Além do bem, do mal e da cognoscibilidade humana

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  • #85427
    Brasil
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    Olá Miguel

    O homem superior afirma e cria a valores, o "rebanho" acata esses valores de forma institucional.

    Bem, acho que essa é a realidade e de certa forma praticamente todos concordam com ela; seria a tal pirâmide organizacional da sociedade. O que eu quero dizer? Acho que deve realmente existir uma pirâmide, mas o topo da pirâmide tem que ser 100% interessado no bem comum e não individualizar absolutamente nada. Quem deve comandar são os mais capazes e não os mais ricos. Porém para que isso aconteça efetivamente, conceitos arraigados deveriam ser mudados completamente.  Quais seriam os motivos do topo dessa pirâmide ser sempre impregnada de figuras nefastas? Sabemos que os que são realmente MAIS CAPAZES estão trabalhando para grupos econômicos e empresariais... Não querem nem saber de política, não querem se sujar. No topo das pirâmides de todos os países (no comando) estão os maiores picaretas e corruptos das suas sociedades... Porque? Qual é a força que produz este fato?

    A vida é o único valor em si mesmo, para Nietzsche. O único valor que não pode ser transmutado, pois, pela definição é a própria vida que cria todos os valores.

    Eu concordo absolutamente com isso, só vou divergir de Nietzsche, mais adiante. Isto é; quando Nietzsche fala em transmutar valores, criar novos valores eu concordo totalmente, é claro pra mim que o Homem erra muito nos conceitos de seus valores. Mas é aí que eu não vejo consistência na filosofia de Nietsche, pois; mudar deste lugar comum é preciso, porém quais seriam estes novos valores? Partindo destes princípios que Nietsche parte, como: Não ter compaixão, ver algo de bom no mal, não conservar os “fracos”, ou seja; deixar perecerem...Isso vai criar um homem mais forte, sem dúvida, mas será que o homem sendo forte nestes termos, o planeta resistirá? Pois na filosofia de Nietsche, parece-me que os mais capazes são os mais ricos... Os “mais astutos”...   Ou será que esse “super-homem” teria o controle total de seus sentimentos mais perversos e comuns a todos os humanos,  como a ganância, etc?Reconhecido que a vida é vontade de potência, acho que o mais sensato é que todos possam dar asas às suas respectivas vontades de potência. Se isso acontecer num mundo competitivo e sem piedade, acho que será o fim. A ganância imperará.  Isto já acontece de certa forma, mesmo com toda moral, princípios, religiosidade, etc. Sem esses "freios", como seria?Permita-me aprender um pouco com vc: 

    Nietzsche investigando a origem da moral, inaugura o método genealógico, que será aproveitado por outros pensadores, como Foucault, e aponta a inversão como a origem da moral... tudo que era bom é transformado pelos escravos em mal, dessa forma consegue-se vencê-lo.

    Não sei nada sobre o método genealógico e gostaria que vc escrevesse algo sobre essa inversão... eu não entendi nada, digo, sobre: “ tudo que era bom é transformado pelos escravos em mal, dessa forma consegue-se vencê-lo.”Abraço

    #85428
    Xoro
    Membro

    Olá, Brasil! Gostei muito deste seu post, esta é minha primeira mensagem neste fórum, mas pretendo freqüentá-lo ainda muito mais vezes. Não me considero um nietzscheano, ou defensor de Nietzsche, tenho-o como meu filósofo preferido, e de quem mais gosto de estudar, portanto creio que se fazem necessárias algumas asserções sobre seus levantamentos.Responderei (ou tentarei responder) primeiramente a algumas das suas objeções e questionamentos levantados por você. Vamos lá então:*Cada número corresponde, na ordem temporal, a um comentário seu, sendo o primeiro o seu comentário que começa por "Além do bem, do mal e da cognoscibilidade  humana!"*1) Creio que você tenha puxado um pouco a barra ao afirmar que pelo fato de o juízo servir para a conservação da espécie ele deve ser necessariamente inato, essa afirmação é perigosa pois vai de encontro não só com a história da Filosofia como também com a da Lógica.      Atendo-me apenas à filosofia de Nietzsche, o que ele quis dizer com a sua exposição sobre a imprescindibilidade dos juízos foi que mesmo os homens tendo consciência da provável falsidade de um juízo, como os juízos sintéticos kantianos ou a relação de causa e efeito, isso não significa que eles devam ser abandonados sumariamente. Nietzsche inclusive, textualmente, afirma a total necessidade do princípio de causa e efeito para a organização da vida humana, sem ela não viveríamos. Ele não chega a cogitar que se abandonem esses juízos, mas sim que tenhamos consciência dos perigos que corremos ao hipostasiarmos esses juízos e noções, ou em outra palavra, o perigo que corremos ao extrapolarmos essas noções para algo maior e metafísico. Nietzsche nos oferece um exemplo, demonstrando o risco que corremos ao pegarmos a noção de causa e efeito e a entronarmos, gerando assim a necessidade de uma "causa sui" (causa de si mesmo), ou seja, Deus.      Portanto, não se trata, em Nietzsche, de abandonarmos juízos ou noções pelo fato de eles serem metafísicos ou não demonstráveis, mas sim tratarmos as mesmas com a devida parcimônia e precaução, para que elas não transcendam o seu "domínio".   


    2) Na sua opinião pode não haver diferença entre crer numa entidade metafísica indemonstrável ou viver na incerta realidade, mas na opinião de Nietzsche, há, vamos a ela então! =)      Ontologicamente falando, ambas são incertas e não deveriam oferecer suporte à existência humana, mas vejamos porque uma implica niilismo e outra não, para Nietzsche. Niilismo vem do latim, "nihilum", significando, grosso modo, negar. Para se ter uma melhor noção do que significa a palavra Niilismo e sua raiz etimológica, remeta-se à palavra inglesa "annihilation", sinônimo para aniquilação.     Para Nietzsche, viver sob uma ilusão, sob os ditos e promessas de uma entidade metafísica, implica negar o estado da sua vida terrena, da vida real, da realidade. Negar a vida para se entregar a uma outra vida superior é reconhecer o estado desconfortável e inquietante da vida terrena para se deixar amortizar pela promessa de um futuro melhor no além-mundo. Nesse aspecto, isso se difere completamente do viver sob uma realidade incerta, incerta na medida em que nem tudo pode ser explicado lógica ou cientificamente pelo homem, mas significa também viver não só na realidade, mas viver a realidade, a vida enquanto vontade de potência, enquanto disputa, enquanto polemus (grego para disputa, luta; creio que a grafia não esteja correta, peço perdão) incessante.     Dessa forma, não se transferindo o objetivo da vida para algo além dela, mas mantendo-a dentro dessa realidade incerta, não se tem o niilismo e nem a renúncia à vida, mesmo ainda se mantendo, estritamente falando, numa realidade tão incerta quanto à existência ou não de realidades supra-sensíveis. É nesta esfera em que se mostra o "desejo de viver" e as coisas sucederiam "de outra forma", como enunciou o filósofo.


    3)a. Schelling A crítica de Nietzsche a Schelling está na mesma chave da crítica a Kant, a Platão, a Hegel e inclusive a Schopenhauer (quando da maturidade de Nietzsche, obviamente). De fato Nietzsche não é muito sutil quando critica a tradição da Filosofia, lembro-me de um professor meu que o comparou a um "elefante numa loja de cristais". Mas antes de descartarmos completamente as críticas de Nietzsche por conta de sua falta de sutileza, faz-se necessário que a entendamos na sua origem.           A crítica de Nietzsche a Schelling, Kant, Platão, etc. se faz dá mesma forma, pois em todos os filósofos Nietzsche detectou a existência do que ele chamou de "edifícios metafísicos", especialmente no caso de Platão, o "primeiro cristão", segundo Nietzsche. Todos estes filósofos destacaram, descolaram, separaram duas realidades, dois mundos, duas razões, etc., e é aí que está o erro de todos, segundo Nietzsche. No caso de Schelling, Nietzsche textualmente ainda o critica como sendo um "seguidor" do que fizera Kant após ter descoberto uma nova faculdade no entendimento humano. Diz Nietzsche que logo depois dessa descoberta, todos os alemães seguiram como se procurassem bichos no mato, procurando aflitos novas faculdades da razão, faculdades obviamente supra-sensíveis. De fato a crítica de Nietzsche a certos filósofos não é aprofundada, pois ele os ataca no cerne de seus pensamentos, no fato de que todos esses distinguiram dois (ou mais) mundos, realidades, etc..3)b. CompaixãoA compaixão é o "maior pecado da humanidade", segundo Nietzsche, e está sim, de certa forma, relacionada à vontade de potência, enquanto vontade de dominar, enquanto vontade de colocar a sua perspectiva acima da perspectiva do(s) outro(s). A compaixão é a base do processo de "nivelamento da humanidade por baixo", do tornar iguais "os zeros" em vez de se admirarem "os uns", como diz Nietzsche, creio que na Aurora, se não me engano. A compaixão é parte integrante e imprescindível da moral dos fracos (dos escravos), na moral judaico-cristã pois na medida em que ela coloca o sofrimento como respeitável e passível de louvor (pela compaixão), ela nivela fortes e fracos, torna os fracos como sendo tão potentes como os fortes, e, num período posterior, torna os fracos como fortes, e os fortes tornam-se fracos e repreensíveis. A moral da compaixão torna os padres os respeitáveis da sociedade, torna, nas palavras de Nietzsche, "os que não gozam" aqueles que devem ser respeitados e seguidos.Portanto, a compaixão se relaciona à conservação da espécie, sim, mas à conservação num sentido negativo, de defesa ao que vem de fora, dos mais fortes. Conservação no sentido não de afirmação da sua vida e da sua força, mas no sentido de se proteger do jugo dos fortes e dos que se afirmam. É nessa medida que a compaixão (e sua valoração) foi crucial para o estabelecimento da moral judaico-cristã.


    4) Nesta sua observação pude notar um erro substancial sobre a filosofia de Nietzsche, permita-me elucidá-lo. Você escreveu: "Concordo que se deva considerar o ângulo moral ao avaliar, tentar definir e explicar a vontade,  o querer e o sentir,  porém esse não deve ser o único ângulo a se considerar. Vê-se claramente que Nietzsche tem uma ótica centrada no “querer”, por um ângulo político-hierárquico-social, na “vontade”  associada  às questões de ordem sociológica. Contemplando somente as relações  sociais, esquecendo-se da vontade relacionada a outros fatores pessoais.". Não é bem por aí, amigo.             Nietzsche é não só um filósofo de impacto como também serviu de base para quase tudo que se seguiu a ele (existencialismo, filosofia do século XX, Heidegger, etc.), e um dos que bebeu da fonte de Nietzsche é Freud. Freud inclusive em uma carta confessa a um amigo ter "atrasado suas leituras de Nietzsche" para prolongar o sentimento de que "escrevera algo novo". No que ele baseou essa confissão? Exatamente na exposição nietzscheana sobre a vontade.            Nietzsche não se esqueceu do que você chama de "fatores pessoais" em sua análise sobre a vontade, ele não deu importância apenas a fatores "político-sociais-hierárquicos", ele baseou sua filosofia da vontade em critério biológicos e psicológicos (ele mesmo usa a palavra psicológico, por isso a uso). Nietzsche era um assíduo leitor de biólogos e físicos, principalmente entre 1881-82, o que se atesta em seus fragmentos póstumos e suas exposições sobre força, vontade e vontade de potência. Inclusive na "Aurora" ele escreveu um de seus aforismos mais curiosos e sonoros na minha opinião, em que ele identifica como sendo da mesma ordem a tolice que seria dizer "Eu quero que o sol se ponha" com "Eu quero aquilo e não isso". Essa escolha não faz parte de um ato deliberado do homem, ou de uma ponderação racional, a vontade já brota no sujeito, assim como é tolo querer um homem escolher no que ele vai pensar, já que não é o homem que pensa, mas o pensamento que assalta a mente do homem. É nesse aspecto que a filosofia de Nietzsche serviu como referência à filosofia do inconsciente de Freud, e portanto espero ter-lhe demonstrado como Nietzsche não ignorou "fatores pessoais" ao elaborar sua filosofia da vontade.


    5)Se possível gostaria que você elaborasse sua tese sobre Nietzsche ter sido parco em sua crítica ao instinto de conservação da espécie, a filosofia dele é amplamente desenvolvida neste ponto e poderíamos abrir uma discussão muito interessante sobre isso.


    6 Ver asserção 1 sobre a crítica nietzscheana à entronização da noção de causa e efeito =)


    7 Repare como ele não propõe, como você insinou, que tentemos viver sem esses princípios, mas apenas aludiu ao risco que seria hipostasiá-los. Ver asserção 1! =)


    8A "causa primeira" é invenção da metafísica, e, no limite, da moral judaico-cristã (claro que a "causa em si" foi exposta por Aristóteles antes do cristianismo), enquanto invenção da metafísica advinda da vontade de verdade, vontade essa criticada por Nietzsche textualmente em muitos livros de sua obra, principalmente no começo de "Para Além do Bem e do Mal". A invenção da causa primeira é exatamente o resultado da entronização da noção de causa e efeito, tornando ela mais do que ela é: um princípio regulador da existência terrena dos homens.Nesse aspecto cria-se uma mitologia (mitologia = história da criação), primeiro passo para criação e estabelecimento de uma religião.9Isso não "implicaria em (sic) nada mais nada menos que ignorar a Matemática". Nietzsche não é maluco a ponto de propor que abandonemos as noções de causa e efeito, de sujeito, da Matemática, etc.. O que Nietzsche ambiciona nessa sua crítica é que tomemos consciência do risco que corremos ao torná-las maiores do que elas são, enquanto apenas princípios reguladores da vida. É por isso que ele propõe a pergunta "Por que é necessário" que acreditemos nesses juízos e assertivas, mesmo tendo consciência de que eles sejam falsos, na medida em que são criações humanas para tentarem propor uma explicação do mundo terreno. Ou seja, não importa que os juízos sintéticos a priori sejam mentirosos ou verdadeiros, o que importa é que eles são uma tentativa de explicação do mundo que lança mão de uma explicação metafísica e que enquanto teoria deve permanecer como tal, sem passar por nenhuma super-valoração.


    10Não creio que podemos tentar nos negar a pensar, pois ao tentar negar estaremos pensando em negar =)

    #85429
    Brasil
    Membro

    Olá Xoro

    Creio que você tenha puxado um pouco a barra ao afirmar que pelo fato de o juízo servir para a conservação da espécie ele deve ser necessariamente inato, essa afirmação é perigosa pois vai de encontro não só com a história da Filosofia como também com a da Lógica.

    O que eu quis dizer é que a partir do momento em que o próprio autor considera um juízo necessário para se conservar a espécie, não vejo qual seria o questionamento válido deste juízo.Ele diz:  A questão é saber em que medida este juízo serve para conservar a espécie, para acelerar, enriquecer e manter a vida.Se um determinado juízo serve para conservar a espécie, seja em que medida for, acho que questioná-lo é puxar a barra. Principalmente se o questionamento não vier acompanado de uma antítese. Vc está correto quanto à hipótese de levar minha afirmação ao pé da letra ser perigosa, sobretudo à Filosofia, mas ressalvo que antes de afirmar que o juízo seria inato eu frisei que isso se dava “de certa forma”, pois ninguém nasce fazendo juízos...

    Atendo-me apenas à filosofia de Nietzsche, o que ele quis dizer com a sua exposição sobre a imprescindibilidade dos juízos foi que mesmo os homens tendo consciência da provável falsidade de um juízo, como os juízos sintéticos kantianos ou a relação de causa e efeito, isso não significa que eles devam ser abandonados sumariamente.

    Acho que vc quis dizer “possível” falsidade, não?

    Nietzsche inclusive, textualmente, afirma a total necessidade do princípio de causa e efeito para a organização da vida humana, sem ela não viveríamos.

    Ok. Por isso é bem-vinda a sua opinião, pois apesar de serem meio contundentes, as minhas indagações não têm intenção de diminuir ou menosprezar o autor, mas sim compreender o que me parece uma loucura. Penso que quando o Homem atribui a Deus a origem do Universo, ele se baseia no princípio de causa e efeito e Nietzsche ironiza esse princípio como se ele tivesse uma resposta verossímil além da causa primeira, para a origem do Universo.   

    Nietzsche nos oferece um exemplo, demonstrando o risco que corremos ao pegarmos a noção de causa e efeito e a entronarmos, gerando assim a necessidade de uma "causa sui" (causa de si mesmo), ou seja, Deus.

    Não conheço este exemplo, poderia descrever?

      Portanto, não se trata, em Nietzsche, de abandonarmos juízos ou noções pelo fato de eles serem metafísicos ou não demonstráveis, mas sim tratarmos as mesmas com a devida parcimônia e precaução, para que elas não transcendam o seu "domínio".

    Bem, eu não li outras obras de Nietzsche, mas nesta especificamente ele arrebenta com todos os princípios, sem ir mais além no que diz respeito a expor alguma síntese que justificasse não ter piedade, ou qual é o bem que se encontra no mal, etc.

    Na sua opinião pode não haver diferença entre crer numa entidade metafísica indemonstrável ou viver na incerta realidade, mas na opinião de Nietzsche, há, vamos a ela então! =)

    Incerta realidade não! Eu disse infeliz ilusão.  Teistas e ateístas usam de pura ilusão para tentar descrever ou imaginar a origem do Universo. Acreditar na hipótese de que o mundo tenha se originado do nada é tão ilusório quanto acreditar que Deus estalou os dedos e tudo se formou...

    Para Nietzsche, viver sob uma ilusão, sob os ditos e promessas de uma entidade metafísica, implica negar o estado da sua vida terrena, da vida real, da realidade.

    Desculpe-me, mas essa premissa está absolutamente errada. Isto está muito generalizado, tanto aqui quanto nas palavras do autor!Acreditar em Deus e atribuir a ele a origem do Universo, não me faz negar o estado de minha vida terrena, de minha vida real, nem da realidade! Posto que, todos os outros que não acreditam em Deus, também “não têm realidade” para acreditar tanto quanto eu. Nem eles e nem eu estamos NEGANDO nada por isso.Simplesmente damos atribuições diferentes à origem do Universo, nada mais. Veja que quando o autor faz as suas explanações vagas e irônicas referindo-se aos filósofos deitstas, ora ele se refere aos cristãos e ao cristianismo, ora ele se refere diretamente ao fato de se acreditar ou não em Deus, como se fossem exatamente a mesma coisa.  Acho que quem segue uma doutrina, independentemente de ser ela qual for, está sujeito a colocar-se em posição equivocada, mas entendo que acreditar na existência de Deus pura e simplesmente, não é seguir doutrina alguma. É acreditar no inexplicável... O mesmo ocorre com os que não acreditam em Deus: Acreditam no inexplicável. Estou errado?Acreditar em Deus e na causa primeira não é necessariamente viver sobre ditos e promessas, pois a noção da origem do Universo não se baseia em ditos e promessas, mas em sentidos. Nos baseamos PRIMEIRAMENTE em nossos sentidos.

    Negar a vida para se entregar a uma outra vida superior é reconhecer o estado desconfortável e inquietante da vida terrena para se deixar amortizar pela promessa de um futuro melhor no além-mundo.

    Isso deve ser uma doutrina qualquer, não traduz absolutamente o “acreditar em Deus”.

    Nesse aspecto, isso se difere completamente do viver sob uma realidade incerta, incerta na medida em que nem tudo pode ser explicado lógica ou cientificamente pelo homem, mas significa também viver não só na realidade, mas viver a realidade, a vida enquanto vontade de potência, enquanto disputa.

    Veja, minha maneira de ver o mundo, aponta diretamente para: “disputa”, “luta”, competição, como coisas absolutamente nocivas à vida humana, apesar desta ser a nossa histórica e contemporânea realidade. Mesmo sendo um cérebro comum, dou-me o direito de filosofar... Isto não quer dizer absolutamente entregar-se a Deus ou ao que quer que seja. É ver o Homem independente da necessidade de lutas e disputas, por suas próprias mãos, por sua própria vontade e não com a ajuda divina; usando somente o seu raciocínio. Em lutas e disputas alguém sempre sai perdendo, invariavelmente a maioria.Sobre Schelling, Platão, etc., penso que, acreditar em Deus nos leva necessariamente a imaginar ou acreditar em “outro mundo” de uma forma ou de outra, afinal, não o vemos, não o tocamos... Então “deve” existir outro mundo, "o mundo onde está Deus".  Mas isso não leva ninguém a negar a vida terrena ou a querer conhecer, (se é que isso seria possível) “o outro mundo” antes de terminar nossa tão querida, valiosa, importante e questionável vida.

    A compaixão é o "maior pecado da humanidade", segundo Nietzsche, e está sim, de certa forma, relacionada à vontade de potência, enquanto vontade de dominar, enquanto vontade de colocar a sua perspectiva acima da perspectiva do(s) outro(s).

    Bem, eu traduzo “compaixão” como: Pena, pesar, dó.Quando reflito sobre “compaixão”, tento ir lá no íntimo de cada um. Não vejo a compaixão como algo genealogicamente explicável no âmbito social e sim no íntimo de cada pessoa. Quando qualquer ser humano normal se vê diante de uma cena que lhe cause realmente compaixão, algo que abale suas estruturas psicológicas e cause-lhe lágrimas, ele não está seguindo uma doutrina e nem está encenando algo para o(s) outro(s).  É uma reação inexplicável, pois se  analizarmos só pela matemática; tanto faz se a cena que que se está vendo é de um cidadão que está morrendo por causas naturais como falência natural dos órgãos(velhice)  ou esmagado por um caminhão, se é uma criança inocente ou se é um assassino perverso. Essa dó referida é natural em praticamente todas as pessoas com raras exceções independentemente de credo ou da individual maneira de entender a vida e o mundo. Acho que a compaixão é inexplicável e não é passível de ser acusada de tantas coisas más. Inexplicável dentro deste contexto de disputa e lutas, etc., pois, filosoficamente falando, acho que a compaixão é um sentimento inato e preservador não só da vida, mas também de uma consciência clara de que viver é um direito de todos os que vierem a este mundo, para este direito existem evidentemente raras exceções, isso na minha opinião...

    um dos que bebeu da fonte de Nietzsche é Freud. Freud inclusive em uma carta confessa a um amigo ter "atrasado suas leituras de Nietzsche" para prolongar o sentimento de que "escrevera algo novo". No que ele baseou essa confissão? Exatamente na exposição nietzscheana sobre a vontade.

    Nem sempre as novidades são aproveitáveis ou interessantes... Freud poderia estar fazendo tal comentário com vistas à contabilidade das vendas de seus livros...  :D

    Não creio que podemos tentar nos negar a pensar, pois ao tentar negar estaremos pensando em negar =)

    Vc está certo. Por isso que eu disse tentar... Veja, reconheço que o autor levanta questões importantes, reconheço que é de muito bom proveito entendermos que não estamos presos a nada extra-físico, reconheço que já passou do tempo de acordarmos para uma nova realidade, de questionar os valores que realmente estão equivocados etc. Mas não vejo isso pelas idéias de Nietzsche, pelo menos até o que eu li, o que é muito pouco, reconheço,  e até o que ouço falar sobre o autor e suas teorias. Acho que ele só levanta, joga tudo pra cima, mas não recolhe nada... deixa no ar... Não dá síntese ao raciocínio.Acho interessante o fato de que as pessoas entendam e aceitem bem a filosofia de Nietzsche, mas não expliquem exatamente o que ele quis dizer com as afirmações sobre não encontrar a verdade quando se a procura apenas para fazer o bem. Ou então quando ele diz que piedade a todos significaria tirania contra si mesmo, etc.Ou então quando ele diz que: O delinqüente de modo muito freqüente não está à altura de seu delito: ele o empequenece e o calunia.Eu queria saber QUANDO o delinquente estaria à altura de seu delito...Ou então: As grandes épocas de nossa vida ocorrem quando sentimos a coragem de rebatizar o mal que em nós existe como o melhor de nós mesmos.Ou então: O diabo tem as mais amplas perspectivas relativamente a Deus, por isso se mantém tão distante dele: o diabo, quer dizer, o mais antigo amigo do conhecimento.Ou: Não se ama suficientemente o próprio conhecimento quando se o comunica a outros.Isso são charadas, incógnitas, tudo menos filosofia. Eu não vou citar todas, mas noutra msg mais acima, estão várias frases do referido livro e que eu fico tentando entender, assim  como quem tenta decifrar um “mistério medieval”, como diz ele sobre os filósofos... :)

    #85430
    Xoro
    Membro

    Olá, Brasil, são 3 da manhã e acabei de chegar em casa, ainda estou muito cansado portanto responderei aos seus questionamentos amanhã, sexta-feira, na parte da tarde, tudo bem? Mas antes de tudo gostaria de saber quais livros de Nietzsche você já leu, e se já teve contato com obras de comentadores ou de autores que influenciaram ou foram influenciados por Nietzsche. Todas essas citações por você levantadas e que você (para minha tristeza  :'() chamou de não-filosofia seriam facilmente compreensíveis com um contato mais profundo com a filosofia dele. Amanhã, quando lhe for responder propriamente, tentarei explicar a maioria delas =)De qualquer forma, mantenha em mente que estudar Nietzsche é estudar um filósofo muito complicado, não só por suas fases, mas também pelo fato de ele ser um filólogo e um poeta, ele escrevia usando e abusando de neologismos, ironias, aliterações e assonâncias (em alemão, é claro, imperceptíveis no português) e por aí vai, daí a leitura ser muitas vezes dificultada por isso. Lembre-se de que Nietzsche, se não me engano no Ecce Homo, diz que para se ler a filosofia dele deve-se "ruminá-la", lê-la várias vezes, ele não escreveu de forma ordenada ou cadenciada, cada livro complementa o outro numa ordem quase desordenada =)Enfim, amanhã à tarde responder-lhe-ei, até lá!  Um abraço!

    #85431
    Brasil
    Membro

    antes de tudo gostaria de saber quais livros de Nietzsche você já leu, e se já teve contato com obras de comentadores ou de autores que influenciaram ou foram influenciados por Nietzsche.

    Não li outras obras de Nietzsche. Devo dizer que meus conhecimentos literários são muitíssimo restritos e pobres. Toda a minha filosofia vem da minha própria cabeça. (por isso gosto de conversar pela internet: o cheiro não é transmitido...  ;D )Devo ter sido influenciado de alguma maneira, como todos nós somos de certa forma, através dos conceitos de filósofos que influenciaram a humanidade, mas acho que exatamente por não ter uma linha exata a seguir, é que as idéias aparecem e os questionamentos mais surpreendentemente coerentes são feitos. Das nossas idéias, muitas coisas são aproveitadas dos conhecimentos e idéias de outros, mas não tudo,  algumas coisas se aprende a questionar vivendo, vivenciando (e cada um tem uma vida totalmente diferente de outro)  e outras simplesmente brotam da imaginação, seja esta imaginação proveniente da cabeça de uma pessoa literariamente enriquecida ou não. Até mais

    #85432
    Brasil
    Membro

    Nietzsche não se esqueceu do que você chama de "fatores pessoais" em sua análise sobre a vontade, ele não deu importância apenas a fatores "político-sociais-hierárquicos", ele baseou sua filosofia da vontade em critério biológicos e psicológicos (ele mesmo usa a palavra psicológico, por isso a uso).

    Bem, se ele não se esqueceu, então eu devo entender que essa “herança”  conceitual deixada pelos judeus, de fracos “escravos” que inverteram o conceito ou significado de “bom”,  foi assimilada até por ateus? Estranho! Pois, ateus também se compadecem. Acho eu...Até admiradores de Nietzsche herdaram esse sentimento característico dos fracos e incapazes escravos? Ou os admiradores de Nietsche não sentem piedade em absolutamente nenhuma situação? Sob nenhuma circunstância? Isso é algo a se pensar.Quando me refiro aos admiradores de Nietzsche, não vai aqui nenhuma ironia, apenas tento constatar se alguém que pensa ter entendido a filosofia de Nietzsche, se apercebeu deste detalhe que estou levantando.Quando Nietzsche divide a moral em duas; moral dos “nobres” e moral dos “escravos” , na minha opinião, além de tentar explicar o porque do significado da palavra “bom”  "ter sido invertido", ele inaugura aí uma linha de raciocínio perigosa. Enquanto todo o mundo começava a absorver os conceitos  democráticos e igualitários dos iluministas, Nietzsche ataca a igualdade entre os homens com frases como esta: O que é bom para mim, não é bom para o paladar do vizinho. E como poderia haver um "bem comum"? Esta frase encerra uma contradição. O que pode ser desfrutado em comum é sempre coisa de baixa, definição, de pouco valor. Enfim, as grandes coisas estão reservadas para os grandes espíritos, os abismos para os espíritos profundos; as delicadezas e os calafrios reservados aos refinados, numa palavra, raridades para os raros.É evidente que por mais que se esforcem, as pessoas que defendem a filosofia de Nietsche não conseguiriam explicar frases como esta, sem extrapolar no que hoje entendemos como “bom senso”.Aforismo e poesia são maneiras muito doces de se dizer coisas amargas. E o negativo disso tudo é que muito escapa do raciocínio e fica sem explicação, mas sempre com a “justificativa” de que são aforismos... É através de aforismos que ele faz a sua filosofia e isso acaba dificultando um pouco a compreensão, mas nem por isso é incompreensível... Dentro de seus aforismos estão também suas opiniões que dizem respeito a outros aspectos, não só aos que ele está diretamente dizendo e, são nelas que eu tomo impressões às quais eu dirijo objetivamente os meus questionamentos: Quando Nietzsche faz seus aforismos, ora ele se refere aos fracos como sendo os cristãos “escravos”, ora ele se refere como sendo os “malsucedidos”.   Quando ele se refere aos malsucedidos e aos fortes como bem-sucedidos, ele  considera aí os bem-sucedidos CRISTÃOS? Pois, tem muitos!  Entre os malsucedidos cristãos estão os bem-sucedidos também...Quando Nietzsche se refere aos “nobres”, exaltando-os, o sentido de nobreza que ele deixa transparecer é o poder. Nobreza é poder !  E para os “fracos”; nobreza é piedade, para que eles continuem  sempre pedindo piedade, esse sentimento “baixo e mesquinho”.Os que gostam da filosofia de Nietzsche, ao discorrerem sobre suas idéias mostram-nos uma filosofia refinada, delicada, difícil, porém, são só aforismos interpretados de diversas maneiras, uma mais poética e interpretativa que a outra! Vêem uma filosofia para “libertar” o homem de dogmas, construtora de um Homem “novo”, etc. Bem, quando falamos em “um Homem novo”, acho que estamos nos referindo a uma nova sociedade, ou seja; NOVOS CONCEITOS.Essa idéia de “novo homem” levada da maneira que sugere o autor é perigosa. Ele não contempla uma sociedade igualitária nos seus direitos, ele mistura direitos sociais com gostos pessoais. As leis têm que tratar dos direitos e não dos gostos.Também é impossível pra mim, conceber uma filosofia que tenta decifrar o âmago do ser humano e ao mesmo tempo valoriza a astúcia no mundo financeiro. Uma filosofia que brotou numa época em que os “escravos” a que ele se refere em algumas passagens do livro, eram realmente escravos;  numa época em que a liberdade e a igualdade começavam a aflorar, ele condenava a democracia e aspirava um mundo melhor deixando os “fracos” morrerem e valorizando a maldade que existe dentro de cada um de nós. Pra quê queremos novos conceitos? Resp.: Porque não estamos contentes com os atuais. E, se não estamos contentes com os conceitos atuais, seria de muita valia que se examina-se os conceitos atuais indo a fundo, determinando o que, hoje, na prática, está nos desagradando.Nietzsche dá como natural a luta pela vida. Viver é agredir, é lutar, etc., divide a moral em duas, diz que devemos parir uma nova moral, mas através de seus aforismos mostra uma assustadora “nova moral”. Calcada em conceitos como:  “nobre”, “forte”, “novo”, “bem-sucedido”,  essa moral valoriza a divisão clara entre homens A e homens B, determina que os B devem morrer entregues à sua própria fraqueza e os A, que invariavelmente são a mais seleta minoria, são "os raros",  devem governar, sempre se protegendo do povo, os B, seus mais mortais inimigos.  Não tenho dúvidas de que Nietzsche era um homem inteligente e que sua filosofia fez e ainda  vai fazer admiradores. O mundo (civilização) sempre esteve em desacordo...   :'( em si, ofender, violentar, explorar, destruir não pode naturalmente ser algo "injusto", na medida em que essencialmente, isto é, em suas funções básicas, a vida atua ofendendo, violentando, explorando, destruindo, não podendo sequer ser concebida sem esse caráter.Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., Segunda dissertação, p. 79 e 80.

    #85433
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    Todas essas citações por você levantadas e que você (para minha tristeza   :'( ) chamou de não-filosofia seriam facilmente compreensíveis com um contato mais profundo com a filosofia dele. Amanhã, quando lhe for responder propriamente, tentarei explicar a maioria delas =)

    Certamente vc desistiu de responder-me “propriamente”. Isso se deve com certeza à minha pouca intimidade com a filosofia nietzscheana... Bem, explicar religião a um crente é moleza mesmo... Tão fácil quanto explicar Nietzsche a um ateu...

    #85434
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    Assim não falou ZaratustraSabemos que o método aforismático e poético adotado por Nietzsche para desenvolver a maioria de suas obras, se deve à dificuldade de questionar o racionalismo, que é o que ele faz o tempo todo, partindo de conceitos racionais; criticar a razão sob alguma outra razão. Então ele lança mão de aforismos que, dialéticos, dão asas à imaginação. Dando asas à imaginação alheia, ele pode adentrar num campo totalmente subjetivo, e ao mesmo tempo dizer que não há qualquer campo para a subjeção.  Bem, só em se falar em imaginação podemos imaginar quanta subjeção... heheheO fato é que a subjeção e a contradição parecem acompanhar Nietzsche: Para desmitificar um conceito  ou um princípio moral, ele se apropria de mitos, como no caso dos “espíritos apolínio e dionisíaco", personagens da mitologia grega. Para protagonizar uma estória que tenta passar uma mensagem de liberdade para os homens frente aos mitos e deuses das religiões, ele ressuscita o profeta Zaratustra, um persa que viveu por volta do século VII  a/C, também conhecido como Zoroastro, fundador do Masdeísmo ou Zoroastrismo, uma religião monoteísta. (que adora um só Deus)Não sei qual a intenção de Nietzsche em escolher esse personagem para sua obra, o fato é que o verdadeiro Zaratustra deve ter-se “revirado em sua tumba”. Alguns dos principais mandamentos do zoroastrismo, religião criada por Zaratustra e que pregava que o esforço e o trabalho eram atos santos :"O que vale mais num trabalho é a dedicação do trabalhador.""O que semeia milho, semeia a religião. Não trabalhar é um pecado."Nietzsche considera o Trabalho, algo digno dos escravos, fracos, mansos  e covardes."Deus está sempre à tua porta, na pessoa dos teus irmãos de todo o mundo."ASSIM falou o verdadeiro Zaratustra!! O que Nietzsche diria sobre isto?  Alguns dos preceitos do Masdeísmo ou Zoroastrismo:“Conforme os seus méritos ou pecados, elas iriam para o mundo dos justos (paraíso), para a mansão dos pesos iguais (purgatório) ou para a escuridão eterna (inferno). Não sepultavam, incineravam ou jogavam os mortos em rios, mas ficavam expostos em altas torres a céu aberto. Os corpos dos justos, salvos da destruição, secariam; já os dos injustos seriam devorados pelas aves de rapina. Desse modo, Zaratustra pode ser visto como um dos primeiros teólogos da história por ter erigido um sistema de fé religiosa desenvolvido e estruturado”"Entre as condutas proibidas destacavam-se a gula, o orgulho, a indolência, a cobiça, a ira, a luxúria, o adultério, o aborto, a calúnia e a dissipação. Cobrar juros a um integrante da religião era considerado o pior dos pecados. Reprovava-se duramente o acúmulo de riquezas.As virtudes como justiça, retidão, cooperação, verdade e bondade, surgem com o princípio organizador de Deus Ascha, que só se pode manifestar com o esforço individual de cultivar a Tríplice Bondade. Esta prática do Bem leva ao bem-estar individual e, conseqüentemente, coletivo. A comunidade somente pode surgir quando o individuo se vê como autônomo, e desse modo pode descobrir o outro como pessoa"http://pt.wikipedia.org/wiki/ZaratustraPor que as profecias de um persa seriam mais indicadas que as de um judeu?Por que se apropriar da imagem deste profeta persa que passou uma mensagem praticamente igual a msg de Jesus, e passar outra msg completamente diferente das mensagens dos dois profetas?

    #85435
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    Nietzsche e o que em sua filosofia seriam as características que demarcam os dois tipos de vida, representados pelas duas morais que ele próprio inventou ou identificou: a moral nobre (moral dos senhores) e a escrava:

      “Numa perambulação pelas muitas morais, as mais finas e as mais grosseiras, que até agora dominaram e continuam dominando na terra, encontrei certos traços que regularmente retornam juntos e ligados entre si: até que finalmente se revelaram dois tipos básicos, e uma diferença fundamental sobressaiu. Há uma moral dos senhores e uma moral de escravos; acrescento de imediato que em todas as culturas superiores e mais misturadas aparecem também tentativas de mediação entre as duas morais, e, com ainda maior freqüência, confusão das mesmas e incompreensão mútua, por vezes inclusive dura coexistência até mesmo num homem, no interior de uma só alma.As diferenciações morais de valor se originaram ou dentro de uma espécie dominante, que se tornou agradavelmente cônscia da sua diferença em relação à dominada, ou entre os dominados, os escravos e dependentes de qualquer grau. No primeiro caso, quando os dominantes determinam o conceito de "bom", são os estados de alma elevados e orgulhosos que são considerados distintivos e determinantes da hierarquia. O homem nobre afasta de si os seres nos quais se exprime o contrário desses estados de elevação e orgulho: ele os despreza. Note-se que, nessa primeira espécie de moral, a oposição "bom" e "ruim" significa tanto quanto "nobre" e "desprezível"; a oposição "bom" e "mau" tem outra origem.Despreza-se o covarde, o medroso, o mesquinho, o que pensa na estreita utilidade; assim como o desconfiado, com seu olhar obstruído, o que rebaixa a si mesmo, a espécie canina de homem, que se deixa maltratar, o adulador que mendiga, e, sobretudo, o mentiroso - é crença básica de todos os aristocratas que o povo comum é mentiroso. "Nós , verdadeiros" - assim se denominavam os nobres da Grécia antiga.É óbvio que as designações morais de valor, em toda parte, foram aplicadas primeiro a homens, e somente depois, de forma derivada, a ações: por isso é um grande equívoco, quando historiadores da moral partem de questões como "por que foi louvada a ação compassiva?". O homem de espécie nobre se sente como aquele que determina valores, ele não tem necessidade de ser abonado, ele julga: "o que me é prejudicial é prejudicial em si", sabe-se como o único que empresta honra às coisas, que cria valores. Tudo o que conhece de si, ele honra: uma semelhante moral é glorificação de si.Em primeiro plano está a sensação de plenitude, de poder que quer elevada, a consciência de uma riqueza que gostaria de ceder e presentear - também o homem nobre ajuda o infeliz, mas não ou quase não por compaixão, antes por um ímpeto gerado pela abundância de poder.O homem nobre honra em si o poderoso, e o que tem poder sobre si mesmo, que entende de falar e calar, que com prazer exerce rigor e dureza consigo e venera tudo que seja rigoroso e duro."Um coração duro me colocou Wotan no peito", diz uma velha saga escandinava: uma justa expressão poética da alma de um orgulhoso viking. Uma tal espécie de homem se orgulha justamente de não ser feito para a compaixão: daí o herói da saga acrescentar, em tom de aviso, que "quem quando jovem não tem o coração duro, jamais o terá". Os nobres e bravos que assim pensam estão longe da moral que vê o sinal distintivo do que é moral na compaixão, na ação altruísta ou no desintéressement [desinteresse]; a fé em si mesmo, o orgulho de si mesmo, uma radical hostilidade e ironia face à "abnegação" pertencem tão claramente à moral nobre quanto um leve desprezo e cuidado ante as simpatias e o "coração quente".São os poderosos que entendem de venerar, esta é sua arte, o reino de sua invenção. A profunda reverência pela idade e pela origem - todo o direito se baseia nessa dupla reverência -, a fé e o preconceito em favor dos ancestrais e contra os vindouros são algo típico da moral dos poderosos; e quando, inversamente, os homens das "idéias modernas" crêem quase instintivamente no progresso" e no "porvir", e cada vez mais carecem do respeito pela idade, já se acusa em tudo isso a origem não-nobre dessas "idéias"O que faz uma moral dos dominantes parecer mais estranha e penosa para o gosto atual, no entanto, é o rigor do seu princípio básico de que apenas frente aos iguais existem deveres; de que frente aos seres de categoria inferior, a tudo estranho-alheio, pode-se agir ao bel-prazer ou como quiser o coração", e em todo caso "além do bem e do mal": aqui pode entrar a compaixão, e coisas do gênero. A capacidade e o dever da longa gratidão e da longa vingança - as duas somente com os iguais -, a finura na retribuição, o refinamento no conceito de amizade, de uma certa necessidade de ter inimigos (como canais de escoamento, por assim dizer, para os afetos de inveja, agressividade, petulância - no fundo, para poder ser bem amigo): todas essas são características da moral nobre, que, como foi indicado, não é a moral das "idéias modernas", sendo hoje difícil percebê-la, portanto, e também desenterrá-la e descobri-la.É diferente com o segundo tipo de moral, a moral dos escravos. Supondo que os violentados, oprimidos, prisioneiros, sofredores, inseguros e cansados de si moralizem: o que terão em comum suas valorações morais? Provavelmente uma suspeita pessimista face a toda a situação do homem achará expressão, talvez uma condenação do homem e da sua situação. O olhar do escravo não é favorável às virtudes do poderoso: é cético e desconfiado, tem finura na desconfiança frente a tudo "bom" que é honrado por ele gostaria de convencer-se de que nele a própria felicidade não é genuína.Inversamente, as propriedades que servem para aliviar a existência dos que sofrem são postas em relevo e inundadas de luz: a compaixão, a mão solícita e afável, o coração cálido, a paciência, a diligência, a humildade, a amabilidade recebem todas as honras - pois são as propriedades mais úteis no caso, e praticamente todos os únicos meios de suportar a pressão da existência.A moral dos escravos é essencialmente uma moral de utilidade. Aqui está o foco de origem da famosa oposição "bom" e "mau" - no que é mau se sente poder e periculosidade, uma certa terribilidade, sutileza e força que não permite o desprezo. Logo segundo a moral dos escravos o "mau" inspira medo; segundo a moral dos senhores e precisamente o "bom" que desperta e quer despertar medo, enquanto o homem "ruim" é sentido como desprezível. A opressão chega ao auge quando, de modo conseqüente à moral dos escravos, um leve aro de menosprezo envolve também o "bom" dessa moral - ele pode ser ligeiro e benévolo porque em todo caso o bom tem de ser, no modo de pensar escravo, um homem inofensivo: é de boa índole, fácil de enganar, talvez um pouco estúpido, ou seja, un bonhomme [um bom homem]. Onde quer que a moral dos escravos se torne preponderante, a linguagem tende a aproximar as palavras "bom" e "estúpido".”Minha intenção com a crítica que segue, não é a de defender o Cristianismo, que é antes de tudo, um conjunto de regras pré-estabelecido e “que não pode ser mudado” sob nenhuma circunstância, o que por si só já é um grave obstáculo à evolução humana, independentemente de a origem de sua história ser verdadeira ou não. Minha intenção aqui não diz respeito aonde Nietzsche ataca; que é o Cristianismo, e sim aonde ele incentiva e apologiza; que é a moral dos “nobres”, dos “senhores”.   A tese de Nietzsche a respeito de uma inversão na moral  a partir do ressentimento dos escravos perante os seus algozes senhores, pode até mesmo ser procedente, o que não validaria absolutamente sob nenhum aspecto a hipótese de que: a moral "nobre" deveria prevalecer.Uma coisa não valida a outra. Se a moral do “escravo” ou dominado “é nociva” porque seria nascida do ressentimento, a moral do “nobre” não poderia ser sadia, natural e nem válida, uma vez que ela seria nascida da exploração empreendida pelos escravocratas ou dominantes, ela seria essencialmente de quem escraviza e explora sua espécie.  A menos que se tenha o escravagismo como algo válido, e a dominação exploradora como algo sadio ou virtuoso seja ela do tipo que for.Em minha opinião, é um grande erro entender que a filosofia de Nietzsche, no que diz respeito à convivência das pessoas enquanto sociedades, está correta ou seja algo a ser seguido. Há aqueles que acham que Nietzsche dá a receita para um mundo melhor, eu discordo. A concepção de que o dominante, poderoso, bem sucedido economicamente é superior, é totalmente questionável.  Caberia perguntar: Superior sob QUAL ótica? Sob essa ótica predominante que avalia e considera a moral dos dominantes algo “bom”, algo para o “bem”, que paradoxalmente, praticamente todos já estão fartos e apontam constantemente suas absurdas contradições existenciais, mesmo que sem perceber e investigar profundamente as origens desta paradoxalidade, poderia-se dizer que sim, a moral do dominante é superior.Porém, uma vez que praticamente todos têm algo  procedente a questionar, a protestar, a mobilizar-se contra, a lutar contra... Uma vez que vive-se sob as chantagens do medo, sob a ameaça iminente do extermínio da espécie, vive-se sob as rédeas das pessoas que detém “naturalmente” título de superior, não poderíamos atribuir caráter de “bom” à moral “superior”, mesmo que inconscientemente nos sintamos também superiores.Mesmo que estejamos num nível social  econômico acima da grande maioria das pessoas, jamais poderíamos, racionalmente  considerar a moral superior, a moral dos senhores, aquela moral que Nietzsche exalta tanto e ressalta suas características de coragem, rigidez, vigor, etc ,  “boa”. Uma vez que, mesmo que eu, entre as pessoas de minha região, seja o mais bem sucedido, sempre haverá alguém mais bem sucedido que eu. E sempre, tanto a sua quanto a minha vontade de poder estarão em conflito."O que faz uma moral dos dominantes parecer mais estranha e penosa para o gosto atual, no entanto, é o rigor do seu princípio básico de que apenas frente aos iguais existem deveres; de que frente aos seres de categoria inferior, a tudo estranho-alheio, pode-se agir ao bel-prazer ou como quiser o coração", e em todo caso "além do bem e do mal": aqui pode entrar a compaixão, e coisas do gênero."O princípio “básico” de que apenas frente aos iguais existem deveres, tem vários nomes; chama-se máfia, cartel, oligarquia e até currióla.Para fortalecer o caráter dos sadios princípios morais e éticos de igualdade de direitos entre os homens, eu não precisaria de maneira alguma evocar algum conceito teológico ou cristão. Faço isso com argumentos racionais. O conflito desnecessário NUNCA será sadio! Só pode existir pessoas consideradas: senhor, dominador, superior, se existir pessoas consideradas escravos, dominados, inferiores.Alguém pode dizer: Para o dominador é sadio. E eu digo: Parece sadio. Como eu disse mais acima, sempre haverá alguém mais poderoso que eu e a vontade de poder alheia às conseqüências não seria um privilégio só meu. Eu também estou incluído nos planos de dominação deste mais poderoso que eu e, consequentemente, dentro desta ótica predominante e equivocada ele é superior e suas atitudes são válidas e sadias.Esse “princípio de dever frente aos iguais” cai por terra ao menor sinal de prejuízo ou baixo lucro. O que me era considerado igual passa a ser oposto, o que era nobre passa para baixaria, baixeza. Enquanto eu, hipoteticamente sendo um dos mais poderosos de minha região, estiver de pleno acordo com o outro mais  poderoso de sua região, estaremos explorando e escravizando mutuamente, “socialmente”. Porém não há pudor, nem ética dentro da exploração e fora da compaixão. Não há bondade, não há limites, alias a bondade, segundo Nietzsche é sinal para o " ser superior", o dominador se preocupar e sentir medo. Minha vontade de poder deverá ter exatamente a mesma medida da vontade de poder do outro, senão um dos dois será engolido. A tendência lógica dessa "moral superior" ou "nobre" é existir cada vez MENOS superiores e poderosos, visto que um eliminará o outro, deixando margem para o surgimento de uma casta muitíssimo reduzida e altamente dominadora (alguma coisa parecida com os faraós - "divindades" na Terra). Portanto, a menos que vc se considere o mais superior dos superiores, esta moral “nobre” deve ser questionada.Esse conceito de "nobreza dos superiores" não é menos nocivo à humanidade que o conceito de "nobreza dos escravos". Não há porque ver superioridade no ato de dominar e explorar outros. É exatamente este impulso de entender como superior,  aquilo que domina e explora, o X da questão. A pergunta não é quem é mais feliz e sim; quem cultiva a felicidade?

    #85436
    Acácia
    Membro

    Voltem Brasil, umamarte, phillipon, ajce1968, sica, nairan, Lincolpsi. Pelo amor dos meus filhinhos…risos!!!A compaixão nascida da sensibilidade e transformada em responsabilidade social para com os menos favorecidos, é o fio condutor que garantirá o transladar do homem evoluído para o seu novo habitat natural.

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