Oliveira Lima
O LIVRO DO SR. TOBIAS MONTEIRO
O livro do Sr. Tobias Monteiro foi-me primeiramente revelado pelos artigos de um periodista, que, sem o talento de Louis Veuillot, procura imitar-lhe o estilo ordurier: quer dizer que me foi revelado sob um aspecto repulsivo. Nunca se deve exagerar, nem mesmo quando se quer atacar fundo. Pelo contrário, o ataque extremo é contraproducente no terreno literário, a menos que se tenha o gênio de Camillo, o que não é para toda a gente. Fica-se, então, dentro dos confins da porcaria, e nada há de pior. Escreveram-me que o falecido Capistrano, com o seu modo brandamente malicioso, achara uma fórmula bastante feliz para a situação:
Tobias Monteiro foi quem ajuntou a imundície: veio o outro, meteu-lhe os pés e espalhou o fedor.
Não deixa de ser verdade, mas não havia necessidade disso, imundície cobre-se, enterra-se e não se põe a arejar. Por isso eu me abstenho de citar o jornalista pelo seu nome. De resto, num livro volumoso, como o do Sr. Tobias Monteiro, esquadrinhar o que nele possa haver de mais digno de reparo, compor um mosaico de cenas sem asseio, como alguns de certas casas de Pompeia, e calar o mais, que pode ser discutível à luz do critério histórico" mas não é destituído de merecimento, não é leal. É um processo conhecido de perversão crítica; é externar juízos dolosos, embora invocando a sombra de Taine, que sabia reunir e aproveitar os testemunhos dos contemporâneos de uma época, apontando-lhe os vícios e as vergonhas, sem jamais descambar na pornografia, nem sacrificar o rigor científico a meio dos detalhes pitorescos. A linguagem de Taine é sempre primorosa: a do seu evocador é o avesso da urbanidade, o supra-sumo da vulgaridade, destoando da folha em que por anos fulgurou a pena clara, incisiva e, no entanto, policiada de um dos maiores jornalistas do Brasil. Em vez de armar a lei contra os artigos políticos, como o fêz a última lei de imprensa, facultando abafar opiniões livres, ocasionalmente reflexo de idéias destemperadas, teria sido preferível armá-la sobretudo contra artigos de propaganda suja e por vezes imoral, que numa imprensa •como a americana seriam de todo ponto impossíveis. O periodista em questão, que tomou parte no Congresso dos jornalistas de Washington, podia, pelo menos, aqui ter aprendido isso e seguir a regra do presidente do Congresso — que nunca se deve usar de uma expressão num artigo que não possa ser empregada entre gente de cultura.
Eu creio que o Sr. Tobias Monteiro teria ganhado não pouco cm suprimir do seu livro todas as passagens que o seu crítico, se crítico lhe posso chamar sem ofensa da função, coseu umas às outras para malsiná-lo. Os detalhes que êlc ali fornece, aliás destituídos de rigorosa exatidão, fruto de mexericos de botica, não interessam à História no sentido elevado da palavra, em que seus temas são outros. Nem sequer constituem história anedótica que valha a pena reproduzir. É verdade que o autor queria emprestar novidade à sua obra, e a documentação já utilizada — os jornais e folhetos coevos, a correspondência diplomática de Mareschal e de Maier," etc. — não lha fornecia. Pôs-se então a respigar certas tradições que Melo Moraes tivera o cuidado de não incluir nos seus trabalhos, nos quais certa cautela não é dispensável.
O Sr. Tobias Monteiro quis também inverter os valores históricos, exaltando Dona Carlota Joaquina, deprimindo Dom João VI e flagelando os Andradas. Apenas rompeu o equilíbrio já atingido pela crítica dos estudiosos e igualmente pelo critério histórico. Todos que têm lidado com êstes assuntos sabem bem que a Rainha era mais trêfega, tinha mais espírito de iniciativa, possuía mais talento ou mais capacidade para a intriga política do que o Rei, o qual, com os seus defeitos de temperamento, sua apatia e suas hesitações, que estas não eram só devidas ao caráter mas sobretudo filhas das conveniências, estava muito longe de ser destituído de visão política e ficou sendo um fator utilíssimo do nosso progresso. A consciência pública mesmo, conscientemente nalguns, instintivamente no maior número, já de há muito adotou êsse juízo. Os Andradas ainda é mais difícil apeá-los do seu trono, fosse muito embora a história legenda, que não é, pois o Primeiro Ministro do Príncipe-Regente Dom Pedro foi a inteligência mais culta e a cabeça política melhor organizada da geração da Independência. Há poucos dias escrevia-me um estudioso americano, professor de uma Universidade e com simpatia pela nossa história, a consultar-me se era preferível escrever um livro sobre José Bonifácio ou sobre Dom Pedro. II, tanto avultavam aos seus olhos, apesar da sua diversidade de traços, as duas figuras por êle reputadas as mais importantes do passado imperial, verdadeiramente o encarnando e o honrando.
O Sr. Tobias Monteiro não é um medíocre como quer fazê-lo acreditar o seu acusador, que para chamar sobre si a atenção que é o vêzo dos que a não merecem, perdeu todo o senso de proporção na sua agressão e fêz soçobrar o que, dito doutro modo, poderia calar no espírito do leitor. Porque na verdade a história deve ser muito mais de idéias e de fatos capitais para o desenvolvimento da nacionalidade do que de intimidades de alcova, precisando muito, sendo-lhe indispensáveis a luz e o calor do sol! Os que lêem são, por generosidade ingênita espontânea, e que não é contrariada’ pelo interesse egoísta que pode ocasionalmente desviá-la e desvirtuá-la, mais propensos às reabilitações, porventura até às glorificações do que à exposição dos senões dos personagens que uma vez ocuparam o tablado histórico e que nele granjearam títulos à benemerência da humanidade e pelo menos de seu país. Uma sensação de repugnância só pode ser passageira. A impressão de simpatia é mais duradoura. O grande, incontestável êxito alcançado pelo Sr. Alberto de Faria com o seu livro sobre Mauá prova isto à evidência. O público regozijou com ver colocado na devida luz, e uma luz francamente favorável, o nome um tanto esquecido de um grande compatriota e para isso não careceu o autor de exumar ou repetir histórias esconsas.
Washington, setembro de 1927
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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