O MESTRE PARTE PARA ETERNIDADE

dez 17th, 2009 | Por | Categoria: Esportes        

Nei Duclós

Telê Santana morreu depois de longa agonia. Tinha a voz travada, os movimentos inseguros, o olhar vago. Exatamente o contrário do que sempre foi: firme, determinado, decisivo. A família acusou o martírio de ser fruto de erro médico. Ficamos assim com o mutismo absoluto desse brasileiro raro que sempre poderá ser chamado de Mestre. Ele resolveu a falsa contradição entre futebol força e futebol arte, apesar de ter pagado caro por perder a Copa de 82, acusado de ter enfeitado demais com um time dos sonhos. Telê não dava a mínima para o estrelismo e exigia que cada jogador exercitasse os fundamentos do futebol: chutar direito, cruzar, cabecear, dominar a bola. Rogério Ceni, que hoje brilha no escandaloso ostracismo da seleção nacional, é a representação e o fruto desse aprendizado: o atleta completo, que não se conforma com seus limites e chega na área, venha de onde vier.

Há inúmeras críticas às suas estratégias, mas ninguém jamais poderá tirar-lhe o mérito de que foi um reinventor do futebol brasileiro. Depois que nulidades como Cláudio Coutinho e outros burocratas se renderam ao futebol burro, que faz parte do sistema que destruiu a nação, ele trouxe de volta a eficiência como fonte da alegria, revelando um punhado de craques inesquecíveis, que com ele conheceram a glória. Errou muitas vezes, como tudo o que é humano erra, mas fica sua lição permanente de correção, determinação, seriedade e sobriedade. Por coincidência, o tempo em que ficou mudo conviveu com o falastrionismo do futebol, dos treinadores histéricos que sempre se acham com razão, dos cartolas que deitam e rolam com seus arreganhos extrativistas, que jogaram a arte brasileira nas mãos estrangeiras, e que provocaram o êxodo sem fim dos craques que o Brasil gera com sua tradição e sua cultura.

Calou-se o Mestre enquanto afundamos nessa espiral de horrores, em que os perna-de- paus viraram titulares e nossas jóias foram se entregar ao papel pintado das potências. Se ele perdeu em 1982, foi com honradez e não como em 1998, quando na final paramos em campo num episódio que clama até hoje por explicações, diante daqueles franceses arrogantes, que levaram a Copa porque ficamos imobilizados, derrotados, comprados, enquanto eles faziam a festa em cima da nossa subsmissão.

CENA – Nunca esqueço uma das cenas mais emocionantes que vi na televisão. O Morumbi lotado levantava os braços e entoava o cântico dos cânticos: “Olê olê olê olê Telê Telê”. Era a milionésima vez que o Mestre decidia um título. Ele então se levanta, de maneira não muito confortável pois não está acostumado a esse tipo de demonstração, anda um pouco para dentro do gramado e faz sua saudação, com uma só mão para cima acompanhando o ritmo da cantoria. Era a homenagem em vida ao homem que deu tantas alegrias aos seus torcedores e que destacou-se como um brasileiro maior, nesta galeria cada vez mais escassa, no país que perdeu sua soberania. Era o Brasil que o admirava, acima de camisas, hinos ou paixões. Era o tributo à honradez e à vida de Telê Santana, impregnada do espírito nacional que jamais poderá nos abandonar, sob pena de perdermos tudo o que conquistamos por séculos e gerações.

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