SUNSHINE CLEANING: DEPOIS DA PERDA
set 29th, 2010 | Por Nei Duclós | Categoria: CinemaNei Duclós
O que acontece depois de uma tragédia, uma perda importante, que deixa marcas profundas? O sofrimento continua e pode condenar os sobreviventes. É preciso limpar o ferimento, cicatrizá-lo e seguir em frente. Missão tão óbvia quanto quase impossível. Qual o caminho encontrado por duas irmãs órfãs de mãe suicida, desempregadas, uma delas mãe solteira, com um pai viúvo que hoje é um avô excêntrico? A solução que o destino colocou nas suas mãos foi fundar uma empresa de limpeza para a polícia, tirar as manchas de assassinatos e suicídios. Por mais árduo que fosse o trabalho, era uma saída, por ser bem pago.
Esse é o tema de Sunshine Cleaning (2008), da cineasta neozelandeza Christine Jeffs (a mesma de Sylvia, de 2003, o drama do casal de poetas ingleses), com roteiro da escritora (revelação desde 2005) Megan Holleyu. O filme faz parte da seleção do Sundance, o grande evento do cinema alternativo criado por Robert Redford, e está sendo apresentado atualmente no Festival do Rio 2010.
A narrativa é uma busca da outra metade, interpretada por um elenco da pesada: a mãe solteira (Amy Adams) que procura um marido, o menino (Jason Spevack) que sonha em ter um pai, a do viúvo (Alan Arkin) que procura uma ocupação rentável e lamenta a dureza de criar duas filhas sozinho, a do policial (Steve Zahn )em busca de uma saída para a rotina do casamento, a do proprietário de uma loja de limpeza (Clifton Collins Jr.), que perdeu o braço esquerdo e quer fazer do seu hobby de aeromodelismo (a outra metade, sufocada, da sua personalidade) uma atividade remunerada, a irmã desastrada (Emily Blunt) que procura, em vão, identificar-se com alguém com a mesma experiência da sua dor (a mulher que tenta ajudar levando o retrato da mãe morta não queria nada com a memória dessa ligação).
Mas a busca principal, a essência dessa trama, está relacionada com o cinema. As irmãs pesquisam nos filmes apresentados na televisão a participação da mãe, que se matou numa banheira, como coadjuvante de um filme rodado na cidade onde moravam. É só uma fala, de uma garçonete que oferece torta de nozes para um cliente. Um detalhe que elas não conseguem localizar na grande massa da produção audiovisual que toma conta de tudo. Nessa oferta abundante, elas fazem questão apenas de um minuto de filme, lá onde a mãe desaparecida aparece em sua juventude e beleza, falando uma frase para a posteridade.
O encontro emocionante das filhas com a cena enfim localizada revela a grandeza de quem perdeu algo importante demais e passou a vida buscando uma compensação, uma pista, um rastro da pessoa amada, para que aquele sentimento, aquela responsabilidade da ligação afetiva e familiar, não se perca no universo hostil, onde predominam as profissões partidas, os casamentos desfeitos, os empregos alienantes, as acomodações, o preconceito, a falta de solidariedade e a violência.
Ficar ao lado da idosa que perdeu o marido que também se suicidou é mais uma cena tocante protagonizada pela empreendedora da limpeza, que no seu trabalho encontra a missão de consolar as vítimas, ela que por tanto tempo amargou sua perda sem sentido.
Essa capacidade de recuperação que o cinema americano exibe em todas as suas produções, que é o tema recorrente da segunda chance, com final senão feliz pelo menos mais positivo em relação ao início, é que enche a alma do espectador, que vive num mundo de perdas indissolúveis. Na ficção podemos rearrumar a casa, reencontrar o que se foi, nos consolar, sem obrigatoriamente nos alienar. Precisamos inventar as soluções para que possamos morar nelas. É o que fazem os personagens deste filme admirável.
Todos os atores e atrizes estão ótimos, mas os destaques são para Emily Blunt (desesperadamente talentosa), Alan Arkin (o genail veterano de Wait Until Dark, de 1967, quando fez um vilão que atormentava Audrey Hepburn) e Clifton Collins Jr., que brilhou em Capote, de 2005, como o assassino que conta sua história. Collins brilhou também em Traffic, de 2000, e é neto do ator, humorista e dançarino mexicano Pedro Gonzáles Gonzáles, por sua vez célebre em pontas de filmes famosos, como Rio Bravo, de 1959.