GADO. A EXPANSÃO GEOGRÁFICA. IMPORTÂNCIA ECONÔMICO-SOCIAL – História do Brasil

GADO. A EXPANSÃO GEOGRÁFICA. IMPORTÂNCIA ECONÔMICO-SOCIAL.

Brasil Bandecchi

Como sabemos, o índio brasileiro não possuía animais domésticos, daí a necessidade de se entregarem à caça e à pesca a fim de obterem carne para sua alimentação.

Quando Martin Afonso aqui chegou, já encontrou no pequeno povoado de São Vicente, galinhas e porcos da Espanha, possivelmente trazidos pelos que demandavam os mares do Sul ou salvos de naufrágios. De qualquer maneira, estes animais já se encontravam no Brasil, em 1532.

O gado bovino, entretanto, só chegou ao Brasil em 1534, por iniciativa de Ana Pimentel, esposa do donatário vicentino.

O boi não era somente de grande utilidade para o abastecimento da população mas, também, para o transporte, para acionar engenhos que não fossem movidos a água, para fornecer couro para o artesanato e invólucro de fumo e outros produtos.

O gado de São Vicente iria ser levado para o Planalto pira tiningano e, ainda, para o Sul, onde aumentaria consideravelmente.

A Bahia recebeu gado bovino que lhe era enviado de Cabo Verde e daí, "os currais aos poucos se derramaram do Maranhão a Pernambuco, ocupando os interiores dessas regiões e ainda os do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Na direção do Oeste chegaram os currais de gado a Goiás e Mato-Grosso enquanto que o futuro território das Minas Gerais, antes da mineração já era desbravado pelos criadores de São Vicente. Aurélio Porto, que é hoje, no Brasil, a maior autoridade em matéria de história da pecuária, ensina que esse gado brasileiro de São Vicente é que iniciou a criação bovina do Paraguai, sendo para lá introduzido em 1555. E o que é mais interei sante para nós, o mesmo autor, depois de aturadas pesquisa», chegou à conclusão segura de que todo o gado do Uruguai, que se estendeu até às margens do Rio da Prata, onde Portugal fundou a Colônia do Sacramento, descende também, remota mente, do gado de São Vicente, através dos rebanhos do Paraguai e das diferentes reduções jesuíticas."1

O gado vacum, exige para sua criação grandes áreas, pastos amplíssimos, pois que por alqueire só se pode manter, em média, 3 cabeças.

Embora o gado fosse um dos mais importantes auxiliares da produção açucareira, quando passou a ser um elemento econômico que podia ter, como teve, sua autonomia, causou atrito entre produtores de cana e criadores.

"É certo que, muito cedo, veio à tona o choque entre criação e agricultura, ambas repelindo-se e atritando no esforço ciumento pela posse do solo, a ponto de certa Carta Régia determinar que se não pusesse gado senão a dez léguas além dos limites da área de açúcar; e a tradição secular dos travessões nordestinos — valas imensas dividindo campos de cultura dos campos de criação — evidentemente encontra origem neste dissídio, que de resto, vem de muito longe."2

O gado necessitava de terras próprias para pastos e bastante água.

"As fazendas e os currais de gado se situam aonde há largueza de campo, e água sempre manente de rios, ou lagoas: por isso os currais da parte da Bahia estão postos na borda do rio Itapicuru, na do Rio Real, na do Rio Vaza-Barris, na do Rio S. Francisco, na do Rio das Velhas, na do Rio das Rãs, na do Rio Verde, na do Rio Peramerim, na do Rio Jacuípe, na do Rio de Sergipe; e de outros rios, em os quais, por informação tomada de vários, que correram este sertão, estão atualmente mais de quinhentos currais: e só na borda de aquém do Rio dc São Francisco, cento e seis léguas. E na outra borda da parte de Pernambuco, é certo que são muito mais."3

O rio São Francisco era no Nordeste a porta de entrada do gado para o sertão. Ocupada a faixa litorânea pela agricultura e depois pelas indústrias de pesca, onde se instalaram as feitorias baleeiras,4 uma segunda faixa existe da ocupação do território brasileiro, esta constituída pela pecuária.

O gado podia penetrar o sertão. Não tinha o problema seríssimo do transporte, porque transportava-se por si mesmo. A mão-de-obra exigida era pouca. Sem a complexidade da agricultura, principalmente, da açucareira, tinha na amplitude do o ~sertão o caminho da sua expansão, acompanhando os rios rumo ao interior. Pelo São Francisco, o gado atingiu as regiões de Minas Gerais e subindo na direção Norte até o Piauí.

O latifúndio de Garcia d’Avila se perdia pelo sertão adentro. Rivalizavam com Garcia d’Avila as terras dos Guedes de Brito. Rivalizavam. Não eram tão extensas, isto é, não chegavam às 260 léguas dos fidalgos da Casa da Torre. Mas ambas eram de assombrar.

A par das águas e dos campos, encontram-se as jazidas de sal que favorecem bastante a criação do gado.

No Sul, o gado de São Vicente proliferara.

Às margens dos grandes rios, os grandes rebanhos.

A penetração do gado, levaria criador e vaqueiro a fixa rem-se no interior. Era o povoamento, além do litoral. Criador c vaqueiro, patrão e empregado iriam enfrentar os mesmos riscos e isto irmanava-os. Necessitavam de uma defesa comum, que as autoridades ficavam na costa. A pecuária unia os homens, democraticamente, enquanto o engenho criava aristocracia e uma barreira entre a casa-grande e a senzala.

No Sul o gado invade até os campos do Rio Grande, peneira o Mato Grosso, atinge o Paraguai e de tal maneira as coisas acontecem que se multiplicam de forma tão rápida, que o homem não pode dominá-lo e êle acaba por se tornar selvagem. Em Vacaria, por exemplo, era bastante difícil de se calcular o gado ali existente. Já não se falava em arrebanhar o gado e sim em caçá-lo.

No Norte, o forte comércio de couros manteria um controle melhor sobre os rebanhos.

Antonil, quando se refere às boiadas que se tiram cada ano dos currais do Brasil, mostra que os couros, em grande parte são de Pernambuco, Bahia, Sergipe:

"Para que se faça justo conceito das boiadas, que se tiram cada ano dos currais do Brasil, basta advertir que todos os rolos de tabaco que se embarcam para qualquer parte, vão encoura dos. E sendo cada um de oito arrobas, os da Bahia, como vimos em seu lugar, ordinariamente cada ano pelo menos, vinte e cinco mil arrobas, e os das Alagoas de Pernambuco, duas mil e quinhentas arrobas; bem se vê quantas reses são necessárias para encourar vinte e sete mil e quinhentos rolos."

"Além disso, vão cada ano da Bahia para o Reino, até cinqüenta mil meios de sola; de Pernambuco quarenta mil; e do Rio de Janeiro (não se computando os que vinham da nova Colônia, ou só do mesmo Rio, e outras capitanias do Sul) até vinte mil meios de sola: que vem a ser por todas, cento e dez mil meios de sola."

Com o gado bovino, temos também a criação de cavalos, mulas e machos.

O cavalo que tanta preocupação haveria de trazer à coroa, era do mais alto interesse, pois que servia para a tropa. A ca valaria constituía arma das de maior eficiência na guerra. Por essa razão, todo o navio que fosse do Brasil para Angola devia levar cavalos para lá, e caso sua tonelagem não comportasse essa carga, o seu senhorio ficava obrigado a enviá-los, por conta própria, em outra embarcação.

Ignora-se quando o cavalo foi introduzido no Brasil, mas, o que é certo, é que logo tornou-se de muito uso, principalmente pelos que dispunham de posses e ostentavam sua situação em ricas montarias.

O ciclo de ouro reclamaria condução e transporte, e deste ciclo teríamos o do muar.

Alfredo Ellis Júnior estuda o ciclo do muar em substancioso artigo que passamos a resumir:

O ciclo do muar coincide com o do ouro, no início do século XVII e perdura até o advento das vias férreas, por volta do ano de 1875. Abrange, assim, um vasto período, que vai do começo da mineração, permanece no ciclo do açúcar paulista e alcança o princípio das grandes plantações de café. O muar foi o transportador de riquezas, atingindo as regiões de Goiás, Mato Grosso e Bahia. Durante cem anos (1750-1850) tornou possível a vida econômica do Planalto e o abastecimento dos pontos distantes, onde só a coragem do bandeirante poderia atingir.

Na sua época, o muar foi o transporte. A Baixada Fluminense, Vale do Paraíba e o Oeste Paulista lhe devem muito.

No Baixo Paraná e no Prata se estendiam vastos rebanhos de gado, que ofereciam bom lucro aos criadores, o que levou aos habitantes dessas regiões sulinas, meios para seu progresso econômico e social. E isto em virtude do ciclo do ouro que reclamava meio de transporte. Terminado o ciclo do ouro, surge, aqui no Sul, o açúcar e o café que exigem a utilização de muares.

Do ciclo do muar, o professor Ellis Júnior mostra que foram as seguintes suas conseqüências: a) Povoamento e evolução política, social e econômica dos núcleos coloniais do Prata, diretamente e indiretamente de outros núcleos sulinos; b) política externa do Brasil com as disputas em torno da Colônia do Sacramento, Província Cisplatina e lutas posteriores; c) política interna: Rio Grande do Sul, tem seu enriquecimento alicerçado ao ciclo do muar; e da possibilitação do desenvolvimento dos núcleos mineradores e dos ciclos do açúcar paulista e fluminense (baixada).5

Com as mulas e machos a criação de cavalos declina. Daí a representação que os criadores de cavalos da Bahia, de Pernam buco e do Piauí fizeram ao rei. Com o transporte feito no lom bo das mulas e dos burros, os cavalos não eram adquiridos, prejudicando os seus criadores.

Por esta razão sua majestade é servida ordenar que em nenhuma cidade, vila ou lugar do território (…) se possa dar despacho por entrada, ou por saída a machos e mulas. E que antes pelo contrário, todas e todos que neles se introduzirem depois da publicação desta, sejam irremediavelmente perdidos e mortos, pagando as pessoas em cujas mãos forem achados os sobreditos machos, ou mulas, a metade do seu valor, para os que os descobrirem. Nas mesmas penas incorrerão as pessoas que de tais cavalgaduras se servirem ou seja em transportes, ou em cavalaria, ou em carruagens, depois de ter passado um ano, nos termos da Carta Régia de 19 de julho de 1761. Um ano era o prazo concedido para acabar com as mulas e machos como meios de transporte.

E ordenava ainda sua majestade, que se fizesse inventários em todos os distritos para se saber quantas mulas e machos existiam em cada um, e com a declaração das suas idades e sinais para poderem ser confrontados os que de novo aparecessem.

Esta Carta Régia haveria de provocar forte reação, como de fato provocou, tão úteis haviam se tornado os animais atingidos pela real determinação. Três anos depois foi permitido novamente seu comércio e utilização, mas todas as fazendas que criassem mulas e machos estavam obrigadas a criar também cavalos.

O gado muar não era, apenas, útil ao povo, mas também ao governo, dada a arrecadação que propiciava e as rendas ótimas que oferecia.

Tal era o movimento que êle provocava, que deu causa a célebres feiras de gado, sendo a mais famosa a de Sorocaba, em São Paulo.

A maior parte dos muares da feira de Sorocaba vinha do Rio Grande do Sul.

NOTAS

1 — Afonso Arinos de Mello Franco, ob. cit.

2 — Costa Porto, O Pastoreio na Formação do Nordeste.

3 — Antonil, ob. cit.

4 — A partir do século XVII, as feitorias baleeiras têm presença efetiva e marcante no litoral brasileiro. Sobre essas feitorias a profe sôra Myriam Ellis escreveu exaustivo trabalho, sob o título A Baleia rui Brasil Colonial, São Paulo, 1969.

5 Revista de História n° 1.

BIBLIOGRAFIA SUBSIDIÁRIA

  • Artur César Ferreira Reis — História do Amazonas, Manaus, 1931. Barbosa Lima Sobrinho — O Devassamento do Piauí, São Paulo, 1946 Bernardino José de Sousa — O Ciclo do Carro de Bois no Brasil, São Paulo, 1958.
  • Dante de Laytano — Notícia Breve da Pecuária no Rio Grande do Sul no Século XVIII, Porto Alegre, 1945. Jacob Manuel Gayoso de Almeida — O Feudo da Casa da Torre, no Piauí, Teresina, 1953. Lucas Boiteux — História Catarinense, Florianópolis, 1920. João Borges Fortes — Rio Grande de São Pedro — Povoamento eConquista, Rio de Janeiro, 1940. Oliveira Vianna — Populações Meridionais do Brasil, Rio de Janeiro,1952.
  • R. C. Castelo Branco — A Civilização do Couro, Teresina, 1942. Roberto C. Simonsen — História Econômica do Brasil (1500/1822), 4ª edição, São Paulo, 1962. Sérgio Buarque de Holanda — Caminhos e Fronteiras, Rio de Janeiro,1957.

Fonte: Material didático de História do Brasil Didática Irradiante, 1971.

 


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