O que é fenomenologia – Noções de Filosofia

Noções de Filosofia – Pe. Leonel Franca

CAPÍTULO III

A FENOMENOLOGIA

202. Com o nome antigo de fenomenologia ao qual se emprestou uma nova significação (249) surgiu em fins do século passado e desenvolveu-se poderosamente a mais forte e original corrente do pensamento alemão contemporâneo.

Aplanaram-lhe o leito os estudos do neo-aristotélico Francisco Brentano (1838-1917), professor em Würzburgo e Viena, que insistiu, em seus trabalhos, sobre a diferença essencial entre o valor lógico de um pensamento e a sua gênese psicológica.

O verdadeiro fundador da escola, porém, é Ed. Husserl 1859–1938), discípulo de Brentano, prof, em Gottinga e depois em Friburgo, de Baden. Na sua obra capital sobre lógica (Logische Untersuchungen, 1900, completada e revista pelo trabalho mais recente, Formale und Transzendentale Logik, 1929) toma atitude decidida contra o psicologismo e o kantismo. Cumpre distinguir no conhecimento o elemento psíquico: tendência para… direção para… (intentio, no sentido escolástico) do seu objeto, de que se ocupa a lógica. As leis psicológicas, vagas e imprecisas, são de natureza experimental e indutiva; as lógicas são necessárias, precisas e normativas. A lógica tem, pois, o seu objeto próprio — as essências e formas universais; sua existência independe da psicologia; é uma ciência formal que prescinde da realidade (objeto da metafísica) e estabelece relações necessárias a priori. Com esta reivindicação prepara-se o caminho à fenomenologia, que permitirá elevar a filosofia à verdadeira categoria de ciência, como a matemática. A fenomenologia é uma ciência "eidética", isto é, que se ocupa das "essências", quase no sentido das idéias" platônicas. Seu método é a intuição "eidética" (Wesenschau) que permite apreender o abstrato no concreto, a essência do som no som atualmente percebido; um análogo da "dialética platônica" que elevava o espírito à contemplação das "idéias". Podem, portanto, classificar-se as ciências em dois grupos: ciências eidéticas (Wesenswissenschaften) que encerram verdades necessárias (verdades de razão, de Leibniz) e ciências de fatos (Tatsachenwissenschaften) que têm por objeto as verdades contingentes (verdades de fato, de Leibniz).

Como se vê, após a influência desnorteadora de Kant, Husserl descobriu de novo algumas das linhas mestras da teoria peripaté tico-escolástica do conhecimento.

Quase simultaneamente e de modo independente, A. von Meinong (1853-1921) desenvolvia na Áustria uma teoria semelhante, sob o nome de "teoria do objeto" (Gegenstandstheorie). Com diferenças individuais notáveis, no mesmo movimento de idéias podem filiar-se J. Rehmke (n. em 1848), prof, em Greifswald (Philosophie als Grundwissenschaft, 1910), Hans Driesch (n. 1867) que defende valorosamente os direitos da metafísica, e O. Külpe (1862-1915) que, na sua grande obra póstuma Die Realisierung (1920), expõe um realismo crítico, em que se multiplicam os pontos de contato com o tomismo.

Aplicando aos valores os métodos da fenomenologia, Max SCHELER (1875-1929) constrói umà filosofia moral e religiosa, de notável originalidade. (Obras principais: Der Formalismus in der Ethik und die materielle Ethik (1913-1916) ; Vom Umsturz der Werte, 1919; Vom Ewigen im Menschen, 1921). Os valores têm um valor de essência, objetivo, independente do sujeito e de suas oscilações psíquicas. Na diversidade das manifestações conservam uma identidade fundamental. Hierarquicamente podem distribuir-se em 4 grandes categorias, a última das quais é constituída pelos valores morais e religiosos. A vida moral consiste na realização destes valores, em cujo vértice se encontra o "sagrado" e o "divino". Depois de propugnar brilhantemente a existência de um Deus pessoal, contra todas as formas de agnosticismo (Spencer, Schleiermacher, Ritsehl), inclinou-se, nos seus últimos dias, para a teoria panteísta de um Absoluto em contínuo vir-a-ser.

Com M. HEIDEGGER, (n. em 1889), professor em Friburgo, a escola fenomenológica dá um passo decisivo para diante: da análise das "essências" progride até a afirmação da existência. Entramos na filosofia "existencial" (Sein und Zeit, 1921; Von Wesen des Gründest 1929). O problema filosófico fundamental é o do ser como ser; abraça o ser em sua totalidade. Que é o ser? Como podemos atingi-lo? O méro todo empregado é o fenomenológico, que sem dar o conteúdo (Wass) da investigação filosófica, indica-lhe o caminho (Wie) a seguir. São as realidades concretas da vida que encerram "os fenômenos" capazes de manifestar o ser. Observando-as, verifica o homem que a resposta à pergunta por êle formulada — que é o ser e por que existe? — êle a encontra em si mesmo: o homem é a "existência

("Dasein" — "Existenz") (250). Êle existe no mundo e o mundo apresenta-se como um conjunto de meios que têm o homem por fim. Mas se a rprópria existência se lhe oferece como evidente, a sua origem e o seu fim envolvem-se em trevas impenetráveis (251). "Atirado na existência (die Geworfenheit des Daseins), o homem sente a seu inacabamento essencial e nêle tem a fonte de uma inquietude insanável. "A existência revela-se ao homem como um fardo; por que ? ignoramo-lo ".

Identificando o ser com o ser finito e enclausurando-se nos limites do contingente, sem ousar ir às últimas conseqüências da Gewo-jenheit do ser finito, a filosofia de Heidegger é, talvez, em nossos dias a expressão mais trágica do homem arrancado às suas relações transcendentais com o Infinito.

Nicolai HARTMANN, (η. em 1882), vem da escola de Marburgo de que é o chefe incontestável. Mas o sucessor de Cohen e Natorp orienta-se francamente para uma metafísica realista e une-se à escola fenomenológica na sua luta contra o idealismo neo-kantiano. Nos seus Elementos de uma metafísica do conhecimento (Grundzüge einer Metaphysik der Erkenntnis, 1921, 1935) faz ressaltar como o conhecimento não cria o seu objeto, mas é uma relação entre seres que pre-existem independentemente desta relação. O problema do conhecimento supõe e implica um problema do ser. Ao estudo deste problema consagra Hartmann a sua obra sobre "os fundamentos da ontologia" (Zur Grundlegung der Ontologie, 1935). É este talvez o trabalho mais importante e original que nestes últimos tempos se consagrou às mais altas questões da metafísica. Sòlidamente arquitetado, rigoroso e claro, depois de acentuar na introdução a persistência dos problemas ontológicos em todos os sistemas idealistas, re-iativistas ou céticos, estuda, em quatro partes bem equilibradas, o ser como ser, as relações entre a essência e a existência, o ser real e o ser ideal. N. Hartmann é uma das figuras mais elevadas do pensamento contemporâneo.

K. Jaspers, (n. em 1883), prolonga com mais profundeza e amplidão de vistas as grandes linhas da filosofia existencial de Heidegger. Os seus três volumes sobre a Filosofia (Philosophie) e as conferências recentemente publicadas sob o título de Razão e Existência (Vernunft und Existenz, 1935) anunciam um pensador de raça em plena maturação do seu sistema.

Peter Wust é um notável filósofo católico que sentiu as influências dos métodos empregados pelos adeptos da filosofia existencial. Colocar-se em face da vida, observar e analisar um dos seus aspectos antinômicos e daí partir em busca de solução do problema dos destinos e mesmo de todo o problema do ser. Na sua obra fundamental (Dialektik der Geistes, 1928) é o problema da inquietude humana, finamente analisada no espírito de cada homem e na evolução histórica das sociedades, que constitui o ponto inicial da investigação filosófica. Ao problema da vida o cristianismo dá sua verdadeira solução, explicando o contraste das nossas grandezas e misérias esclarecendo a razão última da nossa inquietude essencial e abrindo–lhe as perspectivas de uma paz definitiva. Na última de suas obras

(Ungewissheit und Wagnis, 1937) é a insegurança e o risco, traços dominantes da psicologia do homem contemporâneo, que são submetidos à finura e profundeza de suas análises e fundamentam as suas conclusões.

Notas

(249) Empregada por Hegel, Kant, Hamilton e Hartmann, a palavra fenomenologia significava apenas "o estudo descrito de um conjunto de fenômenos ou aparências, tais quais se manifestam no tempo e no espaço, por oposição às suas leis abstratas e fixas, às realidades trancendentes de que são manifestação; ou à críUca normativa de sua legitimidade". Lalande. Vocabulaire de la Philosophie. No significado novo que lhe dá, Husserl, "ne cherche pas à décrire des faits empiriques, tels qu’en pourrait comprendre une psychologie, humaine ou animale; il cherche à atteindre l’essence de certaines opérations de conscience, les nécessités idéales inhérentes à la perception, à l’acte de signifier ou de juger, il s’applique a démêler dans ces événements, dans la représentation par exemple, les acts en vertu desquels quelque chose est posée dans la conscience et d’autre par l’intention, au sens scolastique du terme, par laquelle ces positions se réalisent, se singularisent dans des états particuliers. V. Delbos, Husserl, sa critique du psychologisme et sa conception d’une logique pure, Revue de métaphysique et de morale, Sep. 1911, p. 697. Mais breve e talvez mais claramente: fenomenologia é o método de apreender e dizer os fenômenos. Ε fenômeno, no novo sistema, eqüivale não à "aparência" (Erscheinung) nem à "ilusão" (Schein), mas à realidade que "se manifesta por si mesma, ao "ser em si".

(250) "A filosofia é uma ontologia universal e fenomenológica, partindo da hermenêutica do Homem; como analítica da Existência a filosofia ata a ponta do fio condutor de toda a questão filosófica ao seu ponto inicial e terminal". Sein und Zelt, p. 38.

(251) "A existência pura, o simples fato de existir é manifesto, o donde (Woher) e para onde (Wohin) do ser permanecem ocultos". Sein und Zeit, p. 134.

BIBLIOGRAFIA

  • Gurvitch, Lestendencies actuelles de la philosophie allemande, 1930;
  • — LÉVINAS, La théorie de l’institution dans la phénoménologie de Husserl, Paris, 1930;
  • — A. Fischer, Die Existenzphilosophie M. Heiddegers, Leipzig, 1935; _ a. Delp, S. J., Tragische Existenz, Freib. i. B., 1936;
  • — J. J. Pfeiffer, Existenzphilosophie Eine Einführung in Heidegger und Jaspers, Leipzig, 1934;
  • — B. Jansen, S. J., Aufstiege zur Metaphysik, Freib. in B. 1933;
  • La phénoménologie, Puhl, de la Société thomiste, 1932.

Fonte: Agir Editora.

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