O MITO NOS EIXOS

abr 9th, 2011 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

O boxe é a lenda americana: o sujeito comum em desvantagem se supera e torna-se campeão graças ao seu esforço e ao destino, que no fim jamais lhe vira o rosto. Quando tudo parece perdido, eis que surge a oportunidade de redenção, que se consuma, contrariando todas as evidências. Ficar por baixo antes da grande decisão é uma situação limite representado ou pelo veterano, ou o migrante que sonha em dar a volta por cima com uma luta definitiva. O Outsider assim pode ser incluído na América por meio da vitória final, saindo do gueto para abraçar a causa patriótica do país hegemônico, que precisa de representações da hegemonia em toda a escala social.

Depois de tantos filmes sobre personagens periféricos (étnicos, principalmente, como Rocky) que conseguem chegar no núcleo do mito americano, há novidades em “O Vencedor”, de David O. Russell, com Mark Wahlberg e Christian Bale. O lutador é de Lowell, berço da indústria têxtil, cidade pequena e decadente, que tem um ídolo, o anjo caído interpretado por Bale (Oscar de coadjuvante neste ano, cada vez melhor; um ator que arduamente ascendeu ao primeiro time). É a América que precisa voltar ao centro do drama, é o mito que precisa ser colocado nos eixos e para isso se presta maravilhosamente a cidadezinha e a família amontoada ao redor de sua única chance de superação, que desta vez, ao contrário do primogênito, poderá chegar à vitória.

O drama se divide entre o filme da HBO que está sendo realizado sobre a dependência de crack do irmão mais velho (e que faz a radiografia do fracasso) e o outro, o chamado filme real, que mais parece um documentário com o mesmo ritmo da caminhada dos lutadores em direção ao ringue. A missão coincide com o amadurecimento pessoal por meio dos relacionamentos familiares reciclados.

Essa jornada em direção ao cinturão de ouro reproduz a luta da nação pela predominância sobre outros povos. O lutador nocauteia hispânicos ou italianos e acaba decidindo com seu igual, o britânico. Para isso conta com seu espelho, o irmão treinador que vive de uma tradição, o mito fora dos eixos e que, com o vencedor, recupera o carisma perdido. A cultura americana jamais trai seus princípios. É uma questão de sobrevivência nacional.

Crônica publicada no dia 15 de março de 2011, no caderno Variedades, do Diário Catarinense

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