A leitura deste texto jamais
suprirá a importância da análise integral dos originais. – Pedro H. S. Pereira.
Resenha Crítica da obra de John
Locke
“Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”
Por: Pedro H. S. Pereira (Ac. Filosofia
da UFSJ e Direito do IPTAN)
A leitura deste texto jamais suprirá a
importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
ALGUNS PONTOS DO PENSAMENTO DE LOCKE PARA SUA
CORRETA HERMENÊUTICA:
CONTRATUALISMO X
LIBERALISMO X EMPIRISMO
Três movimentos dos quais
Locke foi também propulsor na idade moderna. O Contratualismo prega o
surgimento do Estado a partir de um contrato no qual todos homens consentiram
na sobreposição de um poder estatal através do qual a ordem e a paz entre si
passou a ser mantida e garantida pelo referido poder.
Aristóteles atribui a
origem de tal termo da Filosofia de um dos discípulos de Górgias, Licrofon, que
dizia ser a lei uma “pura convenção e garantia de direitos mútuos.” (ABAGNANO,
1982, p.1 91)
O Contratualismo
ressurge na Idade Moderna principalmente com Hobbes e Locke, após reiterada
ênfase à Legitimidade Divina na era Medieval reforçada pelos Patrísticos e
Escolásticos.
Sobre o Liberalismo,
movimento que teve como “eixo principal o desenvolvimento da liberdade pessoal
e do progresso da sociedade”(ENCARTA 2001), Locke, como será estudado neste
curso, foi um de seus grandes propulsores na era moderna, à medida que a
realização de um contrato entre todos indivíduos, dá ensejo ao direito destes
requisitarem e fiscalizarem o poder estatal.
Quanto ao Empirismo,
temos suas bases em Aristóteles, que em sua obra “Metafísica” reza que
conhecemos através das experiências que temos, e que os olhos são a principal
porta de entrada das experiências: “… Nós preferimos o ver, em certo sentido,
a todas outras sensações […] a visão nos proporciona mais conhecimentos do
que todas as outras sensações.. .”(ARISTÓTELES, 2001, 980ª).
Locke com seu Ensaio
Acerca do Entendimento Humano, volta a ressaltar a aludida assertiva,
explicitando no decorrer dos capítulos, as formas e modos de conhecimento
empírico, fazendo a famosa menção à “tábula rasa”, ao sustentar que nascemos
sem conhecimento algum (inato).
A leitura deste
texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
VIDA E OBRA DE
JOHN LOCKE( 1632-1 704)
Nascido em 29 de
agosto de 1632 (mesmo ano do nascimento de Baruch Spinoza) na cidade de
Wrington, nas proximidades de Bristol no sudoeste da Inglaterra, e filho de
burgueses comerciantes, Locke vivenciou um momento bastante conturbado dentro
da organização político – econômica de seu país, marcada pela revolução
gloriosa, ocorrida, entre 1688 e 1689 na Grã-Bretanha, na qual foi deposto
o rei Jaime II, em favor de sua filha Maria II e seu
marido Guilherme III, príncipe de Orange, responsável pela transformação da
monarquia absoluta dos Stuart numa monarquia
constitucional e parlamentar, o que foi fator imprescindível na formação da
sua doutrina, haja visto a indispensável participação e influencias de Locke no
desenrolar da mesma.
Formação Acadêmica:
Estudou em Westminister School, transferindo-se em
1652 para Christ Church College de Oxford, instituição à qual esteve ligado até
fins de 1684, como associado,
e
formou-se “Master
of Arts” em 1658, após bacharelar-se
em artes no ano de 1656.
Principais influências recebidas:
·
John Owen (161 6-1683) –
importância da tolerância religiosa.
·
René Descartes (1596 – 1650)-
Racionalismo e antropocentrismo. Partiu para o ramo da medicina, o qual foi
muitíssimo importante para tecer de sua teia de relações políticas.
Tornou-se medico particular de Antony
Ashley Cooper (1621 – 1683), influente Lorde articulador inglês, o que o levou
a se ingressar na convivência com os grandes círculos intelectuais e políticos
de sua época, além de despertar por vez seus dotes políticos, e filosóficos,
por ter-se aliado junto ao lorde (pouco depois conde de Shaftesbury), em defesa
de interesses do parlamento, fortalecido pela ascensão burguesa, e contrario ao
absolutismo reinante através do Rei Carlos II, sucedido pelo irmão Jaime.
Pedro H. S. Pereira.
Foi politicamente perseguido,
e tendo que se exilar na Holanda, (1682) onde havia liberdade de expressão,
Locke pôde trabalhar bastante, questões referentes ao seu viés liberal, através
da publicação de artigos em jornais e periódicos, retornando à Inglaterra sé em
1689 com a ascensão de Guilherme de Orange ao trono, graças à outorga do poder
dada a este pela câmara dos comuns. Após esta data que Locke teve divulgadas e
publicadas suas principais obras, passando a ter o devido reconhecimento:
>Primeiro e segundo tratados sobre
o governo civil (1690): Combate a
tese do cientista político sir. Robert Filmer, proposta na obra “O Patriarca”
(1680 – publicada após a sua morte), na qual defende de forma convicta o
absolutismo, que segundo ele, remontava suas origens e poder em Adão e Eva.
Locke em contrapartida, afirmou a origem popular e consensual dos governos:
“Adão não tinha, seja por direito natural de paternidade ou por doação positiva
de Deus, autoridade de qualquer natureza ou domínio sobre o mundo, […] se os
tivesse, nenhum direito a eles, contudo, teriam seus herdeiros.” (LOCKE, 1978,
p. 33). Em seu segundo tratado, expõe sua teoria do Pacto Social e defende o
liberalismo, buscando derrubar de forma definitivo o inatismo absolutista de
Filmer.
>Ensaio acerca do Entendimento
humano (1690): Na mencionada obra,
Locke leva à tona sua teoria da razão empírica (adquirida através das
experiências), em contrapartida ao racionalismo de Descartes e Cudworth que
pregavam a existência de idéias inatas (que nascem conosco). Segundo Locke,
nosso conhecimento é formado por idéias simples (sensação e reflexão), e
complexas, que ocorrem de acordo com o desenvolvimento de nossa “percepção”.
“Aos poucos vamos ‘amarrando’ muitas impressões sensoriais e formando
conceitos“ (GAARDER, 1998, P. 283).
>Carta acerca da tolerância (1689):
Prega a liberdade religiosa e a ruptura Estado/religião para a boa gestão
estatal: “Não cabe ao magistrado civil o cuidado com as almas (…) isso não
lhe foi outorgado por Deus.” (Locke, 1978, p.5).
>Pensamentos sobre a Educação
(1693): Nesta, Locke aplica sua
teoria empírica do conhecimento aos problemas do ensino, sustentando que as
crianças são totalmente maleáveis: “pode-se
levar, facilmente, as almas das crianças numa ou noutra direção, como a
própria água.”
Pedro H. S. Pereira.
Até a morte em
outubro de 1.704, Locke exerceu cargos de comissão de recursos e de Câmara de
comércio, abandonando-os já por volta de 1.700, quando resolveu por se “aposentar”
dedicando-se a vida filosófica e contemplativa .
RESENHA CRÍTICA DO “SEGUNDO TRATADO SOBRE O
GOVERNO CIVIL”
CAPÍTULO I
Locke volta a refutar no
primeiro capítulo de seu tratado, as teses do filosofo Sir Robert Filmer (1588
– 1653), defensor assíduo do Absolutismo, alicerçado em bases divinas. Como
havia exposto no primeiro tratado, Adão não tinha em qualquer hipótese ou por
direito, ou por doação divina, a autoridade sobre seus filhos e sobre o mundo,
e se o teve, isso é impossível de se estender e determinar até a atualidade, o
que leva Locke à busca de reiterado entendimento da legitimidade do domínio e
poder de determinados indivíduos sobre outros.
Assim, Locke define um
de seus conceitos-chave, que é o de poder político, que seria o “direito de
fazer leis com pena de morte e, conseqüentemente, todas as penalidades menores
para regular e preservar a propriedade, e de empregar a força da comunidade na
execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior; e tudo isso
tão-só em prol do bem público”. (Locke, 1978, p. 34)
CAPÍTULO II – DO ESTADO DE NATUREZA
Para se entender o poder
político e suas origens, Locke nos diz que devemos saber como convivem os
homens em seu estado de natureza, ou seja, do modo em que se achariam
naturalmente sem nenhum tipo de subordinação estatal, estado no qual ninguém se
obriga para com outro ou se subordina, havendo apenas uma mutualidade de
inter-relações, como nos explica ao citar Richard Hooker, teólogo inglês
defensor da igualdade natural dos homens: “Oferecer-lhe [ao próximo] algo que
lhe repugne ao desejo deve necessariamente afligi-lo em todos os sentidos tanto
quanto a mim; de sorte que, se pratico o mal, devo esperar por
sofrimento…”(LOCKE, 1978, p.35)
Pelas premissas de
Hooker, Locke nos afirma novamente a assertiva de que no estado de natureza
todos são iguais e providos das mesmas faculdades, subordinados apenas a Deus:
. . .”nenhum deles [homens] deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na
liberdade ou nas posses, […] [todos] são propriedade
d’Aquele que os fez, destinados a
durar enquanto a ele aprouver e não uns aos outros, e sendo todos providos de
faculdades iguais […] não há a possibilidade de supor-se qualquer
subordinação entre os homens. (Idem, p.36)
Dentro
da perspectiva do estado de natureza, Locke reconhece o direito de qualquer um castigar a transgressão e perturbação de
sua tranqüilidade por outrem, no intuito de
cessar a violação de sua paz na medida em que esta foi infringida, o que é
direito coletivo, haja vista a inexistência de superioridade ou jurisdição de
uns sobre os outros.
Percebe-se
a ligação da mencionada faculdade à lei de Talião, ou da “infricção a uma
pessoa do mesmo dano que haja causado a outrem.”(HOUSSAIS, 2001), e temos a
confirmação dessa similaridade na referência de Locke ao talionato, quando diz
que “todos têm direito de castigar o ofensor, tornando-se executores da lei da
natureza.” (LOCKE,1978, p.37)
Deixando-nos alguns
princípios assimilados posteriormente no direito Penal e Civil, Locke nos ensina que além do castigo à transgressão cometida, o
sujeito passivo (vítima) tem também o direito particular de buscar a reparação
dos danos sofridos por parte de quem os causou (CC art. 402- material / 953-
moral / CP- art. 91,I ), apropriando-se de seus bens (art. 942 CC) no fim de
ser ressarcido e impedir que o infrator repita o delito. Notam-se algumas das
bases sobre as quais o italiano Cesare Beccaria se sustentou em sua obra “Dos
Delitos e das Penas”(1764), na qual faz menção às faculdades acima mencionadas
por Locke, ao sustentar que a pena deve também focar-se nesse ressarcimento do
dano causado, na punição e conscientização da ilicitude do ato por parte do
transgressor. (BECCARIA, 2004)
Por fim Locke critica
o Absolutismo ao sustentar ser melhor viver em estado de natureza, no qual o homem se subordina somente a si, a viver sobre o
domínio de um monarca com o poder centralizado em si e que manda nos outros da
maneira que melhor lhe aprouver, o que não concretiza um pacto no qual lhe é
outorgado o poder, pois como diz Locke: “todos os homens estão naturalmente
naquele estado [de natureza] e nele permanecem, até que, pelo próprio
consentimento, se tornem membros de alguma sociedade política.”( LOCKE, 1978,
p.39.)
CAPÍTULO
III – DO ESTADO DE GUERRRA
Este é um estado de inimizade
e destruição advindo de desentendimento de indivíduos no estado de natureza que
declaram guerra entre si, podendo contar com o auxílio de terceiros que queiram
vir se juntar à causa. Locke reconhece essa possibilidade ao afirmar que temos
o direito de declarar guerra àquele que me a declara, como o permite a lei
natural, por não se restringir a qualquer tipo de convenção.
Desta forma Locke
afirma que a tentativa de dominação ou escravização é algo que dá ensejo ao
estado de guerra, uma vez que no estado de natureza todos são livres: “aquele
que tenta colocar a outrem sob poder absoluto põe-se em estado de guerra com
ele…” (LOCKE, 1978,p.40)
Em seguida Locke faz a
diferenciação entre estado de natureza e estado de guerra (algo inexistente na
concepção hobbesiana, na qual os dois são praticamente os mesmos). O primeiro
ocorre quando os homens vivem entre si em gozo de suas liberdades sem maiores
problemas: “quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior na
Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se propriamente o
estado de natureza.” (LOCKE, 1978, p.41)
Logo, o ato de se
infringir as mencionadas prerrogativas quando em vivência no estado natural,
àquele que teve seu patrimônio dilapidado, cabe o direito de declarar guerra a
seu agressor, devido à inexistência de quaisquer órgãos reguladores das atipicidades
cometidas, o que não ocorre quando da existência de um pacto social que garanta
a resolução do conflito de modo equânime, e isso que deve ser buscado pelos
indivíduos para que o estado de guerra pereça de forma definitiva.
CAPÍTULO IV – DA ESCRAVIDÃO
Para Locke, “a liberdade
natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder superior na Terra ,e
não sob a vontade ou autoridade legislativa do homem, tendo somente a lei da
natureza como regra”. (LOCKE, 1978, p.43) Assim,´podemos dizer que
também no estado social, o homem deve se subordinar somente àquele poder cujo
consensualmente anuiu, estando livre para fazer tudo o que não é defeso por tal
poder, princípio de nosso Direito Constitucional “Ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CR, art. 5º II)
Em
relação à escravidão, é mais do que clara a repulsa de Locke a tal modo de domínio,
gerador de infinitos conflitos e ninharias. Para ele, só existe uma
possibilidade do mencionado modus vivendi: os casos em que a pessoa perde o
seu direito à vida. Podemos ter o exemplo de um cidadão que cometeu alguma
falta gravíssima passível de pena de morte, casos em que Locke, reconhece a
possibilidade de escravização: “aquele a quem a entregou [a vida] pode, quando
o tem entre as mãos, demorar em tomá-la, empregando-o em seu próprio
serviço”…(LOCKE, 1978,p.43)
CAPÍTULO V – DA PROPRIEDADE
Locke considera em
seguimento ao Gênesis, que Deus deu a Terra aos homens em comum, para que estes
se utilizassem desta para a subsistência e conveniência. “Embora a terra e
todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem
uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito
senão ele mesmo.” (LOCKE, 1978, p.45) Note-se que Maquiavel anteriormente a
Locke nos deixou ensinamentos neste sentido, ao dizer no cap. XIX de sua obra
“O Príncipe” que para que não seja odiado por seus súditos, o Príncipe jamais
deve usurpar os bens e patrimônio destes: “quando os súditos têm seu patrimônio
e honra respeitados, vivem geralmente satisfeitos”. (MAQU IAVE L, 2004,p. 110)
Em continuidade,
Locke nos diz que aquele espaço ao qual o indivíduo incorporou para si através
do trabalho é de sua propriedade exclusiva e não lhe pode ser contestada (salvo
problemas de escassez), pois se necessitássemos do consentimento de todos para
apropriarmo-nos de uma macieira, por exemplo, morreríamos de fome “É a tomada
de qualquer parte do que é comum com a remoção para fora do estado em que a
natureza o deixou que dá início à propriedade.” (LOCKE, 1978, p.46)
Assim o é também com
a terra: “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva,
cujos produtos usa, constitui sua propriedade.” (LOCKE, 1978, p.47)
Locke ressalta a
importância do trabalho nesse sentido, ou seja, de incorporação de maior
propriedade, algo que foi demasiado crucial no âmbito do protestantismo, que
incorpora tal conduta à preceitualização divina: “ aquele que em obediência a
esta ordem de Deus, dominou, lavrou e semeou parte da terra,
anexou-lhe por este meio algo
que lhe pertença.. . ” (Idem)
Note-se que Max
Weber (1864-1920), em sua obra “A Ética
protestante e o espírito do Capitalismo” fez uma abordagem muito importante
nesse sentido, ao afirmar que a mencionada conduta (do trabalho como importante
para a dignificação do homem), foi muito importante no âmbito do
desenvolvimento do Capitalismo, à medida em que concorreu para o
desenvolvimento econômico-social por ter o trabalho como base importante em sua
doutrina. (WEBER, 2004)
Quanto aos problemas
relativos à escassez das terras, Locke considera impossível tal contestação,
pois o espaço dado por Deus a cada um dos homens para usufruto é mais do que
suficiente para sua satisfação, e no caso de desacordo com qualquer outro
homem, é passível de modificação, podendo aquele que teve sua propriedade
disposta a terceiro, trocá-la por outra tão quão produtiva quanto a anterior.
Retornando à questão do trabalho, Locke
nos chama a atenção não só para o acúmulo de propriedade, mas também para a sua
valorização: “. . .considere qualquer um a diferença que existe entre um acre
de terra plantado […] e um acre da mesma terra em comum sem qualquer cultura
e verificará que o melhoramento devido ao trabalho constitui a maior parte do
valor respectivo.” (I dem,
p.50) “A grande arte do governo
consiste no aumento de terras e no uso acertado delas”(I dem, p.51)
Ao longo do tempo, com o crescimento
populacional, a escassez passou a ser iminente, o que culminou em pactos e leis
fixando os limites dos respectivos territórios, dando ênfase à legitimidade de
sua posse.
Em seguida Locke nos explica o surgimento
do dinheiro, advindo da necessidade de se acumular bens sem o problema da
fungibilidade, ou seja, sem o perecimento de seus bens com o tempo. (Note-se
que o processo se iniciou com a permuta ou troca, que aos poucos foi sendo
substituída pela moeda – “as moedas fabricadas com uma liga de ouro e prata
apareceram pela primeira vez no século VI a.C. Tanto os monarcas como os
aristocratas, as cidades e as instituições começaram a cunhar moedas com seu
sinete de identificação para garantir a autenticidade do valor metálico da
moeda.” (ENCARTA 2001)
José Afonso da Silva em seu “Curso de Direito
Constitucional Positivo”,considera a propriedade como direito individual
indispensável (p.180), ao
lado da vida, igualdade, liberdade e segurança, todos
elencados no art. 5º de nossa Carta Magna, relativo aos direitos e deveres
individuais e coletivos, que assim define em
seu Inciso XXIII: “ a propriedade atenderá a sua função social”, e em seu
inciso XI que “a casa é asilo inviolável.”
Tais desígnios são pertinentes da
primeira leva de direitos a serem assegurados aos indivíduos ainda na idade Moderna
(os quais J. J. Canotilho define como
“Direitos de Defasa do cidadão perante o Estado,” considerando Locke o pai do
individualismo possessivo, p.384; Moraes chama-os de “Direitos da primeira
Geração ou negativos”, sucedidos pelos sociais, econômicos e culturais (2ª),
e pelos de solidariedade ou fraternidade (3ª) p.27;) com a
declaração dos direitos do homem e cidadão pouco após o término da Revolução
Francesa, com a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que deveriam ser
dispostas em quaisquer constituições que viessem a existir, sendo substituída a
posteriori, pela “Declaração
Universal dos Direitos Humanos” em 1948 pela assembléia das Nações Unidas.
CAPÍTULO
VI – DO PÁTRIO PODER
Locke critica a
mencionada expressão, nos dizendo que pode nos conduzir ao erro, pois parece
atribuir totalmente ao pai o poder sobre os filhos, quando na verdade sabemos o
quão é imprescindível o poder exercido pelas mães: “seria preferível chamar
esse direito de ‘poder dos pais’, para qualquer obrigação que a natureza e o
direito de geração impõem aos filhos, subordinando-os com toda certeza por
igual a ambas causas nela concorrentes.”(LOCKE,1978, p.55)
Em continuidade, Locke
nos fala de algo que faz algum diferencial mesmo quando em estado de natureza:
a experiência, que segundo ele, através da idade ou a virtude (virtú
em Maquiavel – Príncipe cap. XXV),
pode atribuir ao homem maior domínio sobre os demais, e isso é de nossa
natureza (inclusive da dos animais).
Os únicos passíveis de
jurisdição, porém temporária, são os filhos, que até atingirem a maturidade,
são dependentes dos pais, assim como foram Caim e Abel de Adão e Eva,
sucessivamente: “. . .o poder que os pais têm sobre os filhos resulta do dever
que lhes incumbe – cuidar da progênie durante o estado imperfeito da
infância.”(LOCKE, 1978, p.56)
É só na maturidade
(hoje a “maioridade” ocorre para nós aos 18 anos conforme o art. 5º de nosso
CC: “A menoridade civil cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.” Porém quando a maturidade chega, é uma incógnita…), um estado no qual
o jovem já dispõe do devido discernimento, que ele pode passar a gozar
de todas suas liberdades (Locke considerava ser nos aproximados 21 anos), e não
depende mais de seus pais ou tutores.
Em seguida Locke faz
menção aos loucos e defeituosos que não atingem o grau de razão em que teriam o
necessário discernimento, ensinando que estes jamais se libertam do governo dos
pais, regra levada a cabo por nosso Código Civil, que assim define em seu art.
3º II: “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil, os que por enfermidade ou doença mental, não tiveram o necessário
discernimento para a prática desses atos.”
Após a maioridade,
quando perde a jurisdição dos pais, o filho deve manter sempre a honra e o
respeito por ambos: “não há estado ou liberdade que possa dispensá-los desta
obrigação.” (LOCKE, 1978, p.59) Porém há de se lembrar que jamais os pais
poderão continuar a exigir de sua prole eterna obediência e absoluta submissão.
Temos
assim duas vertentes distintas: a primeira, a obediência, diz respeito ao dever
dos filhos de respeitarem seus pais quando ainda incapazes, e reciprocamente, o
dever dos pais de contribuírem para a formação do filho até o ápice de sua
maturidade. A segunda vertente abordada por Locke, a veneração, é referente ao
respeito e atenção dos filhos para com os pais após o escopo de sua maturidade,
haja vista a importância destes em sua formação anterior, apesar de não
exercerem mais a total jurisdição sobre eles.
Em
abordagem a outra forma de exercício do poder, Locke nos fala da faculdade de
se doar a herança: os pais tendo em vista o temperamento e veneração dos filhos
após a maioridade, doa a herança da maneira que melhor lhes aprouver, o que de
certo modo deixa os filhos co-obrigados a obedecer-lhos mesmo após a
maioridade, visando sempre o recebimento da herança, o que faz com que o pai
ainda tenha sobre eles um certo “reinado”, o que leva Locke a compara-los com
monarcas políticos, que estabelecem sua sucessão após a morte.
CAP.
VII – DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL
Como
ensina o Gênesis, Deus fez o homem no intuito de que este convivesse em
sociedade, dando-o a razão e o discernimento necessários para seu
relacionamento com os demais, o que inicia-se pela sociedade conjugal, que tem
como fim a procriação e o cuidado para com a prole até sua maturidade, sendo
essa a principal razão da continuidade dos laços entre homem e mulher, e um dos
motivadores do desenvolvimento do trabalho, de acordo com Locke.
Considerando
diferentes a sociedade conjugal e a política, o autor resolve por focar-se na
segunda, após breve explanação sobre a primeira. Ela nasce a partir do momento
em que os indivíduos resolvem por abrir mão de seu direito natural (Estado de
natureza – cap II), passando-o às mãos da comunidade, da forma que a lei
estabelecer: “. . .excluindo-se todo julgamento privado de qualquer cidadão
particular, a comunidade torna-se árbitro em virtude das regras fixas estabelecidas…”
(Locke, 1978, p. 67)
Assim,
aqueles que unem-se nesse intuito de estabelecer entre si um modus
vivendi, com
órgãos responsáveis pela resolução de controvérsias e punição dos infratores,
encontram-se numa sociedade política ou civil: “…por essa maneira a
comunidade consegue, por meio de um poder julgador estabelecer que castigo cabe
às varias transgressões, (…) bem como possui o poder de castigar qualquer
dano praticado contra qualquer dos membros, (…) e
tudo isso para a preservação da propriedade de todos os membros dessa
sociedade… “(Idem). Note-se a partir da citação, a criação dos poderes
Legislativo e executivo, aos quais Locke delega o a faculdade da criação e
execução das leis, sistema posteriormente aprimorado pelo francês Montesquieu
(1689 -1755) em sua obra “O espírito das Leis”, na qual trás a tona o sistema
de pesos e contrapesos (checks and balances).
Logo, só da forma retro-mencionada que se
torna possível a existência de uma sociedade civil, coexistindo nos demais
casos o estado de natureza; assim Locke considera a monarquia, que não é
constituída através de uma outorga consensual entre seus membros: “. . .onde
quer que existam pessoas que não tenham semelhante autoridade a que recorrerem,
(…) estarão tais pessoas no estado de natureza; e assim se encontra qualquer
príncipe absoluto em relação aos que estão sob seu domínio.” (Locke, 1978,
p.68).
Para que haja a modificação desses
estados monárquicos, há a necessidade de um juiz imparcial, que decide de forma
justa e sem inclinações (o que não aconteceu nas monarquias) os conflitos
existentes. Locke nos diz ainda que a monarquia é pior do que o estado de
natureza ordinário, porque há alguém com um poder superior ao meu que se acha
senhor de tudo.
Ninguém em seu estado
de natureza pode ser expulso de sua propriedade ou ser submetido ao poder
político de outrem sem dar consentimento, pois como já explicitado por Locke, todos
são livres, iguais e independentes, e só através de um pacto civil visando
maior tutela destas liberdades que ocorre o fim do tão estudado Estado, e a
formação de um corpo político que representa a maioria (LOCKE x ROUSSEAU).
“Todo homem, concordando com outros em formar um corpo político sendo um
governo, assume a obrigação para com todos os membros dessa sociedade de
submeter-se à redução da maioria conforme a assuntar. . .”(Locke, 1978, p. 71)
Locke logo após se depara com duas
objeções: Quando ocorreu de homens se reunirem e formarem um pacto da forma
mencionada? Como pode ter ocorrido se todos nós nascemos sob um governo
qualquer?
Em resposta, Locke
nos explica que o governo precede à historia, e só após sua formação é que se iniciam relatos a seu respeito.
Pedro H. S. Pereira.
Como
o modo de se justificar, Locke se utiliza das palavras do jesuíta Espanhol José
de Acosta (1539 – 1600), que em quando da exploração da América relatou a
inexistência de quaisquer governos. “[No Peru] não tiveram, durante muito
tempo, reis nem comunidades, vivendo em bandos, como o fazem até hoje na
Flórida os Cheriquanas, os do Brasil e de muitas outras nações que não tem reis
certos, mas quando se oferece a ocasião, na paz ou na guerra, escolhem os
chefes conforme lhes convém…“ (ACOSTA CITADO EM LOCKE, 1978, p. 73). Como
explicita Locke, tais sociedades iniciaram-se com a união voluntária e acordo
mútuo entre os homens que agiam livremente.
Explicando
o porquê do surgimento das monarquias, Locke baseia-se na figura do Pai, que
como até a atualidade costuma ser consenso, é o responsável pelo sustento e gerencia dos filhos, e o seu castigo
quando da transgressão das leis entre si
impostas, o que foi se transferindo de tempos em tempos, culminando nas
monarquias, mas ele considera que tal poder exercido pelos pais era legitimo,
pois o era feito de forma natural:. ..”não pode haver dúvida que faziam
o uso da liberdade natural para instalar aquele
que julgavam o mais apropriado a bem governar.” (Locke, 1978, p. 74); porém
comete-se um enorme engano ao se considerar que o governo monárquico surgiu por
natureza, vez que surgiu como ensinou Locke, pelo consentimento tácito, pois já
acostumados com a autoridade paterna, os indivíduos verificaram-na como a
melhor e mais segura.
O
surgimento das monarquias de forma mais concisa como o era na época de Locke,
se deu segundo ele, pela superioridade de determinados indivíduos na chefia de
guerras e conflitos, nos quais destacaram-se por sua maior capacidade e
agilidade a frente do povo, o que trouxe confiança dos demais por ele, algo que
passou a vigorar em primeiro plano sem malícia, dando origem às cruéis
monarquias, sustentadas por argumentos esdrúxulos como os de Sir. Robert
Filmer.
Em
resposta à questão de nosso atrelamento a formas de governo precedentes ao
nosso nascimento, Locke volta a mencionar que somos livres, e por isso podemos
criar nossa própria forma de governo, desde que longe daquela, pois se não
houvesse tal possibilidade, o mundo continuaria gerido por uma única monarquia:
”. . .quem quer que nasça sobre o domínio de outrem pode ser igualmente livre e
pode tornar-se governante ou súdito de governo separado ou distinto (…) todos
teriam de ser uma única monarquia universal se os homens não
tivessem tido a liberdade de se
separarem das famílias e dos governos (…) indo formar comunidades distintas e
outros governos…” (Locke, 1978 p. 78)
Finalizando a questão
relativa às formas de governo e sua aceitação, Locke nos fala que nos casos de esta ser expressa, o
individuo coobriga-se como membro de tal
governo, porém o problema centra-se no consentimento tácito, que para Locke
dá-se quando o individuo não manifesta sua vontade e interesse para com a manutenção
da jurisdição, o que o vincula até que não queria mais manter-se sobre determinado poder, tendo a faculdade de
retirar-se da comunidade, o que não ocorre
com aquele que a aceitam de forma expressa.
CAP IX . DOS FINS
DA SOCIEDADE POLÍTICA E DO GOVERNO
Locke nos fala que
apesar dos homens terem total liberdade sobre suas posses, e não terem qualquer obrigação com qualquer
outro no estado de natureza, estão expostos a inúmeros perigos que podem
culminar na perda de sua propriedade e
tranqüilidade para terceiros, pois são vulneráveis: “… a punição da
propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada.” (Locke,
1978, p.82).
Mais do que óbvio, o
surgimento das sociedades civis tem como escopo, a preservação da propriedade,
o que não se demonstra tão firme no estado de natureza: “O objetivo grande e
principal, (…) é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas
condições faltam no estado de natureza” (Idem). Locke enumera várias condições
inexistentes no estado de natureza:
1 – Uma lei firmada e
reconhecida por todos, pela qual devem se pautar.
2 – Um juiz imparcial para a
resolução de conflitos de acordo com a lei.
3 – Algo que assegure
a devida execução da sentença imposta.
Um grande motivador
da saída dos indivíduos de seu estado de natureza, levando a se associarem aos
demais, é a incerteza sobre o resultado de suas ações quando em estado de
natureza: “Os inconvenientes a que estão expostos pelo exercício irregular e
incerto do poder que todo homem tem de castigar as transgressões dos outros
obrigam-nos a se refugiarem sob as leis estabelecidas de governo e nele
procurarem a preservação da propriedade. (Idem, p.83)
Tendo em vista uma
maior proteção à sua propriedade e bens, apesar de perder alguns de seus
direitos exclusivos do estado de natureza (principalmente a autotutela), o
homem tem lucros ao resolver por ligar-se a uma sociedade política,
pois ao contrario, fica a mercê da vulnerabilidade. A
concepção de Locke é bastante diferente da hobbesiana, que vê o Estado como um
“mal necessário”.(HOBBES, 2004)
CAP. X – DAS FORMAS DE UMA COMUNIDADE
Locke aborda as diversas
formas de governo que se tornam possíveis quando há a criação das sociedades
civis.
Se há a nomeação de
pessoas de tempos em tempos para a elaboração das leis, deparamo-nos com uma
democracia, segundo ele. Nos casos de dar-se tal faculdade nas mãos de alguns
homens escolhidos, e a seus herdeiros e sucessores, deparamos-nos com uma
oligarquia, podendo haver também as monarquias, que podem ser hereditárias
(Locke já nos falou do problema que pode causar a hereditariedade), ou
eletivas.
Por fim Locke nos dá a
definição de Comunidade, que deve ser interpretada segundo ele com o
significado de “civitas”, correspondente à forma de associação por ele
mencionada, na qual vários indivíduos unem-se em torno de um mesmo objetivo,
visando o bem comum.
CAP XI – DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO
Locke nos diz que a
primeira e fundamental lei positiva que for instruída dentro de uma nova
sociedade, deve estabelecer junto a si o poder legislativo, poder supremo e
sagrado dentro de uma comunidade, sem o qual jamais poderá haver a
possibilidade de se legislar sem o consentimento dos seus representantes:
“[não] pode qualquer edito de quem quer que seja, (…) ter a força e a
obrigação da lei se não tiver a sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo
público”… (Locke, 1978, p.86).
Fazendo algumas
ressalvas ao poder legislativo, que pode ser exercido por um ou mais cidadãos,
Locke nos diz que:
1- Ele não pode ser
mais do que aquilo que as pessoas lhe outorgaram: “… não poderá ser mais do que essas pessoas tinham no estado de
natureza antes de entrarem em sociedade e o cederam à comunidade, porque
ninguém pode transferir a outrem mais poder do que possui.” (Locke, 1978 p. 87)
Seu objetivo é a preservação dos direitos dos
súditos, e nada mais.
2 – Ele
jamais pode chamar a si o poder de governar por meio de decretos extemporâneos
e arbitrários, (AI 5…) somente deve o fazer por leis a partir das quais os magistrados o efetivarão, para que não caia
na autoridade, o que é um dos motivos
que levam o individuo a celebrar o pacto, visando seu fim: “o poder que tem o mando deve governar mediante leis declaradas e
recebidas, e não por prescrições extra temporais e resoluções indeterminadas”.
(Locke, 1978, p. 88)
3
– Tal poder não pode jamais retirar dos indivíduos a sua propriedade (o que é um dos principais motivos de sua criação), ou
lançar impostos sobre esta sem seu
consentimento. É errôneo pensar que o poder legislativo pode fazer o que
quiser, mas isso pode ser possível naquelas comunidades em que o legislativo
esta alicerçado só sob um único individuo permanentemente, pois nos casos de
assembléias variáveis, os legisladores não o fazem por saber que voltarão estar
submissos como os demais.
4
– o poder legislativo não pode transferir seu poder de elaboração de leis a
terceiros, pois só o povo que tem legitimidade para o fazer.
CAP. XII DOS PODERES LEGISLATIVO,
EXECUTIVO E FEDERATIVO DA COMUNIDADE
Coma
já mencionado por Locke, o poder legislativo é aquele que Tem o direito de
saber como se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação
dela própria e dos seus membros, mas apesar desta tarefa, ele não trabalha
permanentemente, e seus membros devem voltar à normalidade para que também
sujeitem-se às leis que fizeram, e aproximem-se mais do bem geral, o que contrariamente
os poderia levar a agir de forma arbitrária, ou visando interesses exclusivos.
Na
fiscalização do cumprimento das leis, ficará o poder executivo, responsável por acompanhar sua execução e eficácia,
que ficará bastante separado do legislativo,
por este se reunir poucas vezes.
Por
último Locke menciona o poder federativo, responsável pela segurança e defesa
dos interesses da comunidade fora dela, o qual deve ser também regido pelo
executor, pois segundo ele: “… é quase impraticável colocar-se a força do
Estado
em mãos distintas e não subordinadas, ou os poderes executivo e federativo em
pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força
do público ficaria sob comandos
diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e ruína.”
(Locke, 1978 p. 92)
CAP. XIII-DA SUBORDINAÇÃO DOS
PODERES DA COMUNIDADE
Locke
nos ensina que como o poder legislativo age de acordo com os interesses da
comunidade visando sua preservação e salvaguarda, jamais pode ir contra esta,
casos nos quais a mesma pode alterá-lo, outorgando-lhe a outros indivíduos,
pois é sempre o poder supremo nos casos de falhas ou corrupção no poder
legislativo, o que não ocorre nos casos de boa gestão, em que o legislativo
goze de tal prerrogativa:”… enquanto subsiste o governo,o legislativo é o
poder supremo; o que deve dar leis a outrem deve necessariamente ser-lhe
superior…” (Locke, 1978, p.93)
Nos
casos de vacância temporal do legislativo (cap XII) momento em que não está
atuante, a referida guarda e supremacia advém do executivo que apesar de
irresponsável pela continua fiscalização das leis; esta pessoa única também
pode chamar-se suprema, em sentido mais tolerável, “não que tenha em si todo o
poder supremo, que é o de fazer leis, mas porque possui em si a suprema
execução…” (idem)
Retomando o poder
legislativo, Locke nos fala sobre o modo e freqüência de suas reuniões, nos
ensinando que podem ser reguladas constitucionalmente, com a precisão de
reuniões durante intervalos de tempo, ou quando as exigências ou ocasiões
trouxerem tal necessidade, devendo em ambos casos o executivo agir no sentido
de possibilitar de forma precisa as mencionadas reuniões.
Se o executivo não
concorre para a possibilitação das reuniões, e utiliza-se da força para
impedi-las, Locke nos diz que o povo tem o direito de utilizar-se da força,
pois seu emprego sem o consentimento do povo por parte do executivo, coloca-o
num estado de guerra para com a sociedade. Seu poder de convocar o legislativo,
não o trás ou dá supremacia, é apenas um encargo, uma obrigação em prol do bem
publico e da continua manutenção das leis.
Pedro H. S. Pereira.
Locke nos
fala neste presente capitulo dos casos em que o poder legislativo nada
deliberou sobre determinado assunto, ou simplesmente não o regular de forma
amplamente necessária, momentos em que cabe ao executivo buscar utilizar-se do
meio mais eguaz possível, visando o bem da comunidade: . ..o executor das leis, tendo o poder nas mãos, possui o direito de
(…) fazer o uso dele para o bem da
sociedade, em muitos casos em que a lei municipal não estabeleceu qualquer
direção, ate que o legislativo,(…) pondere a respeito.” (Idem,
p.96) Na
atualidade, claro que pouco
adversamente, nosso poder executivo tem através de nossa Magna Carta prerrogativa similar, possível devido às
medidas provisórias, (reguladas no art. 62) que dão a faculdade ao chefe do
executivo, de editar medidas provisórias nos casos de relevância e extrema
necessidade, suprindo a vacância do poder legislativo, que pouco após é chamado
a deliberar no intuito de aprovar ou não a medida, possível de ser convertida
em lei.
Quando
age em favor do bem público em casos em que não há previsão legal ou que há a
necessidade de vir contra esta, o executivo utiliza-se do instituto chamado
prerrogativa, devendo ir sempre a favor do povo. Exemplo simples desta
utilização, é o caso em que há a necessidade de demolição de uma casa próxima
de outra que está pegando logo, para que este não mais se alastre. Como é
bastante visível, há a necessidade do mencionado ato, que se tido em momento
posterior, culminara na destruição de propriedade; porém, visando o interesse
coletivo, o executivo jamais poderá deixar de se utilizar desta hermenêutica
nestes casos mais extremos.
Locke
nos diz que as primeiras sociedades tinham a prerrogativa como principal base
de seus governos, pois poucos eram as leis positivas, que foram paulatinamente
germinando das necessidades modernas, e substituindo a arbitrariedade dos reis, trazendo cada vez mais de
forma concreta, segurança para a sociedade, o
que jamais pode ser considerado uma “usurpação do poder”, como Locke nos
ensinou: “sendo o objetivo do governo o bem da comunidade, quaisquer alterações
que se introduzam nele visando a um objetivo não podem representar usurpação
contra quem quer que seja (…) a prerrogativa só pode ser a permissão do povo
aos governantes para praticar alguns atos de livre escolha onde a lei
silencie, e por vezes, vá também,
diretamente contra a letra da lei, a favor do bem público”… (Locke, 1978, p.
99)
Por fim, Locke nos pergunta o
que pode-se fazer se esta prerrogativa se tornar arbitrária por parte do poder
executivo, e referindo-se a divindade nos diz que a única coisa que se pode ser
feita, é apelar para esta: “… quando o corpo do povo (…) está submetido a
um poder sem direito, contra o qual não exista apelação na terra, ficam então
na liberdade de apelar para o céu”… (Idem, p.101)
CAP.
XVI DA CONQUISTA
Locke nos diz que tal forma
de poder é algo muito comum em guerras, e que não é uma forma legitima de
manifestação do poder político, pois “sem o consentimento do povo, não é
possível nunca fundar-se nova sociedade”. (Locke, 1978, p. 104). Ele compara a
mencionada conquista através de guerras, à conquista que um ladrão tem de meu
patrimônio: sob ameaça de uma arma, seria legitima a entrega de minha
propriedade a outrem? Jamais aquele que conquista em guerra injusta pode ter
qualquer direito à submissão e obediência por parte do conquistado.
Para Locke, o poder que o
conquistador pode ter do conquistado é puramente despótico, sendo aceitável somente
sobre a vida dos que participaram desta e perderam seus direitos (cap. IV-
escravidão), o que não abrange aqueles que não tomaram parte na batalha, salvo
o expresso consentimento dos mesmos: “quem tem direito sobre a pessoa de um
individuo para destruí-lo conforme quiser, nem por isso tem direito sobre o que
lhe pertence para possuí-lo e desfrutá-lo. (…)
o direito de conquista se estende somente à vida dos
que tomaram parte na guerra
e não às suas propriedades”… (Locke, 1978, p. 107).
Como parte da propriedade dos indivíduos temos a família, e Locke reconhece que
esta jamais deve responder por nada nos casos de escravização do patriarca:
”Salvos prejuízos e danos obtidos com a guerra, não podemos prejudicar a
família.” (Idem) Quanto
aos filhos, a recíproca se repete, pois como já explicitado, estes são livres
de sujeição a qualquer governo (se sujeitam somente ao poder dos pais até a
maioridade cap.VI),
e são os legitimados à herança dos pais.
Locke
diferencia ao inicio a conquista (chamada por ele de usurpação estrangeira) da
usurpação, que para ele é uma conquista interna, na qual tal conquistador
jamais pode ter o direito a seu favor, por estar este direito na posse de um
terceiro legitimado.
Como
visto no capítulo anterior, o conquistador passa a ter o direito sobre aqueles
com quem guerreou e venceu, algo não reconhecido nas formas e regras de governo
por parte do usurpador, vez que esta jamais será legitima, pois “…quem quer
que adquira o exercício de qualquer parte do poder por meios diferentes do que
as leis da comunidade prescreveram, não tem direito a ser obedecido…” (Locke,
1978, p. 112). Assim, só a sociedade, e de forma que a lei estabelecer, é a
legitimidade para a escolha de seus dirigentes, não tornando-se jamais submissa
a qualquer forma de poder arbitrário como a advinda da usurpação.
CAP. XVIII – DA
TIRANIA
Se a usurpação é o exercício
do poder ao qual outrem tem o direito, a tirania é segundo Locke, o exercício do poder alem do direito que lhe fora
outorgado, algo que não pode caber a
ninguém. Ela consiste em fazer o uso do poder tido em mãos, não para a vontade daqueles ao qual estão sujeitos,
mas em vantagem própria e privada, algo já combatido anteriormente pelo
rei Jaime Stuart, que rezava que: “… o rei
justo e virtuoso, (…) reconhece ter sido criado para promover a riqueza e a
propriedade de seu povo”. (Locke,1978, p. 113)
Segundo
Locke, não só as monarquias podem ser sujeitas a tal arbitrariedade, pois em
quaisquer formas de governo nos quais o poder de um legitimado se aplicar para
fins serão os de interesse de seu povo, tal governo encontrar-se-á em uma
tirania. Para Locke, o ato de se possuir mais poder ou posses do que os demais,
não me dá o direito de exorbitar as faculdades a mim atribuídas: “. . .possuir com pleno direito grande
poder e riquezas, (…) esta tão longe de
valer como desculpa e muito menor como razão, para a rapinagem e opinião”…
(Locke, 1978, p. 115).
Nos explicando o porquê de não se
poder opor às ordens de um príncipe
quando estas são legítimas, (o que pode gerar baderna)
Locke enumera quatro fatores que dão ensejo à condição de quem o faz:
1 – O príncipe não responde
por quaisquer atos não considerados ilegais em seu governo, o que o livra de
qualquer tipo de censura ou condenação judicial.
2 – Tal faculdade não impede o
questionamento de sua regularidade, mas se o príncipe ou rei o for, a
arbitrariedade dos responsáveis pelo constrangimento e desrespeito às leis deve
ser julgada.
3 – Nos casos de não haver a faculdade
acima mencionada, deve haver a existência de mecanismos satisfatórios para a
resolução dos conflitos e desentendimentos existentes quando do exercício do
poder pelo legitimado, capazes de garantir boa relação e o destrinchar de
quaisquer conflitos.
4 – Mesmo com a eminência de atos ilegais
por parte do governo, e com a obstrução das formas legais de se proceder, os
indivíduos têm o direito de resistir a tal manifesto, buscando de melhor
maneira o modo de resolução do problema de forma pacífica.
CAP. XIX – DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO
Locke busca ao inicio
a distinção de dois termos: a dissolução da sociedade, e a dissolução do
governo. A da sociedade pode ocorrer pela invasão de força estranha, o que
culmina não só na dissolução do governo, mas também na dissolução da sociedade,
vez que esta perde a capacidade de autogestão: ”. . . não sendo capaz de
manter-se e sustentar-se como corpo inteiro e independente, a união que lhe cabia e a formava tem
necessariamente de cessar”… (LOCKE, 1978, p. 118) Há também segundo
Locke, a possibilidade de dissolução dos governos por motivos internos:
10 –
Quando se altera o poder legislativo sem o prévio consentimento da sociedade, o
que ocorre “se um homem ou mais de um chamarem a si a elaboração leis sem
autoridade, a que o povo, em conseqüência, não está obrigado a obedecer”.
(idem, p. 119)
Nestes casos o mesmo tem a liberdade de
escolher novos legisladores, e conforme a conveniência, nova forma de governo.
20
Quando o legislativo ou o príncipe agem contrariamente ao encargo que
receberam, ou seja, a preservação da propriedade fator responsável por sua
criação. Ao agir desta forma, apoderando-se ou entregando a terceiros a
propriedade alheia, o legislativo perde o poder que lhe fora outorgado pelo
povo, que passa a ter o direito de retomar sua liberdade
originária, ou eleger novos governantes ou modos de governo.
Em seguida Locke nos
diz que fora dos casos supracitados, o povo, apesar de alguns problemas
decorrentes das contínuas modificações ocorridas nas sociedades de menor
repercussão, consegue conviver em paz … “até que o malefício se torne geral e
os maus desígnios dos governantes visíveis, ou que a maior parte perceba as
tentativas que fazem, o povo, (…) não será capaz de mexer-se”. (idem, p.
124).
Lembrando-nos
de preceitos já estudados nos capítulos anteriores ( cf. cap.II e III), Locke lembra que nos casos de exorbitância das
faculdades outorgados por parte do legislador, o povo em decorrência da lesão
sofrida, pode em determinados casos retornar ao estado de guerra: “ Quem quer
que use força sem direito, como o faz toda aquele que deixa de lado a lei,
coloca-se em estado de guerra com aqueles contra os quais assim a emprega”..
(idem, p. 125). E Locke considera justa uma penalização mais severa ao
legislador, nos casos em que vai em desrespeito à lei imposta (algo que deveria
ser levado à cabo em nosso país): “[a ofensa deles é maior] não só por serem
ingratos pela maior pela maior parte que tem pela lei, mas também por
desrespeitarem o encargo em que seus irmãos lhes colocaram nas mãos”. (idem).
Desta forma Locke
refuta as palavras do jurista Willian Bar Clay que não aceita de forma alguma
penas mais severas ao monarca, pois vê que “o inferior não pode castigar o
superior” (idem, p. 126), pode apenas “suportar” sua tirania, o que Locke
revida, ao sustentar que nestes casos os indivíduos retornam ao estado de
guerra, sem exceção, tendo direito de se opor a quem quer que seja. Como toda
regra tem sua exceção, o grandioso jurista crê que nos casos em que o rei
procura derrubar o governo e coloca o povo em guerra, ou quando se forma
dependente de outro reino e perde sua autonomia, o povo encontra-se livre e
entregue à própria vontade, o que não foge do foco de pensamento Lockeano.
Ao fim Locke volta a
afirmar que o grande legitimado para julgar tanto o príncipe quanto o
legislativo quando estes agem contrariamente as leis, é sempre o povo: ”. .
.quem poderá julgar se o depositário ou o deputado age bem e de acordo com o
encargo a ele confiado serão aquele que o nomeiam, devendo por tê-lo nomeado,
ter ainda poder para afastá-lo quando não agir conforme seu dever” (Idem,
p. 130).
A leitura deste texto jamais suprirá a
importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
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A leitura deste texto jamais suprirá a importância da
análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. São
Paulo:
Malheiros, 1998.
WEBER, Max. A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Matin Claret, 2004.
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