MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA…
UM sapateiro remendão trabalhava noite e dia e mal podia sustentar a mulher e os filhos Começava na tarefa pela madrugada, com luz candeia, e ia até ao anoitecer, ganhando pouco sustento para os seus.
Uma madrugada já estava êle batendo sola quando passou um comerciante rico e muito cari doso e reparou naquele sapateiro trabalhando ain da com estrelas no céu. Ficou com piedade do ho mem e resolveu ajudá-lo. Mandou, por um criado, um bolo, todo recheiado de moedas de ouro, sem dizer quem mandava.
Ficou o sapateiro radiante e levou o bolo para casa. Lá chegando disse-lhe a mulher: — Ouve cá, homem, nós devemos umas poucas de moedas ao açougueiro que ainda não nos deixou de man dar alguma carne por semana. Não parece melhor, que vá eu levar esse bolo à mulher dele, como um’ regalo ?
Concorda o sapateiro com a idéia da mulher e esta vai dar o bolo à açougueira, que, partindo-o, encontrou as moedas de ouro e nenhuma notícia passou ao pobre remendão.
Mas não perdia a fé e dizia que mais vale quem Deus ajuda, do que quem cedo madruga…
Continuou esse na sua sina, e sucedeu passar o mesmo comerciante que ficou surpreso vendo seu protegido na mesma penúria.
— Êh, homem! Comeu o bolo que lhe mandei há dias?
O sapateiro rendeu-lhe todas as graças, humildemente, e contou o conselho que tivera da mulher e a quem levara o bolo. O comerciante despediu-se, prometendo ajudar, mais uma vez, ao pobre. Mandou por um criado, outro bolo, com recheio de moedas de ouro. Vai a mulher e diz ao marido:
— Homem, já mandámos um bolo ao açougueiro e não estamos acostumados a essas goluseimas. Devemos também ao padeiro, que ainda nos fia alguma lenha para o inverno. Vamos dar o bolo à sua mulher. Será um agrado. Nós nos arranjamos com o que há em casa…
Concordou o marido e foi a mulher do padeiro quem comeu o bolo e ficou com as moedas.
Pela terceira vez o comerciante andou pela rua do remendão e o viu na mesma posição miserável de trabalho, arremendado, sujo e magro. Foi-lhe perguntar o destino do segundo bolo que lhe dera e soube de tudo. Ficou convencido que era destino do sapateiro o ser pobre toda sua existência. Para não deixar de dar-lhe qualquer cousa, disse:
— Ouça cá, bom homem. Quisera dar-lhe alguma moeda mas nada tenho. Duas vezes lhe mandei ouro dentro de bolos e nenhum proveito lhe fez a dádiva. Desta vez lhe dou apenas este pedaço de chumbo que encontrei. Que Deus o ajude…
— Mais vale quem Deus ajuda do que que cedo madruga, pensou o sapateiro, quando voltou a casa, levando o pedaço de chumbo no bolso.
Ceou o que possuía e agasalhou-se com a mulher e os filhos. Pela madrugada, despertou com alguém batendo à sua porta. A mulher foi ver quem batia e -viu que era a mulher de um pesca dor, seu vizinho:
— Vizinha, não terá por acaso um pedaço de chumbo em casa? O meu homem perdeu um chum bo da rede e tem mania de levá-la inteira. Darei o melhor peixe que êle pescar hoje.
— Temos aqui um pedaço de chumbo, vizinha, e pode levá-lo. Se o peixe vier, melhor, que calha para o jantar.
Levou a mulher do pescador o chumbo e, pela noite, voltou com um belo peixe, de presente, como paga do auxílio. O sapateiro estava trabalhando e a mulher foi preparar o pescado. Ao abrí-lo encontrou uma pedra azul, bem bonita. Tirou-a, lavou-a, dando-a aos filhos para se entreterem.
O sapateiro chegou, soube do peixe, ceou-o e, se foi a dormir. Apagaram a candeia mas a pedra azul iluminava o aposento com sua luz. Pela manhã, o sapateiro ficou admirado e, como era homem prudente, pôs a pedra no bolso e procurou o comerciante que o quisera ajudar. Contou-lhe toda a história e mostrou-lhe a pedra. O comerciante olhou-a, examinou:
— Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga. Tantas madrugadas passaste labutando e a fortuna te procurou da maneira mais estranha de todas. Essa pedra é um diamante azul, pedra rara e de alto preço. Estás rico…
Levou a pedra ao rei que a comprou imediatamente, pagando muito caro. O sapateiro ficou rico, vivendo muito bem, e contando a todos que mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga.
*
O encontro de pedras preciosas no ventre de peixe ocorre comumente na novelística popular. Lembremo-nos do anel de Polícrates. Frei Hermenegildo de Tancos, no Orto de Sposo, do século XIV, regista o conto do firmai de prata. Modificada, a versão já estava no Cantigas o looreos y mflagros de Nuestra Senora, de Afonso X de Castela e Leão, no século XIII. De sua origem oriental atesta o episódio da Mil e umas Noites (ed. portuguesa de João Romano Torres, Lisboa, 1909, 2 volumes), História de Cogia iHassan Alhabbal, II, 588. Saad e Saadi, ricos, sustentavam teses diversas quanto aos bens de fortuna, em sua origem. Encontraram um cordoeiro paupérrimo e Saadi lhe deu uma bolsa cheia de ouro. Hassan, o cordoeiro, ocultou as moedas no turbante e um milhafre esfomeado o arrebatou. Novo encontro e novas duzentas peças de ouro dadas pelo magnânimo Saad. Escondeu-as Hassan no fundo de um vaso de farelos, vendido, logo após, pela mulher. Último encontro. Saad presenteia ao cordoeiro com um pedaço de chumbo. Segue-se o pedido da mulher do pescador, oferta do peixe, encontro do diamante, etc. Teófilo Braga regista uma versão do Porto, Nascer para, ser rico, diferindo em pormenores. Versão literária deu Gonçalo Fernandes Trancoso, O real bem ganhado, XIII do Historias de proveito e exemplo, onde a pedra é comprada por um real a dois rapazes que a disputavam, tendo-a uma pederneira. Mt. 736 de Aarne-Thomps Luck and Wealth, com o resumo: — The fool with the jewel. A poor man gets a piece of He gives it to a fisherman under the agreeme-that the firs cathch of fish shall be given to hi In the net is a fish with a precious stone in h body. Stith Thompson cita Vitor Chauvin, B bliographie des ouvrages árabes, VI volume, 3 n.° 202. Há uma versão na Estônia. Duas variantes do firmai de prata, (anel do Polícrates Silva Campos registou na Baía, Deus é be bom… e Nada mais do que Deus, LXXIII LXXIV do Contos e Fábulas Populares da Bahia. (CASCUDO).
Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.
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