CONEXÕES

set 17th, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

Gosto de seguir a pista das conexões entre as obras, especialmente no cinema, que é a soma de todas as artes. Um mesmo livro gera várias versões, e estas podem se desdobrar em novas ramificações, fazendo com que a origem se perca e muitas soluções de narrativa sejam atribuídas ao anonimato ou à produção coletiva. Como não existem cérebros superpostos e no máximo há parcerias e sintonias entre talentos idênticos ou diversos, considero sempre a importância de detectar quem criou o quê, para que haja um mínimo de justiça.

Costumam me desestimular da empreitada, pois desde a invenção do folclore virou moda se apropriar do trabalho de artistas desconhecidos, colocá-lo na vala comum da cultura local e pontificar em cima. Há inúmeros exemplos bem sucedidos. As histórias infantis ou os temas musicais que inspiraram gênios, em tese, poderiam justificar qualquer iniciativa nessa área. Mas não é isso o que me preocupa.

O que me deixa invocado são conexões óbvias entre dois trabalhos tidos como independentes. Cito dois exemplos. O primeiro envolve Crazy Heart, livro de Thomas Cobb , um scholar americano branco, que virou filme e deu o Oscar a Jeff Bridges em 2009. E em 1982 Clint Eastwood filmou o livro do mestiço Clancy Carlile, o que resultou no filme Honky Tonk Man. Ambos narram as desventuras de um cantor e compositor country, que perambula pelas biroscas com a saúde ameaçada, sob o efeito do alcoolismo e arrependido de ter abandonado mulher e filho.

E há o caso de dois filmes japoneses separados por 42 anos, Anzukko (1958), de Mikio Naruse, e A Esposa de Villon (2009), de Kichitaro Negishi. São histórias tão idênticas que chega a ser difícil acreditar que foram baseados em obras de autores diferentes, ambos importantes e consagrados. Os textos que dão suporte aos filmes são uma novela de Murō Saisei, baseada na sua relação com a filha (Anzukko), e um conto de Osamu Dazai (Villon´s Wife), autobiográfico, sobre sua vida no pós guerra, no de 2009. Ambos enfocam a coragem da mulher casada com escritor alcoólatra.

Não li comentários sobre essas conexões. Mas elas existem. A literatura especializada deve ter detectado a mesma identificação, mas isso não veio à tona para um público mais amplo.

Crônica publicada no dia 14 de setembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense

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