Queima da mata – Graça Aranha
Os homens foram reunidos, e todos penetraram na floresta com um reconhecimento sacerdotal, de quem vai cumprir os ritos de cultos infernais. Num dos ângulos da mata lançaram fogo à primeira moita, que lhes pareceu mais ressequida. Antes que a labareda apontasse para o alto as línguas ardentes, rubras, rápidas, uma fumaça grossa se desprendia do fundo da toiça, suspendia-se no ar leve da floresta, vagando na direção dos caminhos como pasto- las 1) nuvens. Começara a queima. O fogo se erguera e lambia numa carícia satânica os troncos das árvores. Estas estremeciam num delicioso espasmo de dor. Xôda a ramagem da base foi ar das colunas que marchavam. Pelos cimos de mata se escapavam aves espantadas, remontando às alturas num vôo desesperador pairando sôbre o fumo. Uma araponga feria o ar com um grito metálico e cruciante. Os ninhos dependurados arderam, e um piar choroso entrou no côro como nota suave e triste. Pelas abertas do mato corriam os animais destocados pelo furor das chamas. Alguns se libertavam do perigo, outros caiam inertes na fornalha.
Num alvoroço de alegria, os homens viam amarelecer a folhagem verde que era a carne, e fender-se os troncos firmes, ere tos, que eram a ossadura. do monstro. Mas o fogo avançava sôbe eles, interrompendo-lhes o prazer. Surpresos, atônitos, repararam que a devastação tétrica lhes ameaçava a vida e era invencível pelo mato dentro, quase pelas terras alheias. E, feros e duros, atirai vam à enxada para cavar o aceiro [1]). Do lado da praia o trai balho foi fácil; o terreno estava debastado e limpo. Aí abriram1 rápido o sulco protetor. Do outro lado, no meio da floresta, nos1 limites da área do lote, a luta foi tremenda. A nevrose do pavor centuplicou-lhes as fôrças. Os pigmeus que se não mediam com as árvores e que, não podendo vencê-las, tinham recorrido ao fogo, agora, sob o aguilhão da defesa própria, se arrojavam contra os paus com o denodo de gigantes. E, afogueados, cavaram a trincheira pelo rumo, e, se encontravam o embaraço de algum tronco, atacavam-no a machado, com raiva, com ânsia, com febre. O aceiro foi sendo aberto, até que o fogo se aproximou; a coluna, como um ser animado, avançava solene, sôfrega por saciar o apetite. Sôbre a terra queimada na superfície, aquecida até ao seio, continuava a queda dos galhos. O fogo não tardou a penetrar num pequeno taquaral. Ouviram-se sucessivas e medonhas descargas de um tiroteio, quando a taboca estalava nas chamas. O fumo crescia e subia ao ar rubro, incendiado; os estampidos, redobravam, enquanto a fogueira circundava num abraço a moita de bambu. A cem metros de separação, os colonos cavaram sempre. Farto de devorar a carne dura do bambual, o fogo desafogou-se, e célere e lépido, foi verdeando por um atalho, lambendo os arbustos que se erguiam à margem, até chegar ao aceiro. Já os homens num esforço imenso se tinham adiantado. As chamas se abeiraram da vala e, diante do espaço aberto e intransitável, se detiveram e se espalharam para a direita e para a esquerda, continuando a sua obra.
Os colonos e trabalhadores semi-mortos voltaram a casa, logo que se reconheceram senhores do perigo, invencíveis sacrificadores da terra.
Graça Aranha.
[1] e 2) Veja-se a nota 4) à pág. 30.
3) Anfractuosidades — depressões e elevações numa superfície.
4) Testáceo — animal cujo corpo é coberto por uma concha.
5) Vértebras dorsais — ossos do espinhaço.
G) Esterno — osso situado adiante e no meio do peito.
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
[1] Sertão bruto, isto é, sem moradores.
[2] Matagais de arbustos e de pequenas árvores, muito chegadas umas às outras.
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