexandre,
cognominado Poliperchon, mulher de grande beleza e fama, que então se
encontrava na cidade de Pa-tras, recebê-lo-ia com prazer; deixou então o exército
no território dos megarenses e dirigiu-se incontinenti àquela cidade, com
poucos homens, os mais decididos e mais ligeiramente equipados: mas, ao depois,
desfez-se ainda desses mesmos, e mandou preparar seu aposento em separado, para
que não se percebesse a presença dessa senhora, quando ela viesse vê-lo. Alguns
de seus inimigos foram logo avisados disso, e então decidiram-se a atacá-lo de
surpresa; Demétrio, sabendo do que se tramava, sentiu-se amedrontado, e mal
teve tempo de tomar um agasalho, o primeiro que encontrou, com o qual se salvou
apressadamente, pois bem pouco faltou que por causa de sua incontinência, não
fosse vergonhosamente agarrado por seus adversários: conseguiram porém, eles
ainda levar-lhe a tenda e todos os seus haveres. Depois a cidade de Megara foi
tomada aos homens de Cassandro, e os soldados de Demétrio a queriam assaltar e
saquear; mas os atenienses com rogos humildes pediram-lhe, intercedendo por
ela, que não fosse abandonada ao saque. Pelo que Demétrio, depois de ter
afastado a guarnição de Cassandro, restituiu-lhe toda a liberdade. Nessa
ocasião lembrou-se êle do filósofo Estilpo,  grande homem e assaz afamado,
embora tivesse escolhido um gênero de vida longe dos afazeres,
na paz e tranqüilidade: mandou perguntar-lhe e saber, se algum de seus homens
lhe havia tirado algum objeto ou coisa que lhe pertencesse. Estilpo
respondeu-lhe que não, pois — disse ele —  pessoa alguma eu vi que me tivesse
levado a minha ciência" . No entretanto os servos e os escravos da cidade
tinham quase todos sido levados. E visto que uma outra vez, Demétrio o havia
tratado com gentileza, dizendo-lhe ao partir: "Olhe, Estilpo, deixo a sua
cidade livre" respondera-lhe ele: "Diz a verdade, Sire, pois nela não
deixou nem um servo".

 

XII. Voltou em seguida, novamente a Atenas, fazendo o
cerco (8) diante da fortaleza de Muníquia, da qual se apoderou e dominou a guarnição
que nela se encontrava; depois arrasou-a completamente. Em seguida, a rogo dos
atenienses que o convidavam a vir descansar em sua cidade, para lá se dirigiu,
mandou reunir o povo, ao qual deu a antiga liberdade, e ao mesmo tempo o governo
dos negócios públicos, prometendo-lhe ainda que lhe faria entregar, por meio de
seu pai, cinqüenta mil medidas de trigo, e madeira e aduelas suficientes para
poderem construir cento e cinqüenta (9) galeras. Assim os atenienses, por meio
de Demétrio, reconquistaram a democracia, isto é, o govêrno do Estado popular,
quinze anos após o terem perdido, vivendo porém, mais ou menos dois anos depois
da guerra a que chamaram de Lamiaca, e da batalha que se travou perto da cidade
de Cranon, como oligarquia, isto é, governo de um pequeno número de homens,
pelo menos na aparência, mas na verdade, como monarquia, isto é, sob o domínio
de um só, que tem todo poder, pela grande autoridade de Demétrio, o Falério.

(8)    
Ó  cerco  já  tinha sido 
feito,   como  acabamos  de  ver.   O grego diz, tendo estabelecido o seu
acampamento.

(9)     Há no  grego:   de  cem  galeras.

 

XIII.
Eles, porém, tornaram o seu benfeitor,
Demétrio, odioso e invejado de todos, ele, que parecia ter conquistado tanta
glória e honra por suas benemerências, e justamente por causa das honras
exageradas e demasiadas que lhe decretaram: primeiro, chamando de reis a
Demétrio e Antígono, que antes haviam rejeitado e sempre recusado esse título;
aqueles mesmos que haviam dividido e repartido o império de Felipe e
Alexandre, nele não tinham ousado tocar nem o usurparam dentre todos 08 outros
privilégios, prerrogativas e preeminências. Foram ainda os únicos que lhes
deram o título de deuses salvadores e aboliram o cargo anual, a que chamavam de
Epônimo (10), porque desde os tempos mais remotos costumavam denominar os anos
pelo nome daquele que o era: e no lugar dele determinaram, em conselho da cidade,
que todos os anos, por votação popular, um seria eleito, a que chamariam de
sacerdote dos deuses salvadores, cujo nome seria escrito em todos os contratos e em todos
os atos públicos, para especificar o ano: além disso nos estandartes e
bandeiras sagradas, nos quais estavam as imagens dos deuses, patronos e
protetores da cidade, em retratos ou em bordados, aí também seriam fixadas suas
imagens. Além disso, consagraram o lugar onde por primeiro Demétrio pisara, ao
descer de seu carro, e aí erigiram um altar, ao qual denominaram da descida de
Demétrio: e às suas linhagens (11) acrescentaram duas: a Antigonida e a
Demetríade. Seu grande conselho, que antes se criava todos os anos, e era de
quinhentos homens, foi então, primeiro elevado a seiscentos, pois que era
necessário que cada linhagem fornecesse e criasse por si mesma cinqüenta
conselheiros: ainda, o mais estranho e a mais esquisita invenção de adulação de
Estratocles, (pois era ele quem inventava e propunha todas as adulações em
suas várias formas) foi um decreto que ele imaginou, pelo qual se ordenava que
aqueles que eles mandassem a Antígono e a Demétrio, publicamente, seriam
chamados de Teori, em vez de embaixadores, o que significava comissários de
sacrifícios: as sim eram igualmente chamados os que eram envia dos, em Delfos,
a Apoio Pítio, ou na Elida a Júpiter Olímpico, nas festas e solenidades
publicai de toda a Grécia, para fazerem os sacrifícios e as oblações ordinárias
pela salvação das cidades.

(10)   Veja as Observações.

(11)   Veja as Observações.

 

XIV. Estratocles em todas as coisas era um homem temerário,
o qual sempre havia levado vida má e desordenada, e pela sua impudência desavergonhada
parecia imitar bastante a louca ousadia e a temerária insolência de que
antigamente Cleon linha usado para com o povo. Êle conservava publicamente em
sua casa uma concubina de nome Filacíon.
Um dia, quando ela comprara para o jantar, umas cabeças de animais (12), que se
costumam comer, êle lhe disse: "Como? Você comprou as bolas com que nós
jogamos e nos divertimos nos negócios públicos?" Outra vez, tendo a esquadra
ateniense sido derrotada perto da ilha de Amor-gos (13) êle apressou-se em anteceder
os que traziam a notícia e veio pela rua Cerâmica toda, coroado de flores,
como se os atenienses tivessem ganho a batalha; foi autor de um decreto pelo
qual e sacrificou aos deuses, em ação de graças pela vitória, e distribuiu-se
carne pelas famílias, como sinal de público regozijo. Logo depois chegaram os
que traziam os restos do naufrágio daquela der-rota; o povo amotinou-se logo, e
fêz chamá-lo, irritado, e êle teve ainda a desfaçatez de se apresentar e
enfrentar com grande arrogância o desconten-tamento do povo, dizendo-lhe com
altivez:  "Ora! Que mal vos fiz, se vos tive alegres durante dois
dias?" Tal e tão grande era a temeridade e a insolência de Estratocles.

(12)       
Em grego: miolos.

(13)       
Uma das Esporadas. perto  de
Naxos.   É a pátria de  Simônidas, não o lírico, que foi contemporâneo de
Píndaro, e o poeta jãmbico, e segundo Suidas, o
inventor dos jambos, que floresciam.  pela  29.ª   olimpíada.

XV.     Mas, 
como diz o poeta Aristófanes,

havia coisa ainda mais ardente

que não o fogo, o qual tudo faz arder e devora.

Pois, houve ainda um
outro, que sobrepujou a Estratocles em impudência, propondo um decreto, pelo
qual, todas as vezes que Demétrio viesse à cidade, fosse recebido com as mesmas
cerimônias e as mesmas solenidades das festas de Ceres e de Baco, e àquele que
sobrepujasse a todos os demais em magnificência e suntuosidade de aparato,
quando Demétrio entrasse na cidade, o público lhe desse tanto dinheiro, que
fosse suficiente para se fazer uma estátua, ou outra oferta que se dedicaria
aos templos em memória de sua liberalidade. Além disso, trocaram o nome do mês
de janeiro e o chamaram Demetriano, e ao último dia do mês, que antes chamavam
de lua antiga e lua nova, passaram a chamar Demetríade: as festas de Baco, que
se denominavam Dio nísia, foram chamadas Demétrias. Mas os deuses mostraram com
vários sinais e presságios que eles estavam ofendidos: pois a bandeira na
qual, como havia sido determinado, se tinham pintado os retratos de Antígono e
de Demétrio, com os de Júpiter e Minerva, quando era levada em procissão pela
rua

Cerâmica, ao
levantar-se de repente um tremendo vendaval, tão impetuoso foi partida ao meio;
em redor dos altares que tinham sido erguidos em honra de Demétrio e de
Antígono, a terra produziu tanta quantidade de cicuta, que por via natural,
dificilmente poderia ter crescido tanto naquele lugar; e no mesmo dia em que
se celebra a festa de Baco, foi-se obrigado a transferir a pompa ou procissão,
que se faz naquela circunstância, tanto havia baixado a temperatura, fora do
tempo e da estação: e caiu tanta garoa e saraiva que não somente as vmhas e as
oliveiras gelaram, mas também a melhor e a maior parte do trigo que ainda
estava crescendo.

XVI.
Nessa contingência, o poeta cômico
Felipides, inimigo de Estratocles, numa comédia, escreveu contra ele estes
versos:

Aquele que por sua impiedade, contra
os deuses foi causa de que a saraiva prejudicasse as nossas vinhas, e que o
santo estandarte se partisse em dois, pela impetuosidade do vento, atribuindo
aos homens aquilo que unicamente é devido à natureza divina, é ele somente e
ninguém mais quem arruma a autoridade do povo, embora ele diga, sem razão, que
é a pobre comédia.

Felipides
era íntimo e muito benquisto do rei Lisímaco de modo que, por amor dele, este
rei havia feito muitos benefícios e favores à causa pública em Atenas: tanto
ele o apreciava, que todas as vezes que o via ou encontrava no começo de uma
guerra ou de qualquer outro empreendimento de importância, parecia-lhe que
aquilo lhe trazia boa sorte: era ele estimado e muito amado, não só pela
excelência de sua arte, mas também por suas boas e louváveis qualidades, pois
não era aborrecido, nem dominado pela curiosa afetação da corte, como muito bem
mostrou um dia em que o rei o lisonjeava e lhe dizia com o rosto alegre:
"Que queres que eu te conceda dos meus bens, Felipides?" — "O
que bem lhe aprouver, majestade, — respondeu ele — contanto que não seja dos
teus segredos". Quisemos dizer dele estas coisas, para bem colocarmos em
confronto com este desavergonhado arengador do povo, um honesto intérprete de
comédias  (14) .

XVII.
Houve ainda um certo Democlides, da
aldeia de Esfeto, que imaginou uma esquisitíssima e estranha maneira de honra,
referindo-se à consagração e oferenda dos escudos, que se entregavam ao templo
de Apoio, em Delfos, isto é, que se fosse perguntar o oráculo a Demétrio;
citemos, porém, os mesmos termos do decreto, tal como foi promulgado:
"Assim: o povo determinará que seja eleito um cidadão de Atenas, que irá
ter com o nosso  salvador:   e  depois  de  lhe  ter  divinamente sacrificado, perguntará a Demétrio, nosso Salvador,
de que modo o povo poderá mais devota e mais santamente fazer a oferenda dos
santos dons: e segundo o oráculo que lhe aprouver revelar, o povo o porá em
execução". Assim, atribuindo todas estas e outras coisas tão tolas e
ridículas a este homem que afinal era pouco sensato, eles o estragaram ainda
mais e o fizeram perder a cabeça.

(14)   Intérprete, não;  o grego não o diz, mas, autor.

 

XVIII.
Estando então em Atenas, desposou uma
viúva de nome Eurídice, da nobre e antiga família de Milcíades, que tinha sido
casada com um certo Ofeltas, príncipe da província da Cire-naíca, e depois da
sua morte havia voltado a Atenas: muito se alegraram os atenienses com este casamento,
julgando mesmo que era uma grande honra para a sua cidade, e que êle o havia
feito por amor deles: êle, porém, estava sempre pronto para contrair núpcias, e
já havia mesmo desposado a várias mulheres, ao mesmo tempo, entre as quais,
todavia, Filia era a que desfrutava de maior honra e de maior autoridade, quer
por causa de seu pai, Antípater, quer porque ela tinha sido casada em primeiras
núpcias com Cratero, a quem os macedônios haviam amado em vida, e lamentado
depois da morte mais que qualquer outro dos sucessores de Alexandre. Seu pai a
havia feito casar, a meu ver, à força, embora ela não fosse de uma idade
conveniente a êle, pois êle era muito jovem, e ela já superadulta: como
Demétrio mostrasse não estar muito satisfeito com isso, seu pai disse-lhe
baixinho ao ouvido:

Casar-se, de mau grado, convém,
contra a natureza, quando há proveito
nisso.

Muito a propósito modificava os versos de Eurípides:

Convém servir de mau grado,
contra a natureza, quando há proveito nisso.

Mas a honra que Demétrio
prestava a Filia como às outras mulheres desposadas por ele, era tal que linha
consigo, e sem vergonha, outras meretrizes e senhoras casadas, das quais ele
usava: e foi censurado por ser, mais que qualquer outro príncipe ou rei do seu
tempo, escravo deste vício e deste prazer. XIX. Nesse
ínterim, foi ele mandado por seu pai
a Chipre para combater ainda contra Ptolomeu. Êle foi obrigado a obedecer,
embora sentisse bastante deixar a guerra empreendida pela libertação da
Grécia, que era muito mais honrosa e mais gloriosa; todavia, antes de partir,
êle mandou oferecer dinheiro a Cleônides, general de Ptolomeu, que ocupava com
muitos soldados e forte guarnição as cidades de Corinto e de Sicíone, para que
deixasse as cidades em liberdade; este, porém, não quis atendê-lo. Por isso Demétrio se pôs imediata mente ao mar, e
com toda a sua esquadra dirigiu-se a Chipre onde logo na primeira batalha
venceu a Menelau,  irmão de Ptolomeu;  pouco depois,  porém, o mesmo Ptolomeu,
com um grande exército, tanto por mar como por terra, para lá se dirigiu;
trocaram reciprocamente severas palavras, ameaças terríveis; Ptolomeu ordenou a
Demétrio que se retirasse imediatamente, se era um homem sensato, antes que
seu exército fosse reunido e esmagado sob seus pés; e ele mesmo lhe passaria
por sobre o corpo, se ele não partisse; por sua vez, Demétrio mandou-lhe dizer
que lhe concederia a graça de o deixar escapar, se ele lhe jurasse e prometesse
retirar as guarnições que tinha nas cidades de Corinto e de Sicíone. Assim a
expectativa dessa batalha conservava em sérias apreensões e dúvidas, não
somente estes dois príncipes que deviam combater entre si, mas também todos os
outros senhores, príncipes e reis, porque o resultado era-lhe desconhecido e
incerto ainda, e não se sabia qual dos dois seria o vencedor: parecia, porém, a
cada qual que a vitória não somente dana ao vencedor o reino de Chipre, e o da
Síria, mas torná-lo-ia incontmenti o maior e o mais poderoso de todos.

XX.
O mesmo Ptolomeu, então, se fez ao
mar com cento e cinqüenta navios, contra seu inimigo, e ordenou ao mesmo tempo
a Menelau, seu. irmão que, quando os visse em pleno combate, no auge da luta,
saísse do porto de Salamina e atacasse por trás, os navios de Demétrio, para
causar-lhe pânico e desorganização, com as sessenta galeras, que ele
comandava.   Mas por seu lado Demétrio mandou dez galeras contra essas sessenta, julgando
que eram suficientes para fechar a embocadura e a saída do porto que era assaz
pequena e estreita, de modo que nenhuma das que estavam dentro pudesse sair;
distribuiu ainda seu exército de terra pelas rochas e pontas, que nos arredores
se projetam sobre as águas e depois se fez ao mar, com suas cento e oitenta
galeras para atacar as de Ptolomeu; fê-lo com tanto ímpeto e tanta veemência,
que imediatamente o obrigou a fugir; este, vendo sua frota em debandada, se
pôs logo a navegar o mais rapidamente possível, salvando apenas oito galeras,
pois todas as outras foram destruídas- e afundadas durante o combate, as outras
setenta aprisionadas com toda a tripulação e tudo o que estava dentro delas.
Sua bagagem de terra, seus oficiais, servos, criados, mulheres, e ainda seu
ouro e sua prata, armas, munições que estavam em grandes navios veleiros
ancorados, nada escapou e tudo caiu em poder de Demétrio, que o levou para seu
acampamento: dentre as mulheres estava aquela famosa meretriz de nome Lâmia,
que, a princípio, se tornara célebre e ambicionada somente pela sua arte, pois
era exímia tocadora de flauta; mas ao depois quando se começou a dar ares de
meretriz, maior admiração e desejo ainda ela causou: e assim mesmo quando já
no declínio de sua vida e da sua beleza, encontrando ainda Demétrio, muito mais
jovem do que ela, conquistou e o prendeu pela sua doçura e sua graça, de modo que ele se tornou
apaixonado, amando unicamente a ela, embora todas as outras o amassem. Depois
desta vitória naval, Menelau mesmo não pôde resistir, e entregou a Demétrio a
cidade de Salamina e seus navios, com mil e duzentos cavaleiros e doze mil
soldados de infantaria, todos bem armados. Esta vitória, já grande por si
mesma, tornou-se ainda maior pela bondade e humanidade de que usou Demétrio, ordenando
magníficos e solenes funerais para seus inimigos, que haviam morrido na
batalha, mandando pôr em liberdade e sem pagar resgate os que havia feito
prisioneiros, dando ainda mil e duzen-tas armaduras completas, com todas as
peças, aos atenienses.

XXI. Depois
disto, mandou Aristodemo Milesiano a seu pai, para comunicar-lhe pessoalmente
a notícia da vitória. Era este o maior adu-lador da corte de Antígono, o qual,
então como eu penso, procurou acrescentar a este fato o cúmulo da adulação.
Passando da ilha de Chipre para o continente ele não quis que o navio no qual
tinha navegado se aproximasse da terra, ordenando que ancorasse fora, e que
ninguém saísse do navio: saiu apenas ele numa pequena barca, e dirigiu-se a
Antígono, que vivia atormentado pela grande dúvida, a respeito do êxito desta
batalha, cheio de apreensões, como bem se pode imaginar e como naturalmente
acontece a todos os que aguardam o desfecho de grandes empreendimentos: quando
lhe disseram então, que o mensageiro caminhava sozinho para o palácio, ele
ficou ainda mais aflito, de tal modo, que nem podia permanecer em seus aposentos,
mandando uns após outros, mensageiros e homens, a Anstodemo, para interrogá-lo
e dizer-lhe que se apressasse em lhe dar as notícias, fossem quais fossem: ele,
porém, a ninguém respondia, e ainda por cima, caminhava vagarosamente, com uma
atitude grave e séria, rosto fechado, em um mutismo misterioso: Antígono por
isso ficou fora de si e foi-lhe, ele mesmo, ao encontro à porta do palácio,
onde havia já uma grande multidão de povo, que seguira Aristodemo, acorrendo de
todas as partes, para saber da notícia e ouvir as palavras do mensageiro.
Finalmente, quando ele estava bem perto, estendendo a mão direita, se pôs a exclamar
em altas vozes: "Deus o guarde, Majestade, rei Antígono, nós derrotamos
por mar a frota do rei Ptolomeu, conquistamos o reino de Chipre, com dezesseis
mil e oitocentos prisioneiros". Antígono então respondeu-lhe: "Deus
te guarde também; na Verdade, Aristodemo, por muito tempo nos conservaste em
agonia, mas per penitência, do inferno que nos causaste, receberás mais tarde o
presente pela boa notícia".

(l5)   Pela primeira vez.

 

XXII.   Então, primeiramente (15), o povo em
altas vozes chamou a Antígono e Demétrio de rei. A Antígono, seus familiares e amigos, no mesmo
instante, cingiram-lhe a cabeça com a coroa real, que se chama diadema; a
Demétrio, porém, seu pai o enviou, e nas cartas que lhe escreveu, chamou-o
também de rei. Os que estavam no Egito com Ptolomeu, tendo sabido disto, também
o chamaram e o saudaram como rei, para que não parecesse que, por terem sido
vencidos uma vez, eles tinham perdido a coragem. Assim esta ambição, por inveja
e emulação, passou de um a outro, dos sucessores de Alexandre. Lisímaco,
então, começou também a usar o diadema, e Selêuco também, todas as vezes que
falava ou tratava com os gregos: pois desde muito antes, ele já tratava com os
bárbaros, como rei. Mas Cassandro, embora todos o tratassem como rei,
escrevendo-lhe ou chamando-o tal, sempre procedeu como estava acostumado, em
suas atividades. Não foi isso, porém, apenas Q acréscimo de um novo nome, ou
uma mudança de ornatos ou de vestes, mas foi uma glória, que lhes fez crescer a
coragem, aumentou a opinião que êles tinham de si mesmos, e fez que em seu modo
de viver e em suas relações com os outros, eles se tornassem mais majestosos e
mais pomposos que antes: como os atores de tragédias, que, quando se caracterizam
para desempenhar seus papéis no teatro, mudam de andar, de rosto, de atitudes,
de voz, de modo de se sentar à mesa, e de falar: tanto que, depois, tornaram-se
mais violentos em trans mitir suas ordens aos subordinados, depois que haviam
tirado a máscara e a dissimulação do seu poder absoluto, que antes em muitas
coisas os tornavam mais toleráveis e mais delicados, para com os que lhe
deviam prestar obediência: tanto poder e eficácia teve somente a voz de um
adulador, que Introduziu no mundo uma tão grande mudança.

XXIII
Antígono, entusiasmado com o feliz
êxito dos empreendimentos de seu filho Demétrio em Chipre, deliberou
imediatamente atacar de novo a Ptolomeu: ele mesmo em pessoa levou o exército
de terra, enquanto Demétrio continuava por mar, lado a lado, com uma grande
frota de navios; um de seus meninos, porém, de nome Médio, dormindo, teve uma
visão, que indicava qual deveria ser o fim desta empresa; pois lhe fora
revelado, que ele via Antígono, com todo o seu exército, disputar uma dupla
corrida, para ver quem ganharia o prêmio e que ele, no início, correra com
grande entusiasmo e velocidade, mas ao depois, diminuíra a força e o fôlego de
tal sorte que, quando empreendia  a volta,  já  estava  completamente  exausto,  
e assim teve de se retirar. Assim aconteceu de fato: ele encontrou-se em graves
e sérias dificuldades e perigos,  e 
Demétrio também,  por mar,  foi dar à costa, arremessado pela tempestade sobre
escolhos, onde não havia portos nem ancoradouros, nem abrigos para seus navios
e depois de ter perdido muitos deles, teve de regressar sem nada ter feito. 
Antígono, seus familiares e amigos, no mesmo instante,
cingiram-lhe a cabeça com a coroa real, que se chama diadema; a Demétrio,
porém, seu pai o enviou, e nas cartas que lhe escreveu, chamou-o também de
rei. Os que estavam no Egito com Ptolomeu, tendo sabido disto, também o chamaram
e o saudaram como rei, para que não parecesse que, por terem sido vencidos uma
vez, eles tinham perdido a coragem. Assim esta ambição, por inveja e emulação,
passou de um a outro, dos sucessores de Alexandre. Lisímaco, então, começou
também a usar o diadema, e Selêuco também, todas as vezes que falava ou
tratava com os gregos: pois desde muito antes, ele já tratava com os bárbaros,
como rei. Mas Cassandro, embora todos o tratassem como rei, escrevendo-lhe ou
chamando-o tal, sempre procedeu como estava acostumado, em suas atividades. Não
foi isso, porém, apenas o acréscimo de um novo nome, ou uma mudança de ornatos
ou de vestes, mas foi uma glória, que lhes fez crescer a coragem, aumentou a
opinião que eles tinham de si mesmos, e fez que em seu modo de viver e em suas
relações com os outros, eles se tornassem mais majestosos e mais pomposos que
antes: como os atores de tragédias, que, quando se caracterizam para
desempenhar seus papéis no teatro, mudam de andar, de rosto, de atitudes, de
voz, de modo de se sentar à mesa, e de falar: tanto que, depois,  tornaram-se
mais violentos em transmitir suas ordens aos subordinados, depois que haviam
tirado a máscara e a dissimulação do seu poder absoluto, que antes em muitas
coisas os tornavam mais toleráveis e mais delicados, para com os que lhe deviam
prestar obediência: tanto poder e eficácia teve somente a voz de um adulador,
que introduziu no mundo uma tao grande mudança.

XXIII. Antígono, entusiasmado com o feliz êxito dos empreendimentos de seu filho Demétrio em
Chipre, deliberou imediatamente atacar de novo a Ptolomeu: ele mesmo em pessoa
levou o exército de terra, enquanto Demétrio continuava por mar, lado a lado,
com uma grande frota de navios; um de seus meninos, porém, de nome Médio,
dormindo, teve uma visão, que indicava qual deveria ser o fim desta empresa;
pois lhe fora revelado, que ele via Antígono, com todo o seu exército, disputar
uma dupla corrida, para ver quem ganharia o prêmio e que êle, no início,
correra com grande entusiasmo e velocidade, mas ao depois, diminuíra a força e
o fôlego de tal sorte que, quando empreendia a volta, já estava completamente
exausto, e assim teve de se retirar. Assim aconteceu de fato: êle encontrou-se
em graves e sérias dificuldades e perigos, e Demétrio também, por mar, foi dar
à costa, arremessado pela tempestade sobre escolhos, onde não havia portos nem
ancoradouros, nem abri-os para seus navios e depois de ter perdido muitos
deles, teve de regressar sem nada ter feito.  Antígono tinha então perto de oitenta anos; sofria muito
em sua pessoa, mais por causa do tamanho e do peso do seu corpo, do que pela
idade. Tornando-se por isso incapaz para os afazeres da guerra, êle servia-se
do filho, o qual muito feliz se sentia e pela experiência já adquirida levava
adiante com êxito grandes empreendimentos.

XXIV. Seu’
pai não se desgostava nem se ofendia com suas muitas insolências, despesas supérfluas
e libertinagem: em tempo de paz êle entregava-se a todos estes vícios e
prazeres apenas se via livre dos seus encargos, êle abandonava-se dissolutamente
a toda sorte de gozos e de prazeres e proporcionava-se as mais variadas
espécies de voluptuosidades: mas em tempo de guerra, êle era sóbrio e casto
como os que habitualmente o são. A este propósito, diz-se que um dia, quando
Lâmia dominava já completamente e torcia a sua vontade, voltou Demétrio do
campo e foi, como de costume, beijar seu pai. Antígono, rindo-se, disse-lhe:
"Parece-te, meu filho, que beijas a Lâmia?" De outra feita ficou
vários dias ausente em libertinagens, sem ir visitar o pai; depois, para
desculpar-se perante êle, disse-lhe que o reumatismo o obrigava a ficar no
leito e não lhe havia permitido vir visitá-lo. "Eu bem o tinha ouvido
dizer, respondeu Antígono, mas esse reumatismo era de Tasos ou de Chios?"
E isso êle dizia, porque julgava deliciosos os vinhos de uma e outra, dessas
ilhas.  Outra vez, mandou ainda dizer a seu pai, que ele estava passando
mal: Antígono foi vê-lo, e encontrou à porta de sua casa um belíssimo jovem;
depois entrou no seu quarto e sentando-se junto do leito tomou-lhe o pulso.
Demétrio disse-lhe que a febre já havia diminuído muito e tinha ido embora.
"Pois é, respondeu Antígono (16), eu acabo de encontrar há pouco, quando
saía, esse rapaz". Assim tolerava ele docilmente essas faltas, pelas
outras muitas e belas qualidades e atos virtuosos que Demétrio praticava.
Diz-se que os citas, bebendo e embriagando-se, fazem às vezes soar as cordas de
seus arcos, como se isso lhes servisse para lembrar e conservar o vigor da
coragem e da sua ousadia, que se esvairia e dissipar-se-ia pelo prazer do vinho
que eles bebem. Mas Demétrio abandonava-se a cada coisa, por sua vez, ora aos
divertimentos, ora ao cumprimento de seus deveres e encargos de importância e
somente a uma por vez, dava-se às ocupações, sem misturá-las, e assim não era
menos cuidadoso e solícito em preparar todo o necessário para a guerra, mas
era um general judicioso e valente para bem dirigir o exército, e ainda mais
cuidadoso e diligente em prepará-lo e organizá-lo: queria que se tivesse todo o
necessário, mais ainda do que se precisaria de fato, quando chegasse a
oportunidade e o momento justo.

(16)   Leia-se:  Acabo  de encontrá-lo  à porta.

 

XXV. Era,
porém, incansável em imaginar construir magníficos navios e toda espécie de máquinas
de guerra, mesmo somente pelo prazer que experimentava em inventá-las e
executá-las; pois tendo inteligência e sendo naturalmente habilidoso, projetava
e imaginava tais máquinas, que se fazem com a mente e a destreza das mãos; não
aplicava a alma nem o afeto que tinha pelas artes mecânicas, em jogos ou
passatempos inúteis; como tantos outros reis que se divertiam em tocar flauta,
pintar ou esculpir; outros ainda que trabalhavam em ocupações de habilidade,
como Europo, rei da Macedônia, que, com prazer, passava o seu tempo em fazer
pequenas mesas e lâmpadas: Átalo, cognominado Filometor, isto é, que ama a
própria mãe, o qual se entregava à jardinagem e cultivava ervas medicinais,
não só o eleboro e o meimendro negro, mas também a cicuta, o acônito e o
dorínio, semeando-as e plantando-as ele mesmo no jardim do palácio real,
deixando de recolher no tempo próprio os grãos, o suco e o fruto, e de conhecer
seu poder e sua virtude; ou como os reis dos partos, que se gloriavam de eles
mesmos afiarem a ponta de suas flechas: mas Demétrio mostrava mesmo em suas
obras mecânicas que era rei; sua maneira de trabalhar tinha em si tamanha
grandeza, que no meio da engenhosa sutilidade e artifício das obras, mostrava
a altura da sua coragem e a magnanimidade do operário, de tal modo que se
apresentavam elas dignas de uma inteligência e opulência reais, mas
também que eram produzidas pelas próprias mãos de um grande rei: sua grandeza
enchia de espanto aos seus mesmos amigos, e a beleza encantava aos mesmos
inimigos: e o que é ainda verdadeiro e não seria para se dizer, é que seus
inimigos muito se admiravam quando viam navegar pelas suas costas as galeras de
quinze ou dezesseis ordens de remos e suas máquinas de guerra, a que ele
chamava de Elepolis, isto é, máquina para tomar cidades, o que era um
espetáculo de grande admiração para aqueles mesmos que eram sitiados, como os
fatos o comprovam: pois Lisímaco, dentre os reis, era quem mais mal o queria;
tendo vindo levantar o cerco que estabelecera diante da cidade de Soli, na
Cilícia, mandou-lhe pedir que lhe fizesse ver suas máquinas de assalto e suas
galeras navegando no mar; tendo-o atendido e satisfeito à sua vontade, diz-se,
que Lisímaco voltou assaz admirado; quando ele levantou também o cerco de
Rodes, que por muito tempo esteve sitiada, os rodianos pediram-lhe que lhes
deixasse alguma das suas máquinas, para servir perpètuamente como testemunha,
ao mesmo tempo do seu poder, da sua coragem e da sua valentia .

XXVI. Êle
havia feito guerra aos rodianos porque eles eram aliados e confederados
do rei Ptolomeu;  fez acercar-se de seus muros a maior máquina que ele tinha (17), cujo pé era em forma de telha, mais comprido do que largo, e
tinha embaixo, de cada lado, quarenta e oito côvados de comprimento e sessenta
e seis de altura, estreitando-se sempre para cima, em ponta, de modo que os
panos eram para cima mais estreitos, que não à base, e por dentro eram bem
amarrados e reforçados com vários andares e vários entremeios. A parte que
estava voltada para os inimigos era aberta e tinha janelas em cada
andar, pelas quais se lançavam toda espécie de projéteis, pois estava cheia de
homens que combatiam com várias armas: estava ela, porém, tão bem equilibrada
que não balançava, nem se inclinava para um lado, quando nelas os homens se
movimentavam, mas conservava-se firme e erecta, avançando ora num lugar, ora
noutro, com um ruído e um som característicos; isso causava grande pasmo à
inteligência e prazer aos olhos, dos que a contemplavam. Nesta guerra,
foram-lhe enviadas duas couraças de ferro, pesando cada uma quarenta libras
(18); querendo o armeiro Zoilo mostrar-lhes a dureza da tempera e a
resistência, pô-las à prova, colocando-as a uma distância de cento e
vinte passos, onde receberam os golpes de algumas máquinas de guerra; as
couraças foram atingidas,  mas continuaram inteiras,  sofrendo apenas uma leve
arranhadura, que parecia apenas um ponto, como se o mesmo tivesse sido feito
por um pequeno buril ou ponta de estilete. Demétrio usou uma e Alcio a outra;
este era nativo da Albânia, o mais forte e o melhor combatente do seu exército,
e sozinho suportava a sua armadura completa, a qual pesava (19) cento e vinte
libras, quando todos os outros carregavam apenas sessenta (20) . Morreu
ele em Rodes, combatendo valentemente perto do teatro. Neste cerco os rodianos
defenderam-se tao bem, que Demétrio nada pôde fazer digno de menção; mas
embora ele visse que aí perdia o tempo, tinha-se obstinado a combatê-los, pela
ojeriza que tinha contra eles, porque lhe haviam aprisionado um navio, no qual
sua mulher Filla lhe mandava algumas peças de tapeçaria, li-nho, vestidos e
caitas, e haviam mandado tudo imediatamente a Ptolomeu. E nisto não seguiram a
honestidade e a cortesia dos atenienses, que, tendo surpreendido algumas
cartas de Felipe, que lhes fazia a guerra, abriram todas as outras que levavam,
e as leram, exceto as que sua esposa Olímpia lhe escrevera, as quais mandaram
fechadas e lacradas como estavam, quando as receberam.

 

(17)       
Demos-lhe  a  descrição   em 
Diodoro   da   Sicília.   Veja   as Observações no tomo XV —
(Obras morais).

(18)    Leia-se:   de quarenta minas cada uma.

 

 

XXVII.
E embora esta ofensa o tivesse irritado,
enraivecido e causado mui grande despeito, ele não teve animo de se
vingar e de lhes pagar na mesma moeda, pouco depois, quando para isso teve
oportunidade, se o quisesse; pois, por acaso, naquele tempo, Protógenes,
excelente pintor, natural da cidade de Cauno, lhes pintava o retrato da cidade
(21) de Ialiso: Demétrio encontrou o quadro em um edifício que estava fora da
cidade, em um dos arrabaldes, já quase terminado; e como os rodianos lhe
tivessem enviado um mensageiro pedindo-lhe que poupasse tão bela obra e não
permitisse que fosse destruído, ele lhes respondeu que ele teria permitido que
queimassem o retrato de seu pai, do que tão preciosa obra-prima e tão belo trabalho,
pois, diz-se que Protógenes levara sete anos para realizá-lo: e diz-se ainda,
que o mesmo Apeles, quando o viu, ficou tão preso de admiração, que não pôde
falar e ficou longo tempo em silêncio, e por fim assim disse: "Eis uma
obra admirável e um ótimo trabalho: mas falta-lhe a graça, pela qual, os que eu
pinto atingem o mesmo céu". Tendo depois este quadro sido levado a Roma,
e incluído com os outros, foi queimado e destruído pelo fogo. Os rodianos e o
mesmo Demétrio desejavam terminar logo essa guerra, buscando apenas uma ocasião
favorável para o fazer; eis que chegam então embaixadores dos atenienses, muito
a propósito, dizendo que os rodianos de boamente aliar-se-iam
com Antígono e Demétrio contra tudo e contra todos, exceto Ptolomeu.

(19)   Leia-se:  
de  dois talentos.

(20)   Leia-se:   de um  talento.

(21)   Não   é 
questão   de  cidade,  mas  da  pessoa   de   Ialiso,  no grego. Veja as
Observações no tomo XV.

 

XXVIII.             Os atenienses chamavam a Demétrio,
porque Cassandro tinha vindo cercar a cidade: por isso Demétrio navegou
imediatamente para Atenas com trezentas e trinta galeras, e muitos homens bem
armados, de tal modo que expulsou Cassandro, não somente da província da
Atica, mas o perseguiu até o desfiladeiro das Termópilas, onde o derrotou em
combate organizado, e recebeu a cidade de Heracléia, que voluntariamente a ele
se entregou, e seis mil macedônios que passaram para o seu lado, Depois, de
volta, deu liberdade a todos os gregos que habitam aquém do desfiladeiro, fez
aliança com os beócios, tomou a cidade de Cencres, e as fortalezas de File, e
de Panactos, nas fronteiras da Ática, nas quais Cassandro tinha deixado as
guarnições, para conservar o país sob seu domínio, e depois de os ter expulso,
entregou as terras aos atenienses.

XXIX.          Embora antes os
atenienses parecessem ter desdobrado inteiramente a sua antiga parcimônia em
lhe decretar toda espécie de honras, à porfia, encontraram ainda outros meios
novos de o engrandecer e adular; ordenaram, pois, que a parte posterior do
templo de Minerva que se chamava Partenon, isto é, o templo da virgem, ser-lhe-ia
preparado e mobiliado para seu aposento, para ele aí residir: diziam que era a mesma deusa Minerva quem
o recebia em sua casa. Mas na verdade, era ele um hóspede muito pouco casto e
pudico, para se pensar que uma deusa virgem pudesse desejar que fosse alojado
em sua companhia. E, no entretanto, seu pai Antígono, um dia tendo sabido que
se tinha preparado a residência de seu irmão Felipe, em uma casa onde havia
três moças, nada lhe disse, mas mandou em sua presença chamar o quartel-mestre
e disse-lhe: "Não desalojarás meu filho deste lugar, tão apertado?" E
Demétrio, que devia ter tanta reverência para com Minerva, se não por outro
motivo, pelo menos como sua irmã mais nova, (pois assim queria ele que a chamassem)
contaminou todo o prédio, dentro do qual estava este santo templo virginal, com
tantas baixezas que cometeu, tanto nas pessoas de crianças de famílias
honestas, como em moças da cidade; de tal modo que o ambiente parecia mais puro
e mais casto, quando ele aí cometia atos indecorosos simplesmente com suas
meretrizes Crisis, Demo, Lâmia e Anticira. Para honra da cidade, não devemos
dizer em particular e claramente todas as vilezas e obscenidades que aí se
cometeram.

XXX. A virtude, porém, e a honestidade de Democles não deve
ser esquecida nem conservada em silêncio. Este era um moço que ainda não tinha barba, e era tanta a sua beleza que na cidade era conhecido por Democles, o
Belo.   Demétrio veio a saber disto, e começou a perseguir o rapaz,
com toda a espécie de rogos e solicitações, promessas, presentes e até
ameaças; quando viu que era impossível conquistá-lo, e que o rapaz vendo-se tão
perseguido e importunado, deixava de freqüentar os lugares públicos, onde os
outros moços costumavam divertir-se e exercitar-se em jogos e ginástica, para
evitar os banhos comuns ia lavar-se num estabelecimento particular, Demétrio
indagou do dia e da hora, e lá entrou quando estava ele sozinho. O moço,
vendo-se em perigo e não podendo de outro modo impedir que Demétrio abusasse
dele, tirou a tampa da caldeira onde fervia a água para o banho e pulou para
dentro dela, onde morreu queimado e afogado: não merecia ele certamente tão infausto
fim, mas teve a coragem digna de sua beleza e de sua pátria; não fez ele, como
um outro, certo Cleaneto, filho de Cleomedon, que levou cartas de Demétrio
dirigidas ao povo, e fez de modo que pela intercessão e a rogo do mesmo
Demétrio a multa de cinqüenta talentos (22) à qual seu pai tinha sido condenado e
por falta de pagamento eslava encarcerado, lha fosse perdoada e indultada;

fazendo isso, não somente ele se desonrou e difa-mou-se a si
mesmo, mas ainda agitou toda a cidade: pois o povo perdoou a multa a
Cleomedon, mas promulgou um edito pelo qual proibia que de então em diante cidadão algum trouxesse cartas de
Demétrio. Sabendo ao depois que Demétrio estava muito descontente com esse
edito, e que se tinha irritado muito, não somente cassaram o primeiro decreto,
mas também, daqueles que tinham sido autores ou que tinham neles intervido,
eles fizeram morrer alguns e expulsaram aos outros. E, além disso, fizeram
outro decreto, pelo qual declarou-se que o povo ateniense acharia de ora em
diante, religioso, quanto aos deuses, e justo, quanto aos homens, tudo o que
agradasse ao rei Demétrio ordenar. Alguém então, dos mais notáveis personagens
e dos mais nobres da cidade, disse que Estratocles era indivíduo mentecapto, em
propor tais coisas: "Bem mentecapto seria ele verdadeiramente, se não
fosse da qualidade dos que se chamam lacônios", respondeu Democares (23) .
Isto ele dizia, porque Estratocles havia recebido inúmeros benefícios de
Demétrio, por essa bajulação. Democares, porém, acusado de ter dito essas
palavras, foi banido da cidade. Eis o que faziam os atenienses, que pareciam
estar livres da sujeição anterior e ter conquistado a sua primeira liberdade e
imunidade.

(32)    Trinta  mil   escudos.  
—  Amyot.   233.437   libras   e   10   s.   na nossa  moeda.

 

XXXI. Daí
Demétrio passou ao Pelopo-neso, onde nenhum de seus inimigos se atreveu a
atacá-lo, mas, ao contrário, fugiram todos à sua aproximação, abandonando-lhe
suas praças, fortificaçoes e cidades. Assim estabeleceu ele sob seu domínio
toda a região a que chamam Acta (24) e toda a Arcádia, exceto a cidade de
Mantinéia: libertou as cidades de Argos, Sicíone e Corinto, por cem talentos
que ele entregou (25) aos que compunham a sua guarnição. Veio nessa ocasião o
tempo em que se celebra a festa de Juno em Argos, a que chamam Heréa. Demétrio,
querendo celebrar esta solenidade com os gregos, desposou a Deidamia, filha de
Eacides, rei dos molossos e irmã de Pirro, e persuadiu aos siciônios de deixar
sua cidade e vir habitar e estabelecer-se em um outro lugar, muito mais belo,
que estava bem perto, e no qual ainda moram presentemente; com a praça e a
situação trocou também de nome a cidade: pois em vez de Sicíone passou a se
chamar Demetríade. Depois, em uma assembléia dos estados da Grécia, que se
reuniu no estreito do Peíoponeso, o qual se chama Istmo, onde se havia ajuntado
uma grande multidão de homens, de todas as partes da Grécia, ele foi eleito
comandante-geral de toda a Grécia, como antes já o haviam sido Felipe e
Alexandre, reis da Macedônia, ao qual, não somente ele se comparava, mas
imaginava ser ainda maior, porque então a fortuna lhe sorria, e seus
empreendimentos eram bem sucedidos: Alexandre, porém, jamais tirou
aos outros reis o título e o nome de rei, nem jamais se chamou rei dos reis,
embora tivesse dado a muitos o nome e o poder de rei; e ao contrário, este
ria-se e zombava daqueles que chamavam aos outros príncipes, de rei, exceto êle
e seu pai; sentia prazer e gostava de ouvir os seus, que, nos banquetes,
pediam vinho ao rei Demétrio e chamavam, a Selêuco, senhor dos elefantes, a
Ptolomeu, almirante, a Lisímaco, guarda do tesouro, a Agátocles, Siciliano, governador
das ilhas. Os outros reis, quando se lhes contavam tais gentilezas, riam-se à
vontade, menos Lisímaco, que se irritava e se mostrava muito despeitado porque
Demétrio o julgava castrado, pelo costume de se entregar antigamente a guarda
do tesouro a um eunuco. Era Lisímaco quem lhe tinha mais antipatia e inimizade,
e querendo espicaçá-lo, pois ele tinha sempre Lâmia junto de si, da qual
estava apaixonado, disse: "Eu nunca tinha visto, até agora, uma meretriz
fingir". Demétrio respondeu-lhe que sua meretriz era mais pudica do que a
Penélope dele.

(23)   Leia-se:   Leuconiano,  
isto   é,   da   Leucònia,   arrabalde   ou bairro  da Ática.
(24)       
É toda a parte oriental da costa do
Peíoponeso, que aqui é designada pelo nome de Acta. antes comum a vários outros
cantões marítimos.
(25)       
Sessenta mil escudos. — Amyot. 466.875
libras de nossa moeda.

 

XXXII. Afastando
-se então do Peloponeso, voltou a Atenas, mandando, antes dele, algumas cartas,
nas quais pedia aos atenienses que, apenas chegasse, queria ser recebido na
confraria e na religião de seus santos mistérios, e desejava que lhe
mostrassem, de uma vez, tudo o que havia, desde as coisas mínimas até as mais
importantes, e as cerimônias mais secretas, que se chamavam Epópticas, porque
eram manifestadas aos sócios e confrades, muito tempo depois de terem eles sido
admitidos às primeiras e pequenas cerimônias: o que não era possível, nem
jamais antes havia sido feito, porque os pequenos mistérios celebravam-se desde
tempos muito remotos no mês de novembro (26) e os grandes no mês de agosto
(27) e os confrades não eram admitidos a ver pessoalmente estas últimas e
santas cerimônias, a não ser um ano inteiro, pelo menos, depois dos grandes
mistérios. Quando estas cartas foram lidas publicamente, ninguém ousou
contradizê-las, exceto Pitodoro, o sacerdote que leva a tocha quando se mostram
os mistérios; todavia sua oposição de nada valeu, pois, segundo a proposição
de Estratocles, foi declarado e determinado em plena assembléia da cidade, que
o mês de março (28), em que então se achavam, seria chamado novembro (29) e
como tal considerado. E assim sendo, por seus decretos e editos da cidade,
podiam eles receber Demétrio e de fato o receberam na confraria de seus
mistérios: depois, novamente, este mesmo mês de março (30), que eles haviam
convertido  em  novembro   (31)   transformou-se  repentinamente em agosto (32) e nesse mesmo foi
celebrada então a outra solenidade dos grandes mistérios e assim também, do
mesmo modo, De métrio foi admitido a ver cerimônias mais secretas e íntimas
(33) . Por isso o poeta cômico Felipides, reprovando este sacrilégio e
esta impiedade da religião violada por Estratocles, fez alguns versos, a
propósito:

Aquele que tem o curso e o circuito do
ano inteiro, o reduz a um único mês.

Depois, com relação ao fato de
ter ele sido causa de que a residência de Demétrio lhe fosse preparada no
templo de Minerva, que estava dentro do edifício:

Aquele que fez de vossa fortaleza uma
taverna, e que, no templo da deusa Virgem Palas, alojou meretrizes.

XXXIII. De
todas as baixezas e indecências, imoralidades e desmandos que se cometeram em
Atenas, embora muitos fossem, um não houve, como se diz, que humilhasse e
pesasse tanto sobre os atenienses como este: Demétrio ordenou-lhes que lhe
entregassem imediatamente a soma de duzentos e cinqüenta talentos  (34) .  A coleta dessa importância
lhes foi sumamente penosa, tanto pela exigüidade do tempo que lhes foi marcado,
como porque   não   conseguiram   obter-lhe   uma   redução. Quando ele teve
em mãos este dinheiro, que lhe foi entregue em um amontoado, ele mandou que o
levassem a Lâmia e às outras meretrizes, que viviam com ele, para que
comprassem sabão: pois a vergonha fazia-lhes mais mal que a perda de seu
dinheiro; e as palavras, que ele usou para desprezo deles e da sua cidade, 
causaram-lhes mais humilhação e sofrimento que não o dinheiro pago;  todavia
alguns dizem que não foi aos atenienses que ele   fez  passar  semelhante 
vexame,   mas  aos  tessálios .

(26)   Veja as Observações.
(27)   Boedromion,  setembro.
(28)    Munychion,   abril.
(29)   Fevereiro.
(30)   Abril.
(31)   Fevereiro.
(32)       
Setembro.
(33)   
Veja as Observações.

 

XXXIV. Ainda,
porém, além disto, Lâmia por iniciativa própria exigiu dinheiro de vários cidadãos
particulares, para uma festa que ela organizou para Demétrio, cuja apresentação
foi tão suntuosa e magnífica que Liceu, natural da ilha de Samos, escreveu-lhe
a descrição e um certo poeta cômico, a esse propósito, não menos zombeteira que
verdadeiramente, chamou a Lâmia de EAepolis, isto é, máquina de tomar
cidades; e Democares, natural da cidade de Soh, chamava a Demétrio de fábula,
porque tinha sempre essa Lâmia junto de si  (35),

(34)     Cento e cinqüenta mil escudos. — Amyot.  1.167.187
libras e 10 s.   de nossa moeda.
(35)    
Isso não está no texto.  Veja as
Observações.

 

(como nas fábulas que as velhas contam às crianças,
há sempre uma Lâmia, isto é, uma fada ou uma feiticeira): de modo que a
autoridade e o prestígio de que Lâmia gozava e o amor que Demétrio lhe
consagrava não causavam ciúme, somente, e inveja das mulheres que Demétrio
desposara, mas também o ódio de seus familiares e de seus amigos particulares.
Alguns de seus gentis-homens, que ele havia mandado como embaixadores ao rei Lisímaco,
privando com o mencionado rei, viram um dia grandes cicatrizes, que ele lhes
mostrou, causadas pelas garras de um leão, nas coxas e nos braços, pois ele
fora obrigado a combater com a fera, quando o furor de Alexandre o encerrara
dentro de uma jaula em companhia do feroz animal (36) : riram-se eles, e
disseram também que seu senhor trazia também no pescoço os sinais das mordidas
de um outro terrível animal, Lâmia. Para dizer a verdade, isto era coisa
deveras estranha, pois ele tinha pouca vontade e, com grande pesar, desposara
sua mulher Filia, porque não era ela de idade igual à sua; como é então que
estava tão cativo de Lâmia e como a amou com perseverança durante tanto tempo,
considerando-se que ela era madura e  superadulta?  Por  isso,   Demo,  que foi
apelidada de Mania (37), (que significa a raivosa), respondeu-lhe graciosamente
uma tarde quando Lâmia tinha tocado flauta durante a refeição, tendo-lhe
Demétrio perguntado: "Que lhe parece agora, Demo, da minha Lâmia? — Uma
velha, majestade", disse ela. Outra vez, quando haviam servido frutas no
fim da refeição: — "Vede, disse Demétrio, quantos pequenos obséquios me
envia Lâmia?" — "Minha mãe, respondeu Demo, te enviará ainda muito
mais, se quiseres dormir com ela".

(36)   No grego não se
fala de jaula, mas de um lugar cercado; como as arenas onde se realizavam os
combates com as feras.

 

XXXV.
Conta-se também que Lâmia, certa vez,
protestou num julgamento de Bocoris, pelo seguinte: havia no Egito um homem
que se apaixonou por uma meretriz de nome Tonis; ela, porém, pedia
muito dinheiro para dormir com ele, e o rapaz não podia consegui-lo: era tão
grande a paixão, que uma noite o moço sonhou que estava dormindo com ela e que
no sonho sentia o mesmo prazer, tão veemente e tão forte que, depois ao
despertar, o mesmo prazer passou ao corpo. Sabendo disso, a meretriz citou-o
perante o tribunal, para ter o que lhe competia pelo prazer causado ao moço,
embora em imaginação, apenas. Bocoris, por sua vez, ordenou ao rapaz que
trouxesse ao tribunal, dentro de um vaso, tanto dinheiro quanto ela lhe havia
pedido para dormir com ele; depois mandou que. ele o movimentasse em suas mãos,
diante dela, para que ela tivesse somente a vista e a sombra: pois, dizia ele,
"a imaginação e a opinião são apenas a sombra da verdade". Mas Lâmia
achou que este julgamento e esta decisão estavam errados, pois, "a sombra,
dizia ela, ou a vista do dinheiro não satisfez o desejo de possuir, da mulher,
como o sonho tinha deleitado a paixão do moço e o amor que ele sentia".
Mas basta o que dissemos sobre Lâmia. XXXVI. No
entretanto os feitos e as aventuras daquele de quem estamos escrevendo fazem
passar as palavras da nossa narração de um teatro cômico a uma tragédia, isto
é, de um assunto leve e agradável a outro lamentável e cheio de lágrimas; pois
todos os outros príncipes e reis reuniram-se e fizeram aliança contra Antígono
e reuniram num só bloco toda sua força e toda sua potência. Por isso Demétrio
saiu imediatamente da Grécia, e foi reunir-se a seu pai, encontrando-o mais
animado e entusiasmado a essa guerra, do que o comportava a sua idade,
acrescentando-se que a sua chegada animou-o e encorajou-o ainda mais: todavia,
como me parece, se Antígono tivesse querido ceder em algu mas pequenas coisas,
se tivesse querido ou podido refrear um pouco sua ambição desenfreada de do
minar, ele teria conservado para si mesmo e ainda legado a seu filho, depois de
sua morte, o primeiro  grau de autoridade e de poder, entre todos os reis
sucessores de Alexandre; mas ele era orgulhoso e de natureza excessivamente
soberba, insoíente e ousado em fatos, nao menos que em palavras, com as quais
indispôs gravemente contra si mesmo vários homens grandes e poderosos. Dizia
ele que haveria de destruir e esmagar aquela liga e aquele grupo de conjurados
contra ele, tão facilmente como se espanta e se assusta um grupo de passarinhos
que vem roubar a semente, depois de lançada ao solo, com uma pedrada ou com um
pouco de barulho. E assim pôde ele levar à batalha mais de setenta mil homens
de infantaria e dez mil de cavalaria, com setenta e cinco elefantes. Seus
inimigos tinham sessenta e quatro mil homens de infantaria e quinhentos de
cavalaria, mais do que ele, com quatrocentos elefantes e mais ou menos cento e
vinte carros de combate.

(37) O que
está entre parêntesis é uma explicação de Amyot e não é justa; tinha-se dado
este apelido à meretriz, porque ela tinha o costume de dizer freqüentemente
Mavid, isto é, loucura. Veja Athénée, 1. XIII. pág.  578.

 

XXXVII.     Quando  os  dois 
exércitos  se aproximaram um do outro, parece-me, que em sua mente surgiram 
algumas  apreensões,  as  quais  lhe modificaram a esperança, não, porém, sua
coragem; nas outras batalhas,  estava acostumado a mostrar atitude e  gestos 
ousados,   falando  em voz  alta  e forte, usando palavras altivas e animadoras
ou ainda mesmo,   às  vezes,   dizendo   palavras   chistosas   no auge da
luta, mostrando confiança em si mesmo e desprêzo pelo inimigo; agora, porém,
era ele visto calado e pensativo,  sem  falar.   Um  dia  mandou reunir todo o seu exército e apresentou seu filho aos
soldados, recomendando-lhes que o tivessem por seu sucessor e herdeiro; depois
falou com ele a sós, em sua tenda, e disso muito mais ainda todos se admiraram; 
não estava ele na verdade  acostumado  a manifestar a quem quer que fosse o
segredo do seu conselho, nem mesmo ao seu próprio filho, mas tudo deliberava
consigo mesmo, e depois ordenava publicamente aquilo que ele sozinho havia
deliberado. A este propósito, diz-se, que Demétrio sendo ainda muito jovem,
perguntou-lhe um dia, quando o campo mudaria de posição, e que ele respondeu encolerizado: 
"Tens medo de que somente tu não escutes o som da trombeta?" E o que
é mais, acon-teceram-lhes vários e sinistros presságios,  os quais muito lhe
diminuíram o entusiasmo e enfraqueceram-lhe o ânimo; pois fora revelado a
Demétrio, em sonho, que Alexandre, o Grande, aparecera a ele armado com todas
as peças e que lhe perguntara que palavra eles tinham deliberado dar no dia da
batalha: ele respondeu que tinham proposto Júpiter e Vitória: e que Alexandre
lhe dissera: "Vou então para os inimigos,  pois eles me receberão" .
E depois, no mesmo dia da derrota, quando todo o exército já estava disposto no
campo de batalha, Antígono, saindo de sua tenda, chocou-se tão fortemente, que
caiu de bruços,  ferindo-se bastante; quando o levantaram,  erguendo  as mãos 
ao  céu, ele rogou aos deuses, que lhes prouvesse conceder a vitória, ou então
a morte repentina, sem grande dor, antes que ser vencido e ver seu exército dispersado
e desbaratado.

XXXVIII. Travou-se então a luta e os homens combatiam
corpo-a-corpo; Demétrio, que tinha consigo a melhor e a maior cavalaria, foi
atacar Antígono, filho de Selêuco, e combateu com tanto denodo que daquele lado
desbaratou o inimigo, e o pôs em fuga: mas, por uma ambição imprudente e um
entusiasmo vão, de perseguir os fugitivos, antes que fosse tempo para isso, ele
perdeu tudo e foi outrossim causa de uma derrota: pois quando voltou da
perseguição, não pôde alcançar seus homens de infantaria, pois os elefantes
estavam colocados entre eles: e então Selêuco, vendo que do lado de Antígono
não havia mais cavalaria, não se, dirigiu para êle, incontinenti, mas ladeou-o,
como para cercá-lo, por trás, e amedrontá-los, fazendo sempre menção de
atacá-los, para lhes dar, no entretanto, ocasião de passar para o leu lado,
como eles de fato fizeram; pois uma grande parte do exército de Antígono
abandonou-o e se entregou aos inimigos e o resto foi dispersado. E como um
grupo considerável de homens se dirigisse enfurecido para o lugar onde
Antígono se encontrava, um dos que estavam perto dele lhe disse: Majestade!
Cuidado! Pense em si mesmo, pois elas vêm nos atacar" — Ele respondeu:  
"E para que me conhecem eles (38) ? Além de que, meu filho
Demétrio virá em meu auxílio". Era a sua última esperança; ele olhava
sempre para todos os lados, se o via aparecer de algum lugar, até que
finalmente, a golpe de dardos, de flechas e de lanças ele foi atirado por
terra; ninguém ficou perto do seu corpo, nem seus amigos, nem seus soldados, a
não ser um tal Tórax, da cidade de Larissa, na Tessália.

(38)   Alguns  
sábios   corrigem   de   uma   maneira   provável   esta passagem, lendo: e a
que outro poderiam eles dirigir-se?

 

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