JOSÉ ESTÊVÃO COELHO DE MAGALHÃES

JOSÉ ESTÊVÃO COELHO DE MAGALHÃES (Aveiro, 1809-1863) freqüentava o curso jurídico de Coimbra, quando rebentou a revolução constitucional do Porto e, nela havendo tomado parte, emigrou para a Inglaterra. Em 1832 desembarcou em Mindelo com o exército libertador e foi um dos extremados defensores da Serra do Pilar. Eleito deputado, manifestou grande talento oratório, defendendo sempre doutrinas liberais.

Exerceu o magistério na cadeira de Economia Política da Escola Politécnica, e também deu mostras de facúndia no foro criminal, mas a tribuna parlamentar foi o grande teatro dos seus mais esplendentes triunfos.

Ainda posta de parte a admiração sectária e apaixonada que tanto o enalteceu, sobejam a este orador qualidades que explicam o fervor de seus entusiastas.

Heróis!

Os heróis são exceções monstruosas da nossa natureza; podemos vangloriar-nos de vermos os seres de nossa espécie exceder as condições ordinárias da nossa existência, mas essa vaidosa satisfação custa sempre cara. (217). Os heróis são uns filhos pródigos da natureza e da sociedade, que dispõem, em proveito das suas paixões, do oiro, do sangue e da honra do mundo; que sacrificam aos seus caprichos quanto há nela de mais santo, de mais nobre e mais simpático; e a Providência, que castiga sempre, ainda que por diversos modos, os que se esquecem da humildade do berço comum, ou lhes esconde a lousa da sepultura para que os deslembrem, ou lha (218) deixa apontada à indignação pública para que os aborreçam.

As ondas tocadas da tempestade batem furiosamente no penhasco que as assoberba. Nesta lide, atropelam-se, amontoam–se; sobem umas sobre as outras, repetem assim os ataques, redobram os arremessos, até que galgam a altura onde a resistência as levou, e de lá, fatigadas e desfeitas em espuma, caem no mar, de onde saíram, no mar, de onde eram, no mar, que lhes dera a força, no mar, em que se tornam (219). Os heróis são estas cataratas passageiras, estes cachões (220) espumosos. O mar é a humanidade; como ela (221) largo, vasto, imenso; como ela querendo sempre saltar fora das suas barreiras, fugir às leis que o domesticam, e voltando sempre, apesar da sua inquietação, aos princípios de harmonia natural a que perpetuamente está sujeito, e para conservar os quais foi criado. E, serenada a tempestade, que resta dos penhascos em que as ondas já não batem, que o mar apenas roça, que já não atraem as nossas vistas pela luta que sobre eles se travara? Pedras de irregular conformação, sem belezas que satisfaçam a nossa curiosidade, nem excitem o nosso pasmo.

Sr. Presidente, esse mesmo homem que foi reputado o salvador da França, o domador da anarquia, esse grande capitão que venceu tantos povos, mas que não pôde vencer as idéias, esse guerreiro estadista a quem atribuem a glória de ter segurado a regeneração européia de 1793, esta mesma entidade histórica, parece-me que se poderia ter dispensado e suprimido, e que a sorte da Europa seria a mesma que hoje é, ou ainda melhor, sem as suas batalhas, as suas vitórias e as suas leis. O gênio dos acontecimentos e da civilização é mais poderoso que o gênio dos homens.

Eu tenho asco à guilhotina, e não tenho consideração pela espada, quando ela serve a violentar os povos, porque a guilhotina é sempre a ignomínia das revoluções, e a espada muitas vezes o opróbrio dos governos. Mas, se nós tirássemos da história o grande vulto do verdadeiro Napoleão, pelos milhares de vidas que se perderam nos campos da batalha, teríamos a contar mais alguns milhares de cabeças decepadas nos cadafalsos políticos, e o curso dos acontecimentos teria sido o mesmo, afora a diferença moral destes martírios, porque os destinos do mundo saltam por cima das baionetas e dos potros, e seguem a sua vereda sem haver nada que os detenha nem os desvie.

Por estas razões, para mim, quanto menos heróis melhor; e, se digo isto dos heróis que verdadeiramente o são, que será dos heróis (222) que apenas pretendem arremedá-los?

(Discurso acerca do apresamento do navio Charles et Georges, em 1857. — Discursos Parlamentares, edição Sousa Maia. Aveiro, 1878 — pp. 330-331).

(217) cara — O advérbio está aí ligado pelo gênero ao substantivo satisfação, como se fora adjetivo. (218) — lha — combinação do acusativo a com o dativo plural lhes, sob a antiga forma invariável lhe (de illi > Ihi > lhe); essa combinação lho, lha, por lhes o, lhes a, permanece até hoje. (219) A repetição de um termo ou de um conceito desenvolvido em novas asserções é um dos meios de maior efeito na oratória. (220) cachão, do lat. coclione, de cnde promana também a forma erudita cocção. Cachão é borbulhão, borbotão, como se a água estivera em fervura. Daí, cachoar, cachoeira, acachoar, escachoar, encachoeirar. Seu parônimo caixão, é o aumentativo de caixa, do gr. kápsa, pelo lat. capsa, cujo diminutivo é cápsula, caixinha, caixeta, caixota, caixola. (221) como ela — Melhor fora evitar o cacófato. (222) que será dos heróis? frase elíptica que se completa com o verbo anterior: que será [dito por mim] dos heróis ou que será [que direi] dos heróis…? São semelhantes: que será de mim? que é dele? que seria dos homens? em que se subentende o particípio passado (feito, sabido, dito): que é [jeito] dele? que seria [dito] de ti? que será [sabido, jeito, dito] dos excursionistas?

 


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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