O CASO DE SÃO DOMINGOS

Oliveira Lima

O CASO DE SÃO DOMINGOS

Um meu amigo americano de Nova York, que tem viajado muito na América do Sul e se acha identificado com o movimento de cooperação entre as duas Américas — a Latina e a Saxónica — escrevia-me, ao saudar-me pela minha chegada:

V. achará agora uma certa reação contra a nossa participação nacional nos negócios mundiais, mas pode bem crer que é isto devido mais ao tédio produzido pela guerra e a certas influências reacionárias do que ao geral tios espíritos dos cidadãos deste país.

É fato que a tendência dominante neste momento é antes de concentração do que de expansão, e o candidato republicano Har-ding obteve vivos aplausos quando, respondendo a uma pergunta que lhe foi dirigida no decorrer de um discurso, respondeu que o estado de paz com a Alemanha devia ser declarado existente por uma resolução conjunta do Congresso e que os soldados americanos que estão ajudando a ocupação européia deviam regressar porque não é lá o seu lugar. Também referiu-se o Senador Harding, embora sem aprofundar o caso, ao abuso de poder que traduz a ocupação militar de Haiti e São Domingos, redundando numa explicação errônea e ilegal da Doutrina de Monroe, a qual deve ser preservada tanto na sua integridade como na sua pureza, para se não desacreditar aos olhos dos americanos especialmente e dos estrangeiros cm geral.

O caso é o seguinte: em 1907 os Estados Unidos celebraram com a República Dominicana um convênio em virtude do qual o governo americano assumia a administração das finanças dominicanas e especialmente a cobrança das rendas aduaneiras, no intuito declarado de ir.aliviando sua economia do peso de uma dívida esmagadora por meio da amortização da mesma e no intuito reservado de pôr a receita das alfândegas, fito essencial das revoluções, fora do alcance das facções vitoriosas.

Houve bastante oposição contra êsse convênio, que alguns reputaram agressivo contra um país fraco, mas o Presidente Rooscvclt, com sua habitual tenacidade, conseguiu a aprovação do Senado à sua obra. Aliás o tratado por êlc firmado nada continha de atentatório contra a independência de São Domingos, cujo governo apenas se obrigava a não contrair novas dívidas a não ser de acordo com o Governo americano, até se achar paga toda a dívida atual. Para isto, um diretor das alfândegas cobrava os direitos respectivos e entregava ao Governo dominicano o excedente dos juros c da amortização.

As coisas seguiram regularmente seu caminho até 1914, quando, por efeito de uma nova revolução criadora de despesas, essa situação foi alterada, recorrendo o Governo dominicano ao crédito, produzindo-se uma intervenção armada americana, verificando-se a necessidade de um novo convênio idêntico ao celebrado com o Haiti c, perante a recusa do Governo dominicano, chegando-se à ocupação militar da República e à decretação do estado de sítio sob a autoridade naval americana.

Deu-se isto em 1916 e ainda dura. A República Dominicana, nação livre e independente, cessou de fato de existir, na frase do Washington Post, que compara este caso com o da Irlanda. Não existe Presidente nem governo nacional; tampouco existe Congresso c se procede a eleições. O Presidente da República é o Contra-Almirante Snowden, da Marinha americana; c Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Instrução Pública (curiosa combinação) é o Coronel Rufus Lane dos fuzileiros navais americanos. Em suma. o Ministro dos Estados Unidos, que continua acreditado junto ao Governo dominicano, já não carece de intérprete para tratar dos negócios do seu país.

Os americanos têm melhorado sensivelmente as condições*ma-teriais dessa terra atrasadíssima, mas riquíssima, produtora das melhores qualidades dos gêneros tropicais — açúcar, fumo, cacau, café — com jazidas de petróleo e minas de ouro, da qual escrevia 0 Presidente Grant na mensagem ao Congresso em que propunha sua aquisição:

Possui o solo mais fértil, os portos mais espaçosos, o* clima mais saudável e os produtos florestais, minerais e agrícolas mais valiosos de todas as índias Ocidentais.

Entretanto, o interior é praticamente desconhecido; as enfermidades espalham-se sem serem combatidas, apenas agora conhe-cendo-se o que seja higiene; reina o banditismo fora das cidades, de forma a obrigar os soldados americanos a contínuas perseguições e causar desatisfação entre os que apenas se alistaram para a duração da guerra; 95% dos habitantes são analfabetos e muitos não sabem contar acima de quatro ou cinco.

O Coronel Lane, que seja dito entre parêntesis se opôs a que os oficiais das forças de ocupação recebessem extraordinários do Tesouro dominicano, tem feito muito no que toca ao desenvolvimento do ensino primário; o comércio anda jubiloso com o sossego público que lhe aumenta os proventos; a indústria ensaia-se em estabelecimentos como o engenho central de La Romana, em que foi aplicado um capital de seis milhões de dólares, e se acham empregados perto de 100 americanos e os trabalhadores da terra ganham até $1,50, o que representa hoje mais de 8S000 da nosáa moeda.

Para se ajuizar das condições sociais legadas pelo antigo governo, basta referir que a aludida plantação não só é guardada por uma força da Marinha americana como emprega 200 antigos policiais de Porto Rico. Compensará todavia a melhoria superveniente a humilhação de um governo militar estrangeiro? Os dominicanos parece que pensam que não, pois que mandaram seu antigo Presidente protestar junto ao Congresso da Paz de Versalhes, pedir o auxílio da Espanha e despertar com sua presença nos Estados Unidos a simpatia americana. Por sua vez o Governo americano diz que a ocupação só tem trazido benefícios a São Domingos e que a sua soberania não corre perigo, como não correu a de Cuba enquanto as coisas ali sc punham na devida ordem.

Washington, outubro de 1920

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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