MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA

Nota Biográfica

MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA, nascido no Rio de Janeiro, a 17 de novembro de 1830, graduado em Medicina e falecido, aos 31 anos, em 28 de novembro de 1861, vítima do naufrágio do vapor "Hermes".

Perdeu-se nesse moço um escritor que se acomodaria entre os primeiros de sua época, a avaliar pelo seu único romance, produzido antes dos vinte e cinco anos.

Observador meticuloso, deixou páginas que pintam com justeza e em boa linguagem os costumes da classe média do Rio de Janeiro na metado do século passado.

Após Macedo e Alencar, é a M. A. de Almeida que se devem, no período incial do nosso romance, os melhores trechos descritivos.

Seu primeiro livro — Memórias de um Sargento de Milícias, estampado em 1855, não mereceu dos contemporâneos o apreço a que faz jus; mais tarde, porém, sob novos influxos de apreciação literária, melhor se viu, nas descrições do ambiente social e na simplicidade das narrativas e diálogos, o mérito do escritor. Em 1861, ano de sua morte, foi dado a público o seu segundo livro, um drama histórico: Dois Amores.

Trechos selecionados de obras de MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA

Entrada para a Escola

É mister agora passar em silêncio sobre alguns anos da vida do nosso memorando, para não cansar o leitor repetindo a história de mil travessuras de menino do gênero das que já se conhecem; foram diabruras de todo o tamanho, que exasperaram a vizinha, desgostaram a comadre, mas que não alteravam em cousa alguma a amizade do barbeiro pelo afilhado; cada vez esta aumentava, se era possível, tornava-se mais cega. Com ela cresciam as esperanças do belo futuro com que o compadre sonhava para o pequeno, e tanto mais que durante esse tempo fizera este alguns progressos: lia soletrado sofrivelmente, e, por inaudito triunfo da paciência do compadre, aprendera a ajudar missa. A primeira vez que êle conseguiu praticar com decência e exatidão semelhante ato, o padrinho exultou; foi um dia de orgulho e de prazer; era o primeiro passo no caminho para que êle o destinava.

— E dizem que não tem jeito para padre, pensou consigo; ora acertei o.. alvo, dei-lhe com a balda. Êle nasceu mesmo para aquilo, há-de ser um clérigo de truz. Vou tratar de metê-lo na escola, e depois… toca!

Com efeito, foi cuidar nisso e falar ao mestre para receber o pequeno: morava este em uma casa da rua da Vala, pequena e escura.

Foi o barbeiro recebido na sala, que era mobiliada (63) por quatro ou cinco longos bancos, de pinho, sujos já pelo uso, uma mesa pequena, que pertencia ao mestre, e outra maior, onde escreviam os discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no teto havia penduradas uma portão enorme de gaiolas de todos os tamanhos e feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas qualidades: era a paixão predileta do pedagogo.

Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de latinista e dava bolos nos discípulos por dá cá aquela palha. Por isso era um dos mais acreditados da cidade.

O barbeiro entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabreado (64) à vista do aspecto da escola, que nunca tinha imaginado. Era em um sábado; os bancos estavam cheios de meninos, vestidos quase todos de jaquetas ou robissões de lilá, calças de brim escuro e uma enorme pasta de couro ou papelão, pendurada por um cordel a tiracolo; chegaram os dois exatamente na hora da tabuada cantada. Era uma espécie de ladainha de números que se usava então nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de cantochão monótono e insuportável, mas de que os meninos gostavam muito.

As vozes dos meninos, juntas ao canto dos passarinhos, faziam uma algazarra de doer os ouvidos; o mestre, acostumado àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão, e o menor erro que algum dos discípulos cometia não lhe escapava no meio de todo o barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido e cascava-lhe pelo menos seis puxados bolos. Era o regente da orquestra ensinando a marcar o compasso.

(Memórias de um Sargento de Milícias, cap. XII.)

A Procissão

Um dia de procissão foi sempre nesta cidade um dia de grande festa, de lufa-lufa, de movimento e de agitação; e se ainda é hoje o que os nossos leitores bem sabem, na época em que viveram as personagens (65) desta história a cousa subia de móbil, de uso em Portugal. Mobühar é alteração popular e vitanda. (64) Escabreado (de cabra, prefixo e desinência): desconfiado, temeroso, perturbado, escarmentado, torvado, assustado. (65) Pôs aqui o A. no feminino a palavra de ponto; enchiam-se as ruas de povo, especialmente de mullu’ res, às janelas magníficas colchas de seda e de damasco de todas as cores, e armavam-se coretos em quase todos os cantos. É quase tudo o que ainda hoje se pratica, porém, em muito maior escala e grandeza, porque era feito por fé, como dizem as velhas desse bom tempo, porém nós diremos, porque era feito por moda: era tanto do tom enfeitar as janelas e portas em dia de procissão, ou concorrer de qualquer outro modo para o brilhantismo das festividades religiosas, como ter um vestido de mangas de presunto, ou trazer à cabeça um formidável trepa–moleque de dous palmos de altura.

Nesse tempo as procissões eram multiplicadas, e cada qual buscava ser mais rica e ostentar maior luxo: as da quaresma eram de uma pompa extraordinária, especialmente quando el-rei se dignava acompanhá-las, obrigando toda a corte a fazer outro tanto: a que primava, porém, entre todas era a chamada procissão dos ourives. Ninguém ficava em casa no dia em que ela saía; ou na rua ou nas casas dos conhecidos que tinham a ventura de morar em lugar por onde ela passasse, achavam todos o meio de vê-la. Alguns havia tão devotos, que não se contentavam vendo-a uma só vez: andavam de casa deste para casa daquele, desta rua para aquela, até conseguir vê-la desfilar de princípio a fim duas, quatro e seis vezes, sem o que não se davam por satisfeitos. A causa principal de tudo isto era, supomos nós, além talvez de outra, o levar esta procissão uma cousa que não tinha nenhuma das outras: o leitor há de achá-la sem dúvida extravagante e ridícula; outro tanto nos acontece, mas temos a obrigação de referi-la. Queremos falar de um grande rancho chamado das — Baianas — que caminhava adiante da procissão, atraindo mais ou tanto como os santos, os andores, os emblemas sagrados, os olhares dos devotos; era formado esse rancho por um grande número de negras vestidas à moda da da Bahia, donde lhe vinha o nome, e que dançavam Valos dos Deo-gratias uma dança lá a seu capricho.

Para falarmos a verdade, a cousa era curiosa: e se não a empregassem como primeira parte de uma procissão religiosa, certamente seria mais desculpável. Todos conhecem o modo por que se vestem as negras na Bahia; é um dos modos de trajar mais bonitos que temos visto, não aconselhamos, porém, que ninguém o adote; um país em que todas as mulheres usassem esses trajes, especialmente se fosse desses abençoados em que rins são alvas e formosas, seria uma terra de perdição e de pecados. Procuremos descrevê-lo.

As chamadas Baianas não usavam de vestidos; traziam somente umas poucas de saias presas à cintura, e que chegavam pouco abaixo do meio da perna, todas elas ornadas de magnífi-cas endas; da cintura para cima apenas traziam uma finíssima camisa, cuja gola e mangas eram também ornadas de rendas; ao pescoço punham um cordão de ouro, um colar de corais, os mais pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com uma espécie de turbante a que davam o nome de trunfas, formado por um grande lenço branco muito teso e engomado; calçavam umas chinelinhas de salto alto e tão pequenas que apenas continham os dedos dos pés, ficando de fora todo o calcanhar; e, além de tudo isto, envolviam-se graciosamente em uma capa de pano preto, deixando de fora os braços ornados de argolas de metal simulando pulseiras.

(Ibid., cap. XVII).

Comentários ao textos de Manoel Antônio de Almeida:

(62) Contemplar tem como elemento principal o termo templum (espaço sagrado, delimitado na atmosfera pelos augures romanos, para aí observarem o vôo das aves). Contemplar é, pois, olhar com atenção, demoradamente. Significação aproximada tem considerar, formado de sidus, astro, genitivo sideris: era, poisj olhar os astros (sidera) atentamente: e* assim mantêm a idéia de examinar as minúcias, meditar, ponderar, concluir.

(63) mobiliar, do subst. mobília, é mais empregado aqui do que mobilar, personagem, evitando destarte o influxo da língua francesa, na qual os nomes terminados em age são masculinos. A terminação agem é feminina na grande maioria dos vocábulos vernáculos. Os escritores variam, porém, no gênero deste termo. Camilo e Latino fazem-no masculino as mais das vezes. João Lisboa e Rui preferem-no feminino, como deve ser. Ruí viu-se, entretanto, forçado, por exigência da clareza, que é a sua qualidade primacial, a pô-lo masculino no seguinte trecho; "O inverossímil nas surpresas da fortuna seria incapaz de gerar outro assombro como a carreira desse personagem, filho de cortesã, que, criminoso e foragido aos treze anos, se aluga fâmulo de um mercador"… (Est. Clássica, vol. I, p. 81).


 

Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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