A questão do suicidio

  • Este tópico está vazio.
Visualizando 15 posts - 16 até 30 (de 144 do total)
  • Autor
    Posts
  • #75718
    vinny
    Membro

    Sem querer ser chato…

    MEDICINA – Folha de São Paulo, 30 de julho de 2001

    Cientistas da UFMG analisam variações na sequência de DNA
    que podem estar ligadas ao comportamento humano

    Estudo busca influência de genes no suicídio
    ISABEL GERHARDT
    DA REPORTAGEM LOCAL

    Até que ponto os genes podem moldar variações no
    comportamento humano? O debate entre os que acreditam que
    a personalidade pode ser geneticamente pré-determinada e
    os que condenam essa visão, afirmando que o ambiente é
    fundamental, deverá ser enriquecido por um estudo
    brasileiro que procura determinar a influência de certos
    genes no comportamento suicida das pessoas.
    Pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas
    Gerais) estão estudando as variações que ocorrem na
    sequência de DNA de alguns dos genes de fatores
    relacionados à serotonina -um neurotransmissor associado
    às alterações do humor, à depressão e aos mecanismos do
    sono e da alimentação- e tentando associá-las à
    transmissão do comportamento suicida.
    “Sabemos que o suicídio é, pelo menos parcialmente,
    determinado geneticamente”, afirma Humberto Corrêa, do
    Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, um dos autores
    do estudo. O desafio, segundo o pesquisador, é descobrir
    quais os genes responsáveis por tal comportamento.
    Como estudos anteriores do grupo da UFMG revelaram que a
    redução da função serotoninérgica pode estar associada ao
    comportamento suicida em pacientes deprimidos e
    esquizofrênicos, os genes associados a essa função são os
    principais candidatos.
    De acordo com Corrêa, a função serotoninérgica é “uma
    equação complexa”, que depende do funcionamento de
    inúmeras enzimas, transportadores e receptores de
    serotonina, cada qual codificado por um gene diferente. O
    grupo se dedica, no momento, à análise das variações de
    cinco genes.

    Variações individuais
    O trabalho de Corrêa envolve uma das áreas mais
    promissoras da biologia molecular, o estudo de
    polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, na sigla em
    inglês).
    Os SNPs (“snips”) são variações numa certa posição do
    genoma, que ocorrem aproximadamente a cada mil pares de
    bases (as letras A, C, G e T). Ter um A ou um G numa
    determinada posição de um gene pode significar a
    diferença entre ter uma proteína defeituosa -que causará
    o surgimento de uma doença- ou não.
    Os pesquisadores da UFMG afirmam que procurar genes
    associados ao suicídio não significa ignorar que questões
    sociais e culturais estão ligadas ao fenômeno.
    Para o médico Marco Aurélio Romano-Silva, coordenador do
    estudo, independente da cultura ou da sociedade, o
    suicídio ocorrerá nas pessoas que teriam uma
    vulnerabilidade biológica (neuroquímica e
    genética). “Poderíamos dizer que a cultura serviria como
    maior ou menor repressor da expressão da vulnerabilidade
    biológica ao suicídio”, afirma.
    Romano-Silva afirma que existem culturas em que as taxas
    de suicídio são muito baixas (e dá como exemplo a
    islâmica) e outras em que são muito altas (países do
    Leste Europeu). Assim como existem variações em razão do
    sexo -homens se suicidam mais do que mulheres- e da
    idade -suicidam-se mais os jovens de 15 a 30 anos e
    pessoas idosas.
    Os pesquisadores chamam a atenção ainda para o fato de
    que, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde),
    houve um aumento global de 60% na mortalidade por
    suicídio nas últimas décadas e que há uma tendência de
    aumento nas taxas de suicídio em países do Terceiro Mundo
    como o Brasil.

    Entre um T e um C
    O primeiro gene a ser analisado pelo grupo da UFMG foi o
    5HT-2C, um receptor da serotonina. Os pesquisadores
    estudaram um polimorfismo desse gene: uma mutação na
    posição 102 da sequência de DNA, de um T para um C.
    Trabalhos anteriores haviam mostrado que essa variação
    poderia estar associada a sintomas psiquiátricos. No
    entanto, depois de avaliarem 300 pessoas, Corrêa e Romano-
    Silva concluíram que esse polimorfismo particular (no
    gene 5HT-2C) não estaria associado ao comportamento
    suicida ou ao diagnóstico psiquiátrico. “Estamos
    estudando agora os outros genes”, afirma Corrêa.

    #75719

    Mceus,entendi o que quis dizer. Eu sei que temos instintos embora em nós o instinto seja progressivamente substituido pela aprendizagem. Permita-me só esclarecer uma coisa…eu penso que o animal aprisionado não sabe que vai morrer…ele pressente, detecta, mas saber , para mim, é mais do que isso, é ter consciência, saber o que a morte significa.Concordo consigo quando diz que “a razão não impera”, até porque acho que ninguém se suicida por reflexão.Quando me referia a “reflexão”, referia-me à consciência, ao facto de se premeditar, pesar a decisão.Penso que pôr termo à vida terá de envolver demasiada emoção. Penso que a liberdade está no facto de ser uma decisão do sujeito que contraria a lei da vida.Onde está mais uma vez a reflexão? NO facto de o suicídio ser a tal obra de arte que o homem prepara no silêncio do seu coração. mas são só considerações que estou a tecer…mal podemos falar da morte dos outros…
    Em relação ao que disse o vinni, sim, é conhecida já essa predisposição genética para a depressão, para o suicídio. Há pessoas que são potenciais suicidas e aí entra a prevenção e eventualmente o tratamento farmacológico…

    #75720
    márcio
    Membro

    Vinny, muito bom. De alguma forma essa “capacidade” entrou no bio-codigo. Vamos ter que tira-la.

    Por outro lado, olhando de uma forma mais generica, imagino que esse fenomeno (suicidio) esteja associado com uma possivel dificuldade que o nosso cerebro tenha de lidar com a Mudança.

    Mudar de: rico para pobre, famoso para anonimo, popular para impopular, com perna para sem perna, certo para errado, etc.

    Entendo que o nosso corpo biologico esta bastante preparado para essas mudanças, mas o cerebro …

    #75721
    vinny
    Membro

    Desculpem novamente, porém acho interessante a ciência hj, leiam se quiserem.

    Ciência – The New York Times, 19 de fevereiro de 2002

    Maioria das decisões cotidianas são tomadas pelo
    subconsciente

    Sandra Blakeslee

    Jogar compulsivamente; assistir eventos esportivos; dar
    trotes no telefone; investir assiduamente no mercado de
    ações. Estas atividades aparentemente não têm muita coisa
    em comum. Entretanto, os neurocientistas descobriram um
    fio que as conecta.

    Estes comportamentos são possíveis graças a circuitos
    cerebrais desenvolvidos para auxiliar os animais a
    identificar recompensas relevantes para sua
    sobrevivência, como o sexo e o alimento. Pesquisadores
    descobriram que esses mesmos circuitos são empregados
    pelo cérebro humano para identificar recompensas sociais
    tão diversas entre si como lucros com investimentos e um
    gol aos 44 minutos do segundo tempo.

    E para a surpresa de muitos, os cientistas descobriram
    que os sistemas cerebrais responsáveis pela detecção e
    avaliação destas recompensas geralmente operam fora da
    esfera da consciência. Quando investigam o mundo e buscam
    algo recompensador, os humanos agem mais como zumbis do
    que como seres pensantes.

    As descobertas, que contam com apoio cada vez maior entre
    neurocientistas, contestam a idéia de que as pessoas
    sempre fazem escolhas conscientes acerca daquilo que
    querem e de como desejam alcançar suas metas. Na verdade,
    grande parte daquilo que se passa no cérebro tem lugar
    fora da esfera da consciência.

    A idéia já estava presente em Freud, afira o Doutor
    Gregory Berns, um psiquiatra da Escola de Medicina da
    Universidade Emory, em Atlanta. Os psicólogos estudaram o
    processamento inconsciente da informação relativos a
    efeitos subliminares, memória e aprendizado, e começaram
    a mapear quais partes do cérebro estariam envolvidas
    neste processamento. Mas só agora eles notaram como de
    que maneira estes diferentes circuitos interagem.

    “Suspeito de que a maior parte das decisões são tomadas
    de modo subconsciente, com diversas gradações de
    consciência”, disse Berns. “Por exemplo: sei vagamente
    como cheguei hoje ao trabalho. Mas a consciência parece
    estar reservada para coisas mais importantes”.

    O Doutor P. Read Montague, um neurocientista da Faculdade
    de Medicina Baylor, afirma que a idéia de que as pessoas
    podem chegar ao trabalho com uma espécie de “piloto-
    automático” levanta duas questões: como o cérebro sabe a
    quais coisas deve dar atenção? E de que maneira a
    evolução criou um cérebro capaz de fazer tais distinções?

    A resposta ensaiada a partir de testes com animais e
    seres humanos é que o cérebro desenvolveu para adequar-
    se, desde a infância, ao que encontra no mundo exterior.

    Como explica Montague, boa parte do mundo é previsível:
    os prédios geralmente permanecem no mesmo lugar, a força
    da gravidade faz com que os objetos caiam, a luz em um
    ângulo oblíquo cria sombras compridas, e daí por diante.
    À medida que a criança cresce, o cérebro constrói modelos
    internos para tudo aquilo que encontra, e gradualmente
    vai aprendendo a identificar objetos e prever como eles
    se movem no espaço e no tempo.

    À medida que novas informações chegam do mundo exterior,
    o cérebro automaticamente as compara com aquelas que ele
    já possui. Se elas coincidem ­ como ocorre quando as
    pessoas passam diariamente por um mesmo trajeto ­
    acontecimentos, objetos e a passagem do tempo podem não
    chegar à esfera da consciência.

    Mas se há uma surpresa ­ um carro que passa o sinal
    vermelho ­ o descompasso entre o que era esperado e o que
    ocorre naquele instante lança o cérebro em um novo
    estado. Um circuito cerebral encarregado da tomada de
    decisões é ativado, novamente fora da esfera da
    consciência. Com o auxílio de experiências passadas, toma-
    se uma decisão: pisar no freio, virar a direção ou seguir
    adiante. Apenas um ou dois segundos depois, quando as
    mãos e os pés já iniciaram a decisão eleita, surge a
    sensação de se ter tomado uma decisão.

    Montague estima que 90% das ações cotidianas das pessoas
    são executadas por esta espécie de sistema automático e
    inconsciente que possibilitou a sobrevivência dos seres
    vivos.

    Os animais utilizam estes circuitos para saber o que
    devem esperar, o que devem ignorar e o que vale a pena
    aprender. Os seres humanos os utilizam para as mesmas
    finalidades que, em função da cultura e de um cérebro
    maior, incluem ainda ouvir música, comer chocolate,
    avaliar a beleza, jogar, investir em ações e consumir
    drogas ­ tópicos que foram estudados no ano passado com
    máquinas que filam o cérebro e medem diretamente a
    atividade dos circuitos cerebrais humanos.

    Os dois circuitos que foram estudados mais detalhadamente
    estão relacionados ao modo como animais e seres humanos
    identificam recompensas. Em ambos está presente um
    elemento químico chamado dopamina. O primeiro circuito,
    localizado na região média do cérebro, auxilia animais e
    humanos a identificar instantaneamente a presença ou
    ausência de recompensas.

    O circuito foi descrito detalhadamente há vários anos por
    Wolfram Schultz, um neurocientista da Universidade de
    Cambridge, na Inglaterra. Ele averiguou a produção de
    dopamina no cérebro de um macaco e fez testes com
    diversos tipos de recompensa ­ geralmente doses de suco de
    maçã que o animal gostava de beber.

    Schultz verficou que quando o macaco recebia mais suco do
    que esperava, a dopamina invadia vigorosamente os
    neurônios. Quando o macaco ingeria a quantidade esperada
    de suco, com base em doses anteriores, a dopamina não
    aparecia. E quando o macaco esperava receber um pouco de
    suco e não recebia nada, a dopamina caía, como uma
    espécie de sinal da ausência de recompensa.

    Cientistas acreditam que este sistema de dopamina está
    constantemente fazendo previsões sobre o que deve esperar
    em termos de recompensa. O aprendizado ocorre somente
    quando algo inesperado ocorre e as taxas de dopamina caem
    ou sobem. Quando nada de extraordinário ocorre ­ como a
    série regular de doses iguais de suco de maçã ­ o sistema
    da dopamina permanece inalterado.

    Nos animais, diz Montague, estes sinais de dopamina do
    mesencéfalo são enviados diretamente para regiões do
    cérebro que iniciam os movimentos e o comportamento.
    Essas regiões do cérebro definem como conseguir mais suco
    de maçã ou ficar ali no mesmo lugar sem fazer nada. Nos
    humano, porém, o sinal da dopamina também é enviado a uma
    região mais elevada do cérebro, chamada córtex frontal,
    para um processamento mais elaborado.

    Jonathan Cohen, um neurocientista de Princeton, estuda
    uma parte do córtex frontal chamado cingulata anterior,
    localizada logo atrás da testa. Esta parte do cérebro
    encarrega-se de várias funções, afirma Cohen ­ entre elas
    a detecção de erros e contradições no fluxo de
    informações que é processado automaticamente.

    Experimentos com imagens cerebrais começam agora a
    revelar que quando uma pessoa recebe uma recompensa
    inesperada ­ o equivalente a uma grande dose de um
    delicioso suco de maçã ­ mais dopamina chega à cingulata
    anterior. E quando uma pessoa aguarda uma recompensa e a
    recebe, a cingulata anterior permanece inalterada.

    Quando as pessoas aguardam uma recompensa e não a
    recebem, o cérebro necessita de uma forma para registrar
    o fato de que falta algo, de modo que possa reajustar as
    expectativas para eventos futuros, afirma Cohen. Tal como
    nos macacos, os neurônios de dopamina se projetam para
    áreas que planejam e controlam movimentos, ele diz.
    Oscilações de dopamina fazem com que as pessoas se
    levantem de suas camas e façam coisas sem que haja uma
    determinação da consciência desperta.

    #75722
    márcio
    Membro

    Certo. O que é a mente ?
    Minha resposta: É a parte do cerebro que vemos.

    Semelhante ao que os nossos olhos veem. Apenas a parte do mundo que esta no campo de visao.
    No caso da vista, conseguimos girar o pescoço e ver muito mais.

    No caso da mente, como ainda nao descobrimos como virar esse “terceiro olho”, nao vemos o resto do cerebro. Vemos apenas uma porcao, a qual chamamos de Mente (ou Consciente).

    #75723

    “Como explica Montague, boa parte do mundo é previsível:
    os prédios geralmente permanecem no mesmo lugar, a força
    da gravidade faz com que os objetos caiam, a luz em um
    ângulo oblíquo cria sombras compridas, e daí por diante.
    À medida que a criança cresce, o cérebro constrói modelos
    internos para tudo aquilo que encontra, e gradualmente
    vai aprendendo a identificar objetos e prever como eles
    se movem no espaço e no tempo.”

    Isabel, não parece Hume? Fantástico não?

    #75724

    Sim, Mceus, parece Hume. Eu também acho que há uma grande margem de automatismo na nossa vida manifesta a um nível inconsciente, mas tenho uma certa relutância em aceitar os tais 90%…isso faria da nossa vida uma cortina opaca sobre rasgos de lucidez, reduziria à insignificância o poder deliberativo e autónomo, faria de nós seres predeterminados. Confesso que é uma ideia que me custa a aceitar.Atendendo a que tudo isto que o vinny apresentou se prende com o suicídio, julgo que se trataria de uma forma indirecta de dizer que o suicídio poderia incluir-se nesse conjunto de actos meio mecanizados e vazios de reflexão onde, numa vertigem de mim, poria fim à minha vida. É isso? Embora em cascatas de emoção, o suicídio é uma decisão.A tal confissão de que a vida não vale a pena. Tal como já referi acima, o suicídio é como uma obra de arte que se prepara no silêncio do coração do homem, talvez (e porque não…) como resultado da crença numa tão grande margem de automatismo! Quem sou eu, eu que julgo que decido e que penso? Quem sou eu? Um ser que trespassa a vida executando um sem número de “ordens genéticas” na ilusão de decidir…qual o sentido num mundo assim privado de sentido, de liberdade, de auto-determinação???
    abs.

    #75725

    Faça então isso Isabel, não aceite. Amanhã o sol nascerá e pronto. Vamos apenas viver. Vamos apenas sentir a vida.
    Zaratustra sempre me fala isso, e eu o escuto bem: “…A hora em que digais: “Que importa minha razão! Anda atrás do saber como leão atrás do alimento. A minha razão é pobreza, imundície e conformidade lastimosa!…”

    #75726

    Mceus, Zaratustra nos dá muitas lições de vida reduzindo a pó o que temos como certo,não é? Contudo, eu também não aceito que “amanhã o sol nascerá e pronto”, com base na crença, no hábito. Penso que é fundamental, quanto mais não seja por uma questão funcional, “munirmo-nos” de crenças deste estilo que nos permitem projectar o futuro.
    O que de certa forma eu “recuso” é essa franja tão abrangente de automatismo porque seremos assim levados a repensar de todo o papel da razão e da paixão na nossa vida.Nietzsche é o filósofo da vida porque a vida é paixão!A paixão inscreve uma brecha na racionalidade ao mesmo tempo que a justifica.Um indivíduo suicida-se. Parece-nos irracional, louco, fruto de um impulso incontornável. Procuram-se as causas, os “culpados”.Para a maior parte das pessoas é nisso que o suicídio consiste.Não há “causas objectivas”, não há “culpados” e daí a sua “irracionalidade”.Mas como é que podemos considerar “irracional” um acto apaixonado que resulta do olhar sobre toda uma vida que conclui não fazer mais sentido?? Poderá haver mais racionalidade além dessa coerência??? Não será a paixão o que me leva até ao fim depois de uma vida no automatismo?Não será essa vertigem do nada que me impele para o vazio, a mais cabal prova de que eu sou liberdade de mim que extravasa, no limite, todo e qualquer condicionalismo?
    Desculpe…acho que delirei um bocado :-)

    #75727

    O que é a Mente?

    Devaneio Surrealista

    Estava fitando meus olhos. Queria atravessá-los e correr para dentro da cabeça. Mais uma vez consegui entrar. Logo estava na fonte de meu mundo. Escolhi uma direção, justo aquela onde a luz se perdia, e dei o primeiro passo. Andei por seiscentos metros e não mais conseguia enxergar. Estava muito longe de meus olhos, por onde era projetada a luz, e fiquem sem saber como seguir aqueles caminhos além. É triste saber que meus olhos não podem me acompanhar quando estou dentro de minha cabeça. Resolvi descansar as pálpebras, então, pois estavam fadigadas por teimarem a noite inteira em não se encontrar.
    Aos poucos o breu absorvia minha visão e mesmo assim eu parti em uma direção qualquer. Depois de três quilômetros inteiros, parei por um segundo e perguntei para qualquer coisa que estivesse por ali o porquê do meu caminhar. Ninguém e nada responderam imediatamente. Resolvi gritar…nada. Pensei em voltar, mas lembrei-me de que meus olhos estavam fechados, cansados, e não quis incomodá-los. Continuei andando sem nada ver, apenas sentindo o chão onde pisava. Andei por cem quilômetros(até este ponto do meu caminhar) quando um sol começou a nascer. Ah, um sol! Luz!…mas não era um sol comum: este era azul e muito pequeno, mas com um belo brilho brando. A singela luz azul iluminou meu corpo, então pude ver o quanto meus pés estavam machucados, muito feridos. Já não tinham mais pele e sangravam muito. O estranho é que eu não sentia nada. Estava muito determinado em andar. Continuei meu caminho, mas desta vez segui flutuando, deste modo meus pés logo estariam recuperados.
    O pequeno sol estava por sumir no horizonte poente quando percebi uma sombra. Era um enorme objeto que parecia não ter fim. Cheguei mais perto para ter um contato preciso, estava já com mil quilômetros para trás. O Colossal misterioso era uma muralha ou um paredão, imenso! Sua composição parecia ser de terra e pedras, muita terra e muita pedra. Seria obra da Natureza? Segui o gigante mural em busca de uma fresta ou buraco por onde eu pudesse passar e atingir o outro lado, mas ao invés encontrei uma placa com estas palavras arranhadas:

    “Cuidado. Aqui começa o Universo.”

    Eu estava cansado. Queria voltar. Meus olhos estavam cerrados há muito tempo, já restaurados da fadiga. Precisavam ser abertos. Chegou a minha vez de dormir e descansar – fora de minha cabeça.

    #75728

    Belo texto Daniel…é seu?? Muito rico e trabalhá-lo seriamente sairia deste tópico!!!Pergunta “o que é a mente” e o seu texto refere que “é triste saber que os meus olhos não podem me acompanhar quando estou dentro da minha cabeça”, ou seja, a mente é aquilo que escapa à percepção dos sentidos? Então aí, a sua posição difere de todo da do Márcio que dizia acima, respondendo à mesma pergunta, que a mente “é a parte do cérebro que vemos”?!
    “Ao invés encontrei uma placa com estas palavras arranhadas: cuidado que aqui começa o universo”…o universo é uma extensão da mente??
    E “cuidado” porquê? Pelo longínquo? Pelo medo do desconhecido? Pelo medo de encontrar a resposta para “o porquê do meu caminhar”??
    “Chegou a minha vez de dormir e descansar-fora da minha cabeça”…longe das perguntas? Longe do cansaço da procura? Longe da placa que diz “Cuidado…”???

    #75729

    Obrigado pelo elogio!…o texto é meu, sim.
    Bem…

    ” (…) a mente é aquilo que escapa à percepção dos sentidos?”
    …escapa 90% da percepção dos sentidos, não?! “O que vemos” é só os primeiros metros da mente, depois tudo fica escuro. Eu diria que a mente é a parte do cérebro que vemos; e também a imensidão que nos foge à Luz.

    “…o universo é uma extensão da mente?”
    …Aquele Muro Colossal, tão bem posto e tão longe…o universo poderia manter alguns segredos por trás das pedras, não?!
    Eu não digo “poderia” manter; afirmo: mantém!

    ” E “cuidado” por quê? Pelo longínquo? Pelo medo do desconhecido? Pelo medo de encontrar a resposta para “o porquê do meu caminhar”?”
    …a cautela é equipamento obrigatório quando se trata de “buscar o desconhecido”, pois não sabemos o que iremos encontrar(um bocado óbvia essa minha colocação). Será que havia alguma placa durante o percurso no escuro?

    “(…) longe das perguntas? Longe do cansaço da procura?(…)”?”
    …Longe das perguntas, não. As perguntas permanecem mesmo aqui, no mundo inteligível, embora temos toda a luz que desejamos para nossas procuras. Não buscamos respostas no escuro da mente pois encontramos dificuldade em lidar com a falta de luz. Será que estamos usando a luz certa? Será que não precisamos de um pequeno Sol Azul?…de fato estou usando o tópico errado para este assunto. (É culpa do Márcio!…rs*, brincadeira.)

    …Longe do cansaço da procura, sim, muita fadiga!…assim como dizia Macário:

    – Eis aí o resultado das viagens. Um burro frouxo. Uma garrafa vazia.

    Um grande abraço.

    #75730

    Esperava isso. Fiz o papel de satanás no deserto (que o valenic não ouça) ofereci água e vc não quis.
    Penso no mundo como algo sem cor, nós, os humanos, o colorimos. As vezes a ciência apaga essas cores e o mundo parece ficar sem sentido. Outras vezes pintamos de cinza o mundo e o tornamos feio e sem graça. Mas o mundo com cor ou sem cor continua a ser mundo.
    O que o suicida não sabe é pintar o mundo com cores que não o cinza, torná-lo belo. Ao invés disso ele pinta de cinza. Mas o mundo continua a não ter cor! Em que mundo queremos viver?

    #75731

    A questão do sentido é uma questão intemporal agravada, certamente, pela ciência moderna que é fundamentalmente descritiva, dizendo-nos como as coisas acontecem e não por que acontecem…
    Tolstoi diz que esta pergunta pelo “porquê” se instala devagar…tal como quando uma pessoa adoece gravemente. Inicialmente aparecem alguns sintomas que ela desvaloriza. Esses sintomas vão-se tornando, progressivamente, repetitivos e frequentes começando a confundir-se com um sofrimento temporário e indivisível. O sofrimento continua a crescer a antes de o doente ter tempo para olhar em seu redor, torna-se consciente de que o que tomou como uma indisposição é a coisa mais significativa do mundo para si-a morte. E é assim que a pergunta pelo sentido “cresce” dentro de cada um…

    #75732

    Continuando a pensar em fontes de sentido…
    Normalmente, uma grande parte das pessoas, os crentes, encontram na mensagem divina a esperança e o fito que lhes permite viver com sentido. Não deixa de ser curiosa esta passagem do Ecclesiastes que em vez de transmitir a tal mensagem positiva, nos dá pelo contrário uma pessimista visão do mundo…é interessante pensar nessa “brecha” cristã…

    “Vanity of vanities, says the Preacher,
    vanity of vanities! All is vanity.
    What does man gain by all the toil
    at which he toils under the sun?
    A generation goes, and a generation comes,
    but the Earth remains forever.
    The sun rises and the sun goes down,
    and hastens to the place where it rises,
    The wind blows to the south,
    and goes round the north;
    round and round goes the wind,
    and on its circuits the wind returns.
    All streams run to the sea,
    but the sea is not full;
    to the place where the streams flow,
    there they flow again.
    All things are full of weariness;
    a man cannot utter it;
    the eye is not satisfied with the seeing,
    nor the ear filled with hearing.
    What has been is what will be,
    and what has been done is what will be done;
    and there is nothing new under the sun (…)”.

    Desculpem a extensão do texto…

Visualizando 15 posts - 16 até 30 (de 144 do total)
  • Você deve fazer login para responder a este tópico.