Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)
CURSO DE LITERATURA NACIONAL
LIÇÃO
VII
ESPÉCIE
LÍRICA
Quase todos os poetas
portugueses ensaiaram o seu estro em romances, endechas, décimas e
principalmente canções, que na poesia moderna tomaram o lugar das odes entre os
gregos e romanos.
Mencionaremos
unicamente aqui os que mais se avantajaram durante o período que estudamos.
BERNARDIM RIBEIRO
Exalou-se muitas vezes a
melancolia deste poeta em lindos romances e vilancetes, que, apesar de certo
desalinho e languidez, recomendam-se pela graça e naturalidade. Sirva de exemplo o
seguinte vilancete, justamente reputado como o melhor de composição sua:
Não sou casado, senhora,
Pois inda que dei a mão
Não casei o coração.
Antes que vos
conhecesse,
Sem errar contra vós
nada,
Uma só mão fiz casada,
Sem que mais nisso
metesse.
Dou-lhe que ela se perdesse. *
Solteiros e vossos são
Os olhos e o coração.
LIÇÃO VII
ESPÉCIE LÍRICA
Quase todos os poetas portugueses ensaiaram o seu estro em romances, endechas, décimas e principalmente canções, que na poesia moderna tomaram o lugar das odes entre os gregos e romanos.
Mencionaremos unicamente aqui os que mais se avantajaram durante o período que estudamos.
BERNARDIM RIBEIRO
Exalou-se muitas vezes a melancolia deste poeta em lindos romances e vilancetes, que, apesar de certo desalinho e languidez, recomendam-se pela graça e naturalidade. Sirva de exemplo o seguinte vilancete, justamente reputado como o melhor de composição sua:
Não sou casado, senhora,
Pois inda que dei a mão Não casei o coração.
Antes que vos conhecesse,
Sem errar contra vós nada,
Uma só mão fiz casada,
Sem que mais nisso metesse.
Dou-lhe que ela se perdesse. *
Solteiros e vossos são
Os olhos e o coração.
Dizem que o bom casamento Se há fazer por vontade, Eu a vós a liberdade Vos dei e o pensamento. Nisto não me achei contento, Que se a outra dei a mão Dei a vós o coração.
Como, senhora, vos vi Sem palavras de presente, Na alma vos recebi, Onde estareis para sempre. Não, dei palavra somente, Não fiz mais que dar a mão, Guardai vós o coração.
Casei-me com o meu cuidado E com o vosso desejar, Senhora, não sou casado, Não me queirais ocultar. Que servir-vos e amar Me nasceu do coração Que tendes em vossa mão.
O casar não faz mudança Em meu antigo cuidado, Nem me negou esperança Do galardão esperado: Não me enjeiteis por casado, Que se a outra dei a mão Dei a vós o coração.
FRANCISCO DE SÁ DE MIRANDA
Ainda que a poesia didática fosse a que mais se coadunava com o gênio de Miranda, escreveu ele em outros ramos com mais ou menos fortuna. Admira-se em suas obras uma canção denominada Psychis da qual citamos a primeira estrofe, cuja delicadeza de expressão é reconhecida pelos mais difíceis e severos críticos:
Dura necessidade, quando engrossa
Como água na ribeira.
Quem não foge, podendo, vendo-a vir?
Quem há porém que possa?
Cumpre de ter maneira
Ou de por peito à água, ou de fugir
Buscando pelos vãos contos passados
De que cante que hei medo ao mau ensino
Maior que a cantar mal versos rimados.
Enfim direi d’Amor cego e minino,
Por desastre malino
Como lhe aconteceu.
Mas se Amor foi vencido, Amor venceu…
LUÍS DE CAMÕES
Em todos os gêneros e espécies de poesia encontraremos o nome do grande épico português comunicando-lhes o brilhantismo da sua vigorosa imaginação. Incontestavelmente o mais assombroso engenho do século áureo, passaria seu nome à posteridade, rodeado da mais fulgurante auréola, ainda que não nos legasse o seu imortal poema. Com o maior esmero cultivou a poesia italiana, naturalizada em Portugal por Sá de Miranda e Ferreira, e excedeu em tudo a esses legisladores do nosso Parnaso, na frase do Sr. Ferdinand Denis. Aprazia-lhe a poesia lírica e teria nela obtido tão distinto lugar como na epopéia, se menos imitador fosse, dando mais expansão ao seu original talento. Libertando-se dos princípios eminentemente clássicos que lhe prendiam os vôos na ode, e inspirando-se mais da antiga poesia nacional, elevou-se na canção a uma altura a que jamais atingiu poeta algum português. Apresentamos para exemplo e modelo a sua canção XII, que muito folgaria Petrarca de contar por sua:
Nem roxa flor de abril,
Pintor do campo ameno e da verdura,
Colhidas entre outras mil,
Foi nunca assi agradável à donzela
Cortês, alegre e bela,
De sua mãe, cuidado e glória pura,
Como a mi foi inculta formosura
Natural que poderá
A Saturno render na sua esfera.
Natural fonte agreste
Não lavrada de artífice excelente,
Mas por arte celeste
Derivada de rústico penedo,
Não faz jamais tão ledo
Cansado caçador por sesta ardente,
Quanto o cuidado a mi me fez contente
De ver tão descuidado,
Que fez sereno a Júpiter irado.
Fruta, que sem concerto
Naturalmente em ramos se pendura,
Achada por acerto;
A quem pmtada a vê de sangue e leite,
Não lhe dará o deleite
Que essa graça me dá sem compostura,
ornamento da mesma formosura,
Ê o toucado sem arte
Que tornara pastor o bravo Marte.
A manhã graciosa
Que derramando sai dentre os cabelos
A flor, o lírio, a rosa,
Sem ajuda do ornato, ou do artifício,
Não faz o benefício, Que faz a luz do vossos olhos belos A quem os vê tão ouros e singelos, E este inocente riso
Por quem Apolo o Tejo torna Anfriso.
Outeiros coroados,
Das árvores que fazem a espessura
Com os ramos copados,
Alegre, que mão destra os não cultiva;
Graça tão excessiva
Não tem na sua natural verdura,
Quanto na desses olhos clara e pura.
Deposita a esperança,
Com que Amor gosto, a Mãe tormento alcança.
Dos simples passarinhos
A música sem arte concertada
Dentre os verdes raminhos,
Tão suave não é, tão deleitosa,
A quem na selva umbrosa
Com mente ouvindo-a está tão elevada,
Quanto a mim essa fala doce agrada
E o natural aviso
Que roubara a Mercúrio o cetro e o siso.
De frescos rios água,
Que clara entre arvoredo se divisa,
Caindo d’alta frágua,
Esmaltando de pérolas no prado,
O verde delicado
Com brando som aos olhos fugitiva,
Não nos alegra quanto a graça esquiva
Dessa luz soberana
Que faz conter a rústica Diana.
À tal luz (ó canção, que ousaste vê-la!)
Vendo estás já prostrado,
Saturno triste, Júpiter irado,
Bravo Marte, áureo Apolo, Vénus bela,
E Mercúrio, e Diana e toda estrela.
FERNÃO ÁLVARES DO ORIENTE
Depois de Camões o poeta que mais se lhe aproxima no gênero lírico e que maior imaginação e apurado gosto revelou foi Fernão Alvares, chamado do Oriente, por ter nascido na cidade de Goa, capital da índia Portuguesa, pelos anos de 1540. A data de sua morte pode fixar-se em 1599. Correção e elegância de estilo, abundância de imagens e propriedade de pinturas caracterizam o vate ind:ano. Extrairemos da sua Lusitânia transformada, informe pastoral imitada da Arcádia de Sannazaro, a riquíssima canção dedicada à vida campestre e que passa geralmente por uma das mais estimáveis produções da musa portuguesa. Apesar da sua extensão julgamos conveniente transcrevê-la integralmente:
Que sorte tão ditosa.
Que dom tão sublimado aquele alcança
Que aposentou nos campos a ventura!
No bem de que a alma goza,
Isento do temor e da esperança
Nem desta, nem daquele se assegura.
Passando a vida alegre não procura
Ver os soberbos paços,
Em que busque os favores
Que grange.am somente aduladores,
À custa d’alma! e à força de seus braços
A fruta lhe daria
O ramo, águas a fonte, o campo flores.
Oh! quão alto descanso enfim teria,
Quem tão baixa tivesse a fantasia!
Vira nos arvoredos
Da natureza as obras contemplando
A fruta de mil cores variada:
Dos ásperos penedos
Veria a fonte clara ir murmurando
Por entre alvas florinhas derivada:
Veria pelos montes pendurada
A sua amada ovelha,
Na manhã clara e pura,
Que deixando dos campos a verdura,
Dera ao seu doce canto atenta orelha.
Oh! quem passar soubesse
A vida tão quieta e tão segura
Dela apartando assi todo o interesse
Que nunca em mores coisas a metesse!
Veria a alegre aurora
Comunicar no campo às frescas flores,
A bela cor que tem na roxa fronte;
Veria donde mora
Pintada de sutis e várias cores
Na praia conchas mil, flores no monte!
E quando o sol se esconde no horizonte
As nuvens transparentes
Vra na fresca tarde
(Como de noite a luz nos montes arde), Pintar de bordaduras diferentes. O fruto colheria
Que por colher melhor seu tempo aguarde
E em nada maior gosto levaria,
Que em levar o seu gado à forjfce fria.
Dera-lhe o campo a vide,
Dera-lhe a vide os cachos roixo e verde.
E os cachos o licor gostoso e lindo
O vale em que reside
Quando o sol da quentura a força perde,
Fora com vagarosos pés medindo,
Canções cantando uma hora, outra hora ouvindo.
Num gosto só descanso,
E descansado gosto,
Teria todo o seu cuidado posto
Em tosquiar o simples gado e manso,
Quando mais Febo ardesse,
Em o levar ó mais seguro posto,
Em vestir-se de lã que lhe ele desse,
E mungi-lo de leite que comesse.
Do triste, ou ledo rosto
Daquele de que em vão, vão preço espera
Não trará seu descanso pendurado,
Nem temor, nem desgosto
Lhe causará na guerra ardente e fera
Cair o companheiro ao próprio lado,
Não experimentará no mar irado,
Dos ventos procelosos
À fúria nunca mansa.
O que pois tão ditosa sorte alcança
Que de tantos encontros perigosos
A ventura o desvia,
Se entende sua bem-aventurança
Que lhe cantam aves à porfia,
Quão bem aventurado que seria!
Em fraco lenho e leve,
A vida não entrega ao vento irado
Para as pedras buscar que a índia manda,
Nem põe o gosto breve
No soberbo metal que nega o fado,
A quem trás ele mais trabalha e anda.
Por mais que volte a uma outra banda,
O sol não lhe seria
Senão sereno e claro
Que mal pode mudar-se o gosto raro
De vida que então doce paz se cria
Por mais que a acometesse
Com seus tiros mortais o tempo avaro.
E ainda acertaria se dissesse
Que por mais que a fortuna revolvesse,
Se o vestido lhe falta
De fina prata ornada e de ouro alheio,
E as casas de sutil e vária tinta;
No campo se lhe esmalta.
O verde chão de gracioso arreio
Que o céu suas cores próprias pinta,
E sem que do temor o assalto sinta*
Ao sono socegado,
O convida a corrente
Do ribeiro que corre mansamente
Per entre as ervas úmidas do prado.
Se a costumada onzena
A terra lhe negar, tão pouco o sente,
Que por cousa mais grande, ou mais pequena,
Nunca em si sentiria maior pena.
Quão bem aventurado,
Quão ledo, quão ditoso enfim seria,
O que mercê do céu tão grande houvesse
Que só acompanhado
Das ovelhas pacíficas que cria
Na doce solidão viver pudesse!
E sem buscar do mundo outro interesse,
No seguro remanso
Que para si buscasse
Alegre a vida em tanta paz passasse,
Que nunca profanara o seu descanso
Outra mais grave pena
(Por mais que a sorte dura salteasse
Com vários casos sua paz serena)
Que pesar-lhe da vida ser pequena.
Que sorte tão ditosa.
Que dom tão sublimado aquele
alcança
Que aposentou nos campos a ventura!
No bem de que a alma goza,
Isento do temor e da esperança
Nem desta, nem daquele se assegura.
Passando a vida alegre não procura
Ver os soberbos paços,
Em que busque os favores
Que grange.am somente aduladores,
À custa d’alma! e à força de seus braços
A fruta lhe daria
O ramo, águas a fonte, o campo flores.
Oh! quão alto descanso enfim teria,
Quem tão baixa tivesse a fantasia!
Vira nos arvoredos
Da natureza as obras contemplando
A fruta de mil cores variada:
Dos ásperos penedos
Veria a fonte clara ir murmurando
Por entre alvas florinhas derivada:
Veria pelos montes pendurada
A sua amada ovelha,
Na manhã clara e pura,
Que deixando dos campos a verdura,
Dera ao seu doce canto atenta orelha.
Oh! quem passar soubesse
A vida tão quieta e tão segura
Dela apartando assi todo o interesse
Que nunca em mores coisas a metesse!
Veria a alegre aurora
Comunicar no campo às frescas flores,
A bela cor que tem na roxa fronte;
Veria donde mora
Pintada de sutis e várias cores
Na praia conchas mil, flores no monte!
E quando o sol se esconde no horizonte
As nuvens transparentes
Vra na fresca tarde
(Como de noite a luz nos montes arde), Pintar de bordaduras diferentes. O fruto colheria
Que por colher melhor seu tempo aguarde
E em nada maior gosto levaria,
Que em levar o seu gado à forjfce fria.
Dera-lhe o campo a vide,
Dera-lhe a vide os cachos roixo e verde.
E os cachos o licor gostoso e
lindo
O vale em que reside
Quando o sol da quentura a força perde,
Fora com vagarosos pés medindo,
Canções
cantando uma hora, outra hora ouvindo.
Num gosto só descanso,
E
descansado gosto,
Teria
todo o seu cuidado posto
Em tosquiar o simples gado e manso,
Quando mais Febo ardesse,
Em o levar ó mais seguro posto,
Em vestir-se de lã que lhe ele desse,
E mungi-lo de leite que
comesse.
Do triste, ou ledo rosto
Daquele de que em vão, vão preço espera
Não trará seu descanso pendurado,
Nem temor, nem desgosto
Lhe causará na guerra ardente e
fera
Cair o companheiro ao próprio lado,
Não experimentará no mar irado,
Dos ventos procelosos
À fúria nunca mansa.
O que pois tão ditosa sorte alcança
Que de tantos encontros perigosos
A ventura o desvia,
Se entende sua bem-aventurança
Que lhe cantam aves à porfia,
Quão bem aventurado que seria!
Em fraco lenho e leve,
A vida não entrega ao vento irado
Para as pedras buscar que a índia manda,
Nem põe o gosto breve
No soberbo metal que nega o
fado,
A quem trás ele mais trabalha e anda.
Por mais que volte a uma outra banda,
O sol não lhe seria
Senão sereno e claro
Que mal pode mudar-se o gosto raro
De vida que então doce paz se cria
Por mais que a acometesse
Com seus tiros mortais o tempo avaro.
E ainda acertaria se dissesse
Que por mais que a fortuna
revolvesse,
Se o vestido lhe falta
De fina prata ornada e de ouro alheio,
E as casas de sutil e vária tinta;
No campo se lhe esmalta.
O verde chão de gracioso arreio
Que o céu suas cores próprias pinta,
E sem que do temor o assalto sinta*
Ao sono socegado,
O convida a corrente
Do ribeiro que corre mansamente
Per entre as ervas úmidas do
prado.
Se a costumada onzena
A terra lhe negar, tão pouco o sente,
Que
por cousa mais
grande, ou mais pequena,
Nunca em si sentiria maior pena.
Quão bem aventurado,
Quão ledo, quão ditoso enfim seria,
O que mercê do céu tão grande houvesse
Que só acompanhado
Das ovelhas pacíficas que cria
Na doce solidão viver pudesse!
E sem
buscar do mundo outro interesse,
No seguro remanso
Que para si buscasse
Alegre a vida em tanta paz passasse,
Que nunca profanara o seu
descanso
Outra mais grave pena
(Por mais que a sorte dura salteasse
Com vários casos sua paz serena)
Que pesar-lhe da vida ser pequena.
Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978
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