GUERRAS OPOSTAS NO CINEMA
fev 10th, 2010 | Por Nei Duclós | Categoria: CinemaNei Duclós
Há dois tipos de guerra no cinema. Uma, dos filmes sobre batalhas entre nações nos grandes conflitos mundiais, que podem ser, eventualmente (normalmente são) financiados por governos. E a outra, dos lançamentos cacifados pela CIA, FBI ou Forças Armadas americanas, em que agentes com licença para matar acabam com a vida de imigrante mafiosos, árabes mal intencionados e toda espécie de povo do terceiro mundo. São duas guerras opostas. A primeira procura ter um pé na História, mas não abre mão do espetáculo (e portanto, das manipulações). Mas é muito melhor do que o outro tipo, puro blockbuster, que serve para anestesiar e fazer a cabeça da opinião pública, inoculando o ódio a tudo o que não for americano.
À primeira espécie pertencem os considerados clássicos, como O Mais longo dos dias, e os contemporâneos, como O resgate do soldado Ryan, ambos a favor (ou seja, viva a guerra e seus resultados positivos, apesar dos sofrimentos). Também fazem parte os filmes de denúncia como os antigos Gloria feita de sangue, ou o nem tanto Nascido para matar, ambos de Stanley Kubrick, que desmascaram a guerra como jogo comercial entre potências, devorando a inocência útil de quem é convocado pelo patriotismo. Há também filmes contemporâneos admiráveis como Círculo de fogo, sobre a batalha de Stalingrado, ou a Batalha de Passchendaele, sobre o envolvimento canadense na primeira guerra mundial.
Filmes sobre agentes da Cia transformados em heróis são feitos por pilantras como Ridley Scott, diretor de Body of Lies, em Leonardo de Capri detona no Oriente Médio mas, obviamente, come uma nativa; e Luc Besson, roteirista de Taken, Busca Implacável, em que Liam Neeson, matador profissional que trabalhava para o governo americano resgata a filha sequestrada por horrorosos albaneses, franceses corruptos e decadentes sheiks milionários pedófilos. Quero comentar aqui o filme canadense e este último citado, dirigido por um francês, Pierre Morel.
Vi parte do making of de Busca Implacável e fiquei, como sempre impressionado com a cara de pau nas entrevistas. Como se não houvesse link com a guerra anti-terror sem escrúpulos, em que vale torturar, matar, tudo em nome da segurança das famílias americanas. Os franceses nesse filme, na direção e no roteiro, são coniventes com a campanha de calúnias contra a França desde a Era Bush, quando houve a recusa de invadir o Iraque. O filme é competente na ação, prende a atenção, mas repassa todo tipo de recado perverso. A garota chegando incólume (virgem!) em Los Angeles (home) é mortal.
O truque é apresentar o assassino como um homem correto a serviço do Império e que foi abandonado pela família. Assim, toda a atenção se concentra nele, só e abandonado, querendo se aproximar da filha, que está nas garras de um padrasto escroque. Um canalha que vive de grandes negociatas internacionais, exatamente o contrário do asceta guerreiro, treinado para quebrar o pescoço de quem se aproximar. É de vomitar.
O filme de guerra canadense é emocionante. Acho um desplante que até o Canadá faça filme de guerra enquanto nós desconhecemos nossa participação nos conflitos mundiais, achando que não passamos de uns bananas que jamais lutaram. Lutamos como cães raivosos por séculos, conquistando cada palmo do território, por gerações. Lutamos na Europa contra o nazi-fascismo e lá deixamos enterrada parte da juventude brasileira dos anos 40. O povo inteiro lutou para ter um lugar onde sobreviver. Nem é preciso fazer filme a favor da guerra, não é isso. Mas entender a grandeza da participação na luta, que apesar de todos os equívocos permanece com episódios exemplares.
A Batalha de Passchendaele é um filme pacifista. Denuncia a sacanagem dos britânicos e celebra o heroísmo do major que voltou para o front de uma guerra inútil em nome do amor. Forçado, claro, mas bonito demais. Filme bom de ver. Longe das armadilhas ideológicas dos americanos sacanas que tentam nos seduzir com suas mega-produções, onde nós, dos países periféricos, fazemos o papel de macacos.