MULA SEM CABEÇA
Siá Rosa era uma prendada senhora: às sextas-feiras entregava os filhos a uma comadre parteira e desaparecia sem que ninguém suspeitasse.
É que Siá Rosa virava mula-sem-cabeça, não podendo fugir do agouro de sua triste condição. Uma Quaresma, porém, veio surpreender a nossa heroína assentada à meia–qiiarta, isto é, com dores de parto. Era segunda-feira. Siá Rosa chamou a comadre e, não podendo explicar sua fuga durante o resguardo, contou-lhe a desgraçada sina que a perseguia.
— Virge Nossa, Siá Rosa vira bicho feio, disse a comadre persignando-se.
Siá Rosa chorava, mas… que fazer?… Era a sua sina… Para não ir longe, a parturiente pediu à amiga que arranjasse por empréstimo, uma fêmea de macho e a pusesse no curral. A caminhada até um pasto pô-la-ia doente. A comadre arranjou a encomenda e desejou ver Siá Rosa passar desta para a pele da mula, já amarrada a um poste, no pátio da casa.
— É perigoso, comadre, o que você deseja, quando viro mula-sem-cabeça sou perigosa, não conheço ninguém. O meio único de evitar minha cólera é esconder as unhas e não mostrar os dentes, mas… por mim, julgo melhor você deixar esta idéia.
Entretanto, como a comadre insistisse, combinaram que a parteira ficaria atrás da casa, tendo o cuidado de esconder as unhas e os dentes, para não ser percebida. Dito e feito. À meia-noite, numa sexta-feira, Siá Rosa pulou a janela do quarto, depois de ter dado uma última vista d’olhos ao bebê, para verificar se estava bem, dirigiu-se para o local em que tinha estado deitada, horas antes, a mula branca.
A comadre foi para o lugar convencionado e ficou à espera.
Siá Rosa tirou a roupa, ostentando, completamente despida, a linda carnadura, que o vento beijava de leve… sussurrando suavemente, num cicio de deleite… Estirou-se, rebolando-se na cama da mula: ouviu-se um ruído medonho e depois a mulher levantou-se metamorfoseada. A comadre, com o grande estrondo, amedrontou-se e correu para a casa.
A mula sem cabeça ergueu-se, deu um formidável urro, um igual par de coices e, avistando a parteira, que na fuga esquecera-se das recomendações de Siá Rosa e mostrara as unhas, correu-lhe no encalço, dando formidáveis urros de cólera. A fugitiva, vendo-se perseguida, quis saltar a cerca do curral, porém, atrapalhada pelo medo e pela saia, não o pode fazer. Aterrorizada, vendo que a mula se aproximava, mudou de direção, correndo para um terreno de copadas árvores, que se estendia ao lado do curral. A mula foi-lhe no encalço e uma terrível perseguição começou. A apurada mulher dava pernas ao medo, porém a ira dava maior velocidade à besta e a distância que medeava entre as duas diminuía a olhos vistos.
A desgraçada filha de Eva, que mais uma vez atestava sua curiosidade, da qual estava sendo vítima, viu-se irremediavelmente perdida, sendo acometida de um tremor nervoso que lhe tolheu os passos, enrijando-lhe os nervos, prendendo-a ao solo. Com o rosto congestionado pelo medo, a malsinada vítima esperou e viu a aproximação do colérico animal. Este ferrou-lhe formidável patada no peito, pros-tando-a sem sentidos, na relva úmida pelo sereno.
A mula-sem-cabeça continuou em sua desabalada carreira e, tomando por uma estrada, desapareceu na primeira curva. Ao alvor do dia o encanto cessou e Siá Rosa voltou para a cama, mas completamente ferida no rosto, no peito e nas pernas. Feridas estas que, ajudadas pela fraqueza da infeliz convalescente de parto, fez com que sua alma passasse desta para melhor vida. É que a pobre metamorfoseada se encontrara com uma colega valente, resultando apanhar uma grande carga de patadas, pois a antagonista tendo mais ouro, possuía ferraduras mais pesadas. 0 que Siá Rosa, ao fazer sua última viagem, fez, sem o conhecer, foi a louca que apareceu na vila perambulando pelas ruas, às horas mortas.
Era inofensiva, tinha os olhos desmesuradamente abertos, como possuída de grande terror e dizia constantemente, em tom implorante: "Sou eu, Siá… num fais mar pr’eu não, Siá… Sou eu, Siá…"
I. G. Americano do Brasil: Lendas e Encantamentos do Sertão^
Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1938, pp. 23-26.
Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962
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